Resenha do livro Educação Física Escolar: Ensino e Pesquisa-Ação , de Mauro Betti

 

 

 

Ms. Claudio KravchychynI; Dra. Larissa Michelle LaraII; Dra. Ieda Parra Barbosa-RinaldiIII; Dr. Amauri Aparecido Bássoli de OliveiraIV

IDepartamento de Educação Física, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá; Programa de Pós-Graduação Associado em Educação Física, Universidade Estadual de Maringá/78Universidade Estadual de Londrina (Maringá – Paraná – Brasil) E-mail: [email protected]
IIDepartamento de Educação Física, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá (Maringá – Paraná – Brasil) E-mail: [email protected]
IIIDepartamento de Educação Física, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá (Maringá – Paraná – Brasil) E-mail: [email protected]
IVDepartamento de Educação Física, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá (Maringá – Paraná – Brasil) E-mail: [email protected]

Endereço para correspondência

BETTI, M. Educação Física escolar: ensino e pesquisa–ação. Ijuí: Ed. da Unijuí, 2009.

Mauro Betti é doutor em Filosofia da Educação, livre-docente em Métodos e Técnicas de Pesquisa e autor de 138 publicações. Destaca-se no cenário da Educação Física brasileira por sua postura atenta, crítica e participativa. O livro Educação Física Escolar: ensino e pesquisa-ação destaca-se por ser expressão da vida profissional do autor, uma ‘viagem’ descrita em cinco capítulos que evidenciam sua trajetória acadêmica, o método eleito e as teorias constitutivas desse processo.

O primeiro capítulo, ‘O conceito de Educação Física’, tem como cenário a Educação Física da década de 1980, centrada na delimitação conceitual da disciplina/área e no estreitamento do vínculo entre Educação Física e educação. Citando em especial as obras de João Paulo Subirá Medina, A Educação Física cuida do corpo e… mente,e de Vitor Marinho de Oliveira, O que é Educação Física, Betti reconhece a importância daquele momento histórico e ressalta o surgimento dos conceitos de cultura relacionados à Educação Física.

Nesse panorama, Betti esboça seu projeto para a Educação Física escolar, pautado na discussão do tema/objeto da disciplina e da constituição de sua abordagem sistêmica, pretendendo disponibilizar o universo cultural das atividades físicas ao aluno para usufruto durante a vida. Tal pretensão, segundo o autor, supera a falha idealista que consistia na aceitação, em si, dos elementos da cultura corporal de movimento, como conteúdos/meios da Educação Física. Julga necessária a integração cognição-corporeidade para que a Educação Física seja ação pedagógica com a cultura corporal, e não apenas discurso sobre ela. Com base em Valter Bracht – que entende a teoria da Educação Física como prescritiva ou normativa –, Betti reescreve seu entendimento sobre a Educação Física escolar, passando a entendê-la como disciplina que visa oferecer a apropriação crítica da cultura corporal de movimento, para formar o cidadão que usufrua, compartilhe, produza, reproduza e transforme os modos culturais da motricidade humana.

No segundo capítulo, ‘A Educação Física é uma disciplina científica? (o debate brasileiro)’ Betti revisita a revista Motus Corporis de 1996, onde inicia o debate com autores brasileiros que se dedicaram a reflexões epistemológicas na área, classificando os discursos sobre a teoria da Educação Física em dois grupos: o de matriz científica, que concebe a Educação Física como área de conhecimento científico, cujo principal representante é Go Tani, e o de matriz pedagógica, que a define como prática pedagógica e social de intervenção, que tem Valter Bracht como expoente.

A partir da análise de estudos de Tani, Bracht, Hugo Lovisolo, Manuel Sérgio e outros autores, incluindo-se no debate, Betti novamente retoma conceitos, com destaque para dois posicionamentos: a não-sustentação do debate brasileiro sobre o entendimento da Educação Física como disciplina científica – defendida por Tani e Sérgio e contestada por Lovisolo e Bracht, tendo a crítica à concepção tradicional de ciência como ponto convergente – e o entendimento de que os problemas de pesquisa em Educação Física precisam ser observados na prática social e dialogados com as ciências e a Filosofia, para que de lá retornem com respostas ou novos problemas.

Na reconstrução de sua concepção de Educação Física o autor adjetiva de pedagógica a intervenção como profissão, adicionando o referencial estético ao científico e filosófico (baseado em Bracht e Lovisolo) e passando a entender a Educação Física como área de conhecimento e intervenção profissional-pedagógica, que trata da cultura corporal de movimento para melhoria qualitativa das práticas que compõe dada cultura, com base em referenciais científicos, estéticos e filosóficos. Ressalta que na escola deve ser propiciada a apropriação crítica da cultura corporal de movimento, por meio da associação orgânica (saber orgânico) do ‘saber movimentar-se’ ao ‘saber sobre’ o movimento.

No terceiro capítulo, ‘Um pouco de História e Filosofia da ciência’, Betti aborda os pressupostos da ciência tradicional e do positivismo lógico, ultrapassando-os à luz das concepções sobre Filosofia e Ética das ciências, de Gérard Fourez, Filosofia e História da ciência, de Alan Chalmers e metodologia nas ciências humanas e sociais, de Alda Judith Alves-Mazzotti.

A partir das teorias de Fourez e Chalmers, Betti discute a Educação Física como possível disciplina científica. O tema reconduz o autor à dicotomia que impossibilita a construção de um objeto único para a Educação Física, levando-o a propor a necessidade da formulação de teorias para compreender e explicar os objetos que possam ser ajustados e reformulados dialeticamente. A principal contribuição de Alves-Mazzotti para a obra é a discussão sobre a produção do conhecimento nas ciências humanas e sociais, que vêm desenvolvendo critérios de orientação e modelos próprios de investigação, aprimorando o rigor procedimental e a confiabilidade das conclusões. Aos pesquisadores, pois, colocam-se exigências epistemológicas e metodológicas para irem a campo com delineamentos de pesquisa bem elaborados.

No quarto capítulo, ‘A pesquisa em Educação Física Escolar’, Betti relata que os debates da década de 1980 suscitaram a produção de ensaios teóricos, estudos filosóficos, históricos, pedagógicos e em aprendizagem e desenvolvimento motor que marcaram a pesquisa em Educação Física. Reconhece a significância das proposições teórico-metodológicas dessa produção, mas constata que já em meados de 1990 estavam esgotadas, e vincula o avanço da Educação Física escolar à aproximação de pesquisadores e professores da educação básica.

Para o autor, na virada de século a pesquisa qualitativa é realçada na Educação Física por meio de estudos etnográficos – sob a influência da Pedagogia – e, mais recentemente, da pesquisa-ação, idealizada por Kurt Lewin. Betti enaltece a perspectiva de pesquisa-ação de John Elliott que, com diferentes ênfases, pretende conhecer (pesquisa) e atuar (ensino), superando a diferença entre pesquisador (facilitador e colaborador) e professor (produtor de conhecimentos a partir de sua prática). Discute exaustivamente tais conceitos, destacando as ideias de Lawrence Stenhouse, para quem a ação educativa é hipotética, experimental e com validade relacionada à prática diária, bem como de Maria Amélia Santoro Franco, que propõe uma ‘pedagogia da pesquisa-ação’ baseada em problematização e contextualização da prática.

No quinto capítulo, ‘Imagens e ação: as mídias e a Educação Física Escolar’, com a colaboração de Giovani de Lorenzi Pires e Diego de Souza Mendes, Betti retoma as bases de sua tese de Doutorado (1997), uma interpretação crítica do discurso televisivo sobre o esporte e suas repercussões na Educação Física escolar. São citados dois estudos posteriores, realizados para incorporar produções das mídias e produções audiovisuais dos alunos ao ensino da Educação Física: ‘Luz, Câmera, Pesquisa-Ação: as Mídias nas aulas de Educação Física de uma Escola Pública’, de Betti e Sidnei Rodrigues Batista, e ‘Imagens em ação: uma pesquisa-ação sobre o uso de matérias televisivas em programas de Educação Física’, de Pires e Márcio Romeu Ribas de Oliveira, os quais não apareceram como fins em si mesmos, mas subordinados a um projeto que continua em dois relatos de pesquisa que avançaram na perspectiva da mídia-educação e na metodologia da pesquisa-ação.

Na conclusão da obra, Betti se preocupa com o fortalecimento da relação entre teoria e prática e o conhecimento científico como elo dessa relação, enaltecendo a ciência (poderosa realização humana), mas também a prática pedagógica, em especial a da Educação Física, que o autor define como complexa, dinâmica e portadora de valores, significados, ideologias e interesses. O destino final da ‘viagem’ de Betti é sua defesa da pesquisa-ação como melhor alternativa de articulação entre a Educação Física escolar (apropriação crítica da cultura corporal de movimento) e a meta da ciência (produzir conhecimento no confronto com o mundo), concretizada no equacionamento da problemática relação teoria-prática, delineado ao longo da obra pelo vasto referencial teórico e pelos relatos de pesquisa apresentados ao final.

Embora reconhecendo os anos de experiência do pesquisador e as argumentações construídas no bojo de sua história, há de se ressaltar os riscos de eleição da pesquisa-ação como melhor forma de articulação entre a Educação Física escolar e ciência, visto que outras abordagens teórico-metodológicas podem cumprir de modo satisfatório papéis semelhantes, afinadas com a realidade social em que estejam confrontadas. Contudo, deve-se considerar que as escolhas de um pesquisador se dão em função das experiências pessoais e profissionais e do que elege como prioritário a seus anseios investigativos.

Destacam-se os recortes temporais escolhidos por Betti para mostrar ao leitor a constituição histórica de seu pensamento em relação à Educação Física, especialmente a escolar. Os caminhos trilhados por ele, abarcando o período crítico da década de 1980, os embates epistemológicos da área, que o levaram a uma imersão na Filosofia e na História da ciência e sua preocupação em valorizar a pesquisa qualitativa em Educação Física, e a aproximação da mesma com o ‘chão da escola’ compõem um percurso marcante. A trajetória do pensamento do autor e as elações por ele produzidas ao longo da carreira sempre buscaram aproximar campo das ideias e cotidiano da atuação profissional, o que faz dele um autor de referência necessária quando se discute a área da Educação Física e sua intervenção.

Trata-se, pois, de uma obra densa, que expõe a trajetória profissional do autor por meio de um aprimorado escrito intelectual, de ricas contribuições à Educação Física e que pode interessar a professores e pesquisadores desejosos de entender o campo epistemológico da área, para aprimoramento do debate objetivando modos orientadores de revisão constante desse campo de conhecimento, com vistas à sua intervenção.

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