Petróleo

Outrora utilizado somente para fazer argamassa, para vedação ou por suas propriedades lubrificantes e medicinais, o petróleo não era um importante produto industrial até meados do século XIX, quando seu uso como combustível para iluminação justificou o investimento em pesquisa de novas jazidas. Ao longo do século XX, porém, a importância do produto cresceu tanto que sua participação no atendimento das necessidades mundiais de energia passou de 3,7% em 1900 para cerca de cinqüenta por cento no fim do século. Fonte de energia por excelência, mas também matéria-prima para o fabrico de plásticos, tintas, tecidos sintéticos e detergentes, por exemplo, o petróleo é hoje o mais importante produto de todo o comércio internacional.

Petróleo é uma mistura complexa de hidrocarbonetos que, associada a pequenas quantidades de nitrogênio, enxofre e oxigênio, se encontra sob forma gasosa, líquida ou sólida, em poros e fraturas, em geral de rochas sedimentares. Nos depósitos encontram-se também água salgada e uma mistura de gases responsáveis pela pressão que provoca a ascensão do petróleo através de poços perfurados. O petróleo líquido é também chamado óleo cru para distingui-lo do óleo refinado, produto comercial mais importante. O gás de petróleo (gás natural) é uma mistura de hidrocarbonetos leves, enquanto as formas semi-sólidas são compostas de hidrocarbonetos pesados.

Embora de pouca utilização em estado natural, o petróleo, quando refinado, fornece combustíveis, lubrificantes, solventes, material de pavimentação e muitos outros produtos. Os combustíveis derivados do petróleo respondem por mais da metade do suprimento total de energia do mundo. Tanto pela combustão direta quanto pela geração de eletricidade, o petróleo fornece iluminação para muitos povos do mundo. Seus subprodutos são também utilizados para a fabricação de tecidos sintéticos, borracha sintética, sabões, detergentes, tintas, plásticos, medicamentos, inseticidas, fertilizantes etc. Por exigir vultosos investimentos iniciais e contínuos reinvestimentos, apenas companhias de grande porte asseguram o desenvolvimento da indústria petrolífera.

Origem e características

São controvertidas as teorias sobre a origem do petróleo. Entre as principais figuram a da origem estritamente inorgânica, defendida por Dmitri I. Mendeleiev, Marcellin Berthelot e Henri Moissan, e a teoria orgânica, que postula a participação animal e vegetal. De acordo com a primeira, o petróleo ter-se-ia formado a partir de carburetos (de alumínio, cálcio e outros elementos) que, decompostos por ação da água (hidrólise), deram origem a hidrocarbonetos como metanos, alcenos etc., os quais, sob pressão, teriam sofrido polimerização (união de moléculas idênticas para formar uma nova molécula mais pesada) e condensação a fim de dar origem ao petróleo.

Contra essa concepção, mais antiga, levanta-se a teoria orgânica, segundo a qual a presença no petróleo de compostos nitrogenados, clorofilados, de hormônios etc. pressupõe a participação de matéria orgânica de origem animal e vegetal. Em sua grande maioria, os pesquisadores modernos tendem a reconhecer como válida apenas a teoria orgânica, na qual destacam o papel representado pelos microrganismos animais e vegetais que, sob a ação de bactérias, formariam uma pasta orgânica no fundo dos mares. Misturada à argila e à areia, essa pasta constituiria os sedimentos marinhos que, cobertos por novas e sucessivas camadas de lama e areia, se transformariam em rochas consolidadas, nas quais o gás e o petróleo seriam gerados e acumulados.

Aspectos geológicos. Grande parte das ocorrências de petróleo acham-se associadas a sedimentos marinhos. Dá-se o nome de rochas geradoras (ou matrizes) àquelas onde o petróleo se originou — em geral folhelhos escuros com alguns calcários, siltitos e arenitos finos. As rochas geradoras têm geralmente dois a dez por cento de matéria orgânica.

Ao longo do tempo geológico, ocorrem diastrofismos (deformações) na crosta terrestre que provocam dobras (anticlinais) e falhamentos das camadas sedimentares para onde migra e se acumula o óleo gerado na rocha matriz. Essas deformações das camadas sedimentares constituem as “armadilhas” (estruturas rochosas que aprisionam o óleo e o gás). Rochas ígneas não poderiam gerar petróleo por falta de matéria orgânica. Da mesma forma, o óleo e o gás não poderiam migrar ou se acumular nesse tipo de rocha, que se caracteriza pela baixa porosidade.

Aspectos químicos. O óleo cru é formado basicamente de hidrocarbonetos — compostos de carbono e hidrogênio combinados em moléculas de disposição e tamanho diversos. As moléculas menores, com um a quatro átomos de carbono, formam os gases; moléculas maiores (de quatro a cerca de dez átomos de carbono) constituem a gasolina; moléculas ainda maiores, de até cinqüenta átomos de carbono, são as dos combustíveis leves e óleos lubrificantes; e moléculas gigantes, de até várias centenas de átomos de carbono, compõem combustíveis pesados, ceras e asfaltos. Junto aos hidrocarbonetos gasosos há apreciáveis quantidades (até 15%) de nitrogênio, dióxido de carbono e ácido sulfídrico, além de pequena porção de hélio e outros gases. Nos hidrocarbonetos líquidos em geral se encontram traços de oxigênio, enxofre e nitrogênio, na forma elementar ou combinados com as moléculas de hidrocarbonetos.

Os átomos de carbono unem-se nas moléculas de hidrocarbonetos de duas maneiras diferentes: para formar compostos em forma de anel (hidrocarboneto cíclico) ou de cadeia (hidrocarboneto acíclico ou alifático). Além disso, cada átomo de carbono pode ser completado de maneira total ou apenas parcial por átomos de hidrogênio e assim formar, respectivamente, moléculas saturadas ou não-saturadas. Os hidrocarbonetos saturados cíclicos chamam-se naftenos, e os acíclicos, parafinas; os não-saturados cíclicos chamam-se aromáticos, e os acíclicos, olefinas ou alcenos.

Aspectos físicos. O óleo cru contém milhares de compostos químicos, desde gases até materiais semi-sólidos, como asfalto e parafina. Sob grande pressão no interior da Terra, os gases estão dissolvidos nos componentes mais pesados, mas ao atingirem a superfície podem vaporizar-se. Do mesmo modo, a parafina encontra-se dissolvida no petróleo cru, do qual pode separar-se na superfície, ao resfriar.

Fisicamente, o petróleo é uma mistura de compostos de diferentes pontos de ebulição. Esses componentes dividem-se em grupos, ou frações, delimitados por seu ponto de ebulição. Os intervalos de temperatura e a composição de cada fração variam com o tipo de petróleo. As frações cujo ponto de ebulição é inferior a 200o C, entre eles a gasolina, costumam receber o nome genérico de benzinas. A partir do mais baixo ponto de ebulição, de 20o C, até o mais alto, de 400o C, tem-se, pela ordem: éter de petróleo, benzina, nafta ou ligroína, gasolina, querosene, gasóleo (óleo diesel), óleos lubrificantes. Com os resíduos da destilação produz-se asfalto, piche, coque, parafina e vaselina.

História

O petróleo era conhecido já na antiguidade, devido a exsudações e afloramentos freqüentes no Oriente Médio. No Antigo Testamento, é mencionado diversas vezes, e estudos arqueológicos demonstram que foi utilizado há quase seis mil anos. No início da era cristã, os árabes davam ao petróleo fins bélicos e de iluminação. O petróleo de Baku, no Azerbaijão, já era produzido em escala comercial, para os padrões da época, quando Marco Polo viajou pelo norte da Pérsia, em 1271.

A moderna indústria petrolífera data de meados do século XIX. Em 1850, na Escócia, James Young descobriu que o petróleo podia ser extraído do carvão e do xisto betuminoso, e criou processos de refinação. Em agosto de 1859 o americano Edwin Laurentine Drake perfurou o primeiro poço para a procura do petróleo, na Pensilvânia. O poço revelou-se produtor e a data passou a ser considerada a do nascimento da moderna indústria petrolífera. A produção de óleo cru nos Estados Unidos, de dois mil barris em 1859, aumentou para aproximadamente três milhões em 1863, e para dez milhões de barris em 1874.

Até o final do século XIX, os Estados Unidos dominaram praticamente sozinhos o comércio mundial de petróleo, devido em grande parte à atuação do empresário John D. Rockefeller. A supremacia americana só era ameaçada, nas últimas décadas do século XIX, pela produção de óleo nas jazidas do Cáucaso, exploradas pelo grupo Nobel, com capital russo e sueco. Em 1901 uma área de poucos quilômetros quadrados na península de Apsheron, junto ao mar Cáspio, produziu 11,7 milhões de toneladas, no mesmo ano em que os Estados Unidos registravam uma produção de 9,5 milhões de toneladas. O resto do mundo produziu, ao todo, 1,7 milhão de toneladas.

Outra empresa, a Royal Dutch-Shell Group, de capital anglo-holandês e apoiada pelo governo britânico, expandiu-se rapidamente no início do século XX, e passou a controlar a maior parte das reservas conhecidas do Oriente Médio. Mais tarde, a empresa passou a investir na Califórnia e no México, e entrou na Venezuela. Paralelamente, companhias européias realizaram intensas pesquisas em todo o Oriente Médio, e a comprovação de que essa região dispunha de cerca de setenta por cento das reservas mundiais provocou uma reviravolta em todos os planos de exploração.

A primeira guerra mundial pôs em evidência a importância estratégica do petróleo. Pela primeira vez foi usado o submarino com motor diesel, e o avião surgiu como nova arma. A transformação do petróleo em material de guerra e o uso generalizado de seus derivados — era a época em que a indústria automobilística começava a ganhar corpo — fizeram com que o controle do suprimento se tornasse questão de interesse nacional. O governo americano passou a incentivar empresas do país a operarem no exterior.

Período entre guerras. O desmembramento do império otomano facilitou a penetração de companhias européias na região, especialmente nos territórios sob mandato e protetorado. No fim da década de 1920, a descoberta de um imenso campo petrolífero no Iraque transformou o país no segundo produtor do Oriente Médio. Em 1935, inaugurou-se o primeiro dos grandes oleodutos entre o Oriente Médio e o Mediterrâneo. A exploração daquelas áreas ampliou-se com o aumento crescente do consumo mundial e a acirrada disputa entre as grandes empresas. Foram descobertas enormes jazidas em Bahrein, na Arábia Saudita e no Kuwait.

Em 1928, a Venezuela passou a ocupar o segundo lugar entre os produtores de petróleo. No México a produção aumentou muito de 1919 a 1921, a ponto de atingir 25% do total mundial, mas depois caiu bruscamente. Em 1938, o governo mexicano expropriou as empresas estrangeiras de petróleo.

Depois de 1945. Durante a segunda guerra mundial, a demanda de petróleo atingiu proporções gigantescas, e no pós-guerra a procura pelo produto intensificou-se ainda mais. O desenvolvimento mais notável ocorreu no Oriente Médio, mas também se alcançaram resultados importantes no norte da África, no Canadá e na Nigéria. Aproximadamente a partir de 1950 manifestou-se na maioria dos países produtores uma acentuada tendência para a regulamentação rígida das concessões a empresas estrangeiras. No Irã foi desapropriada a Anglo-Iranian em 1951 e criada a National Iranian Oil Company, mas dois anos mais tarde se constituiu um consórcio de capitais anglo-franco-americanos.

Alguns países, como o Canadá e a Venezuela, adotaram o sistema de concessões de áreas limitadas. Outros optaram por permitir a exploração indiscriminada em troca do pagamento de royalties, de montante variável de uma área para outra, às vezes somado a exigências como construção de refinarias, utilização de mão-de-obra nacional etc. A política de divisão dos lucros em partes iguais entre o governo e os concessionários, aplicada na Venezuela a partir de 1943, logo foi adotada pela maioria dos países em desenvolvimento. Na Ásia, tornaram-se produtores Indonésia, Bornéu e Nova Guiné. Na América Latina, Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e Bolívia começaram a extrair óleo de suas jazidas.

Em setembro de 1960, por iniciativa dos grandes produtores do Oriente Médio (Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait) e da Venezuela, foi fundada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Em 1973, após a quarta guerra entre árabes e israelenses, os países exportadores de petróleo decidiram tomar algumas medidas — como reduzir quotas de produção, embargar exportações para os Estados Unidos e alguns países da Europa, triplicar os preços do óleo cru — o que causou uma crise mundial e mostrou claramente o quanto o Ocidente dependia do petróleo dos países árabes. Desde então, os aumentos sucessivos de preços determinados pela OPEP levaram os países importadores a uma revisão de sua política energética, com controle rigoroso do consumo, utilização de fontes de energia alternativa e, quando possível, como no caso do Brasil, incremento da exploração de suas jazidas.

Em meados da década de 1990, a OPEP contava com 12 membros. Além dos cinco fundadores, filiaram-se ao organismo Indonésia, Líbia, Qatar, Argélia, Abu Dhabi, Nigéria, Equador e Gabão, os quais, juntos, controlavam dois terços das reservas mundiais. O comportamento dos preços do barril de petróleo voltou a dominar o cenário internacional em 1990, principalmente em virtude da invasão do Kuwait pelo Iraque. A incerteza gerada pelo conflito provocou uma tendência de alta do barril — que alcançou quarenta dólares — e uma conseqüente elevação da produção mundial. Nos anos seguintes a OPEP lutou sem sucesso para manter o preço mínimo que fixara, de 21 dólares por barril, mas que baixou a até 15 dólares.

Tecnologia

As características físicas e químicas do óleo cru, juntamente com a localização e a extensão das jazidas, são os principais fatores na determinação de seu valor como matéria-prima. O petróleo jaz oculto no fundo da terra, e nenhuma de suas propriedades físicas ou químicas permite detectá-lo com certeza da superfície. Técnicas geológicas, geofísicas e geoquímicas desenvolvidas para a exploração não fornecem prognósticos precisos sobre a existência de petróleo em determinada área e, quando muito, dão uma indicação de boas possibilidades de encontrá-lo.

Até o início do século XX, a exploração consistiu em detectar indícios de petróleo na superfície terrestre. Perfuravam-se então poços em locais de exsudações e afloramentos, ou a sua volta. A prospecção científica desenvolveu-se no começo do século XX, quando os geólogos começaram a mapear as características terrestres indicadoras de sítios favoráveis à perfuração.

Particularmente reveladores eram os afloramentos que indicavam a existência de rochas sedimentares porosas e impermeáveis alternadas. A rocha porosa (arenitos, calcários ou dolomitas) serve de reservatório para o petróleo, que nela pode migrar, sob uma diferença de pressão, através de interstícios e fendas, até o ponto de escapamento, ou seja, até o poço perfurado. As rochas impermeáveis (argila, folhelho), impedem o óleo de migrar do reservatório. No início da década de 1920, começou a exploração de subsuperfície, acompanhada da análise de sondagem (amostras retiradas do poço perfurado por sondas).

Prospecção. A partir da década de 1950, a pesquisa do petróleo começou a ser feita com técnicas geofísicas — gravimétricas, magnetométricas e sísmicas — que permitem mapear as estruturas de subsuperfície. O gravímetro é um instrumento sensível que mede as variações da força de gravidade provocadas, entre outros fatores, pelas diferenças de densidade das rochas. Rochas densas, quando próximas da superfície, aumentam a atração da gravidade, o que não ocorre com as rochas sedimentares, que são porosas. A técnica magnetométrica utiliza as variações do campo magnético da Terra, causadas pela existência de corpos magnéticos sob a superfície. As rochas plutônicas, que em geral contêm mais magnetita, aumentam as leituras do magnetômetro e, assim, pode-se verificar a profundidade das rochas.

Embora mais dispendiosos e complexos, os métodos sísmicos são mais precisos. Baseiam-se no fato de que ondas de choque provocadas por fontes artificiais de energia, descrevendo uma trajetória descendente, são refletidas ou refratadas pelas superfícies de contato entre as camadas. Ao retornarem à superfície, as ondas de choque são registradas por geofones (sensíveis aos ruídos subterrâneos), localizados em diferentes pontos das linhas que irradiam da fonte de energia. De acordo com o princípio de refração, as ondas de choque que atingem a superfície de contato (“horizonte”) com pequeno grau de inclinação podem ser contidas e prosseguem ao longo da camada. Se a camada de rocha for particularmente densa, as ondas não serão completamente amortecidas e poderão ser observadas a vários quilômetros da fonte de energia.

A reflexão é a técnica preferida na exploração sísmica. Requer fontes de menor intensidade e menores distâncias para a instalação de geofones, pois as ondas de choque que formam um grande ângulo de incidência com a camada de rocha são refletidas para a superfície mais próxima da fonte. Tanto os meios permeáveis quanto os densos refletem as ondas de choque e fornecem, além disso, informações sobre os “horizontes” intermediários.

Métodos geoquímicos de superfície são utilizados na tentativa de descobrir a presença de acumulações de hidrocarbonetos em subsuperfície. Nesses métodos se usam análises geoquímicas a fim de detectar a presença de anomalias de hidrocarbonetos gasosos no solo, na água ou no ar. Também podem ser empregadas análises do solo a fim de localizar concentrações de bactérias que se alimentam de hidrocarbonetos gasosos provenientes das jazidas da profundidade.

Apesar dessas modernas técnicas de exploração, o único meio de se ter certeza absoluta da existência de petróleo ainda é a perfuração. Por economia de tempo e de capital, costuma-se perfurar primeiro um poço para colher informações. Análises de fragmentos das rochas colhidas revelam características físicas e químicas e são examinados por paleontólogos, que estabelecem a correlação entre os horizontes geológicos, mediante a análise de microfósseis. As jazidas ocorrem de preferência em áreas de espessos depósitos sedimentares, predominantemente de origem marinha, que sofreram deformações brandas. Nas áreas pré-cambrianas, onde predominam rochas metamórficas e ígneas, é praticamente impossível existir petróleo.

Tipos. O petróleo consiste basicamente em compostos de apenas dois elementos que, no entanto, formam grande variedade de complexas estruturas moleculares. Independentemente das variações físicas ou químicas, quase todos os petróleos variam de 82 a 87% de carbono em peso e 12 a 15% de hidrogênio. Os asfaltos mais viscosos geralmente variam de 80 a 85% de carbono e de 8 a 15% de hidrogênio.

O óleo cru pode ser agrupado em três séries químicas básicas: parafínicas, naftênicas e aromáticas. A maioria dos óleos crus compõe-se de misturas dessas três séries em proporções variáveis, e amostras de petróleo retiradas de dois diferentes reservatórios não serão completamente idênticas.

As séries parafínicas de hidrocarbonetos, também chamadas de série metano (CH4), compreendem os hidrocarbonetos mais comuns entre os óleos crus. É uma série saturada de cadeia aberta com a fórmula geral CnH2n+2, na qual C é o carbono, H é o hidrogênio e n um número inteiro. As parafinas, líquidas a temperatura normal e que entram em ebulição entre 40o e 200o C, são os constituintes principais da gasolina. Os resíduos obtidos pelo refino de parafinas de baixa densidade são ceras parafínicas plásticas e sólidas.

A série naftênica, que tem fórmula geral CnH2n, é uma série cíclica saturada. Constitui uma parte importante de todos os produtos líquidos de refinaria, mas forma também a maioria dos resíduos complexos das faixas de pontos de ebulição mais elevados. Por essa razão, a série é geralmente de maior densidade. O resíduo do processo de refino é um asfalto, e os petróleos nos quais essa série predomina são chamados óleos de base asfáltica.

A série aromática, de fórmula geral CnH2n-6, é uma série cíclica não-saturada. Seu membro mais comum, o benzeno (C6H6), está presente em todos os óleos crus, mas como uma série os aromáticos geralmente constituem somente uma pequena porcentagem da maioria dos óleos.

Além desse número praticamente infinito de hidrocarbonetos que formam o óleo cru, geralmente estão presentes enxofre, nitrogênio e oxigênio em quantidades pequenas mas muito importantes. Muitos elementos metálicos são encontrados no óleo cru, inclusive a maioria daqueles encontrados na água do mar, como vanádio e níquel. O óleo cru pode também conter pequenas quantidades de restos de material orgânico, como fragmentos de esqueletos silicosos, madeira, esporos, resina, carvão e vários outros remanescentes de vida pretérita.

Perfuração. Associado ao gás e à água nos poros da rocha, em geral o petróleo acha-se submetido a grandes pressões, de modo que a perfuração de um poço faz com que o óleo e o gás sejam impulsionados através do poço pela energia natural do reservatório. Como o gás natural que geralmente acompanha o óleo está sob forte compressão, freqüentemente fornece energia suficiente para mover o óleo das camadas porosas até as paredes do poço e, por vezes, até a superfície. Se as pressões forem insuficientes, é necessário o bombeamento para a produção de óleo.

As perfurações mais modernas são feitas por sondas rotativas, com brocas de aço de alta dureza e de diferentes tipos e diâmetros, dependentes do diâmetro do poço e da natureza da rocha que devem penetrar. Nesse processo, tem grande importância a injeção de um fluido especial, composto de argila montmorilonítica e sulfato de bário. Injetada por bomba no interior da haste rotativa de perfuração, ao retornar à superfície ela vem misturada a detritos constituídos de fragmentos das rochas atravessadas pela broca e que permitem sua análise. Além disso, esse fluido serve para lubrificar e resfriar a broca, remover os detritos formados durante a perfuração e impedir o escapamento intempestivo de gases ou óleo sob alta pressão, que pode provocar incêndios.

Transporte. Como a extração do petróleo ocorre muitas vezes em áreas distantes dos centros de consumo, seu transporte para refinarias e mercados exige sistemas complexos e especializados, como oleodutos, navios petroleiros, caminhões ou vagões-tanques. Quando se trata de longas distâncias, o meio mais barato é o navio petroleiro, cujo agigantamento tem contribuído para a redução dos custos de transporte. No transporte por terra de grandes quantidades de petróleo, os custos mais baixos se obtêm pelo uso de oleodutos, tubulações que, mediante bombeamento, levam o produto às refinarias.

Refinação. A função das refinarias consiste em dividir o óleo cru em frações (grupos) delimitadas pelo ponto de ebulição de seus componentes, e em seguida reduzir essas frações a seus diversos produtos. Quando possível, os processos de refinação são adaptados à demanda dos consumidores. Assim é que no final do século XIX, quando o querosene de iluminação era muito utilizado, as refinarias dos Estados Unidos extraíam do óleo cru até setenta por cento de querosene. Depois, quando a gasolina passou a ser o subproduto mais procurado, começou a ser retirada do óleo cru nessa porcentagem. Mais tarde, o querosene voltou a encontrar larga aplicação como combustível para aviões a jato. As refinarias localizam-se muitas vezes junto às fontes produtoras, mas também podem situar-se em pontos de transbordo ou perto dos mercados de consumo, que oferecem a vantagem da redução de custo, pois é mais econômico transportar petróleo bruto por oleodutos do que, por outros meios, quantidades menores de seus derivados.

Na refinaria, o óleo cru e os produtos semifinais e finais são continuamente aquecidos, resfriados, postos em contato com matérias não-orgânicas, vaporizados, condensados, agitados, destilados sob pressão e submetidos à polimerização (união de várias moléculas idênticas para formar uma nova molécula mais pesada) sem intervenção humana. Os processos de refino podem ser divididos em três classes: separação física, alteração química e purificação.

Separação física. A destilação, a extração de solventes, a cristalização por resfriamento, a filtração e a absorção estão compreendidas nos processos de separação física. A destilação é realizada em estruturas altas e cilíndricas chamadas torres. Depois de bombeado para os tubos de um alambique, onde é aquecido até vaporizar-se (exceto em sua porção mais pesada), o óleo cru é dispersado para uma coluna de destilação de um vaporizador localizado acima da base. Um gradiente térmico é estabelecido através da torre, de tal modo que a temperatura é mais alta na base e mais baixa no topo. Os vapores ascendentes condensam-se à medida que sobem pela torre, e os líquidos condensados juntam-se a espaços predeterminados, de onde são recolhidos. Os componentes cujo ponto de ebulição é semelhante ao da gasolina condensam-se quase no topo da torre; o querosene, logo abaixo; o óleo diesel, no meio da coluna; o resíduo, na base. Cada um desses fluxos passa então a novo estágio de processamento. Por redestilação a vácuo, o resíduo é dividido em óleos lubrificantes leves ou pesados e em combustível residual ou material asfáltico.

Alteração química. Os processos dessa classe de refino podem ter um dos seguintes objetivos: decompor, ou craquear (do inglês to crack, quebrar), grandes moléculas de hidrocarbonetos em outras menores; polimerizar ou unir pequenas moléculas de uma substância para formar outras maiores; e reorganizar a estrutura molecular. O craqueamento do óleo cru é historicamente o mais importante. No século XIX era utilizado para duplicar a quantidade de querosene que se extraía do petróleo. Com o advento do automóvel, aumentou a demanda da gasolina, e o craqueamento passou a ser usado como meio de elevar a produção desse combustível. Pelo processo de Burton, aquece-se a matéria-prima a cerca de 500o C sob pressão e obtém-se gasolina. Descobriu-se depois que a gasolina assim obtida era de melhor qualidade. A seguir foi descoberto o craqueamento catalítico, pelo qual catalisadores como a alumina, a bentonita e a sílica facilitam o rompimento das moléculas.

A polimerização é o contrário do craqueamento. Consiste na combinação de moléculas menores em moléculas de hidrocarbonetos mais pesados, visando sobretudo à obtenção de gasolina. O primeiro processo de polimerização utilizava como matérias-primas hidrocarbonetos gasosos não-saturados, principalmente o propileno e o butileno. Outro processo de polimerização, a alquilação, combina essas duas matérias-primas com o isobutano, hidrocarboneto gasoso saturado. A alquilação contribuiu grandemente para a produção de gasolina para aviação.

O terceiro tipo de processo químico é aquele que altera a estrutura das moléculas de hidrocarbonetos, a fim de aumentar o poder de combustão do produto. Em meados do século XX, as pesquisas orientaram-se, principalmente nos Estados Unidos, para apurar a qualidade da gasolina, o que foi conseguido não só com o desenvolvimento de novos processos de refinação, mas também com a introdução de um aditivo, o chumbo tetraetila. Mais tarde, porém, os compostos de chumbo foram retirados da mistura em muitos países por serem altamente poluentes.

Purificação. A terceira classe de processos de refinação compreende aqueles que purificam os produtos. Há no óleo cru muitos elementos não hidrocarbonados, principalmente enxofre, que lhe conferem propriedades indesejáveis. Vários processos foram criados para neutralizá-los ou removê-los. Por meio da hidrogenação — processo desenvolvido por técnicos alemães para a transformação do carvão em gasolina — as frações do petróleo são submetidas a altas pressões de hidrogênio e a temperaturas entre 26o e 538o C, em presença de catalisadores.

Distribuição. A maioria dos produtos derivados do petróleo é constituída de líquidos, na maior parte das condições estáveis, que podem ser acondicionados em tanques e bombeados de um lugar para outro. Os produtos que apresentam maiores dificuldades de manuseio são os que se encontram nas extremidades da escala de ponto de ebulição: gases, graxas, combustíveis pesados, parafinas e asfaltos. O gás liquefeito de petróleo (GLP) tem de ser armazenado e transportado sob pressão e normalmente distribuído ao consumidor em cilindros. Graxas e alguns óleos lubrificantes são acondicionados em barris e latas. Combustíveis pesados e asfaltos, que se solidificam à temperatura ambiente, têm de ser armazenados e distribuídos em recipientes aquecidos ou isolados.

Reservas mundiais. Embora os derivados do petróleo sejam consumidos no mundo inteiro, o óleo cru só é produzido comercialmente num número relativamente diminuto de lugares, e muitas vezes em áreas de deserto, pântanos e plataformas submarinas. O volume total de petróleo ainda não descoberto em terra e na plataforma continental é desconhecido, mas a indústria petrolífera desenvolveu o conceito de “reserva provada” para designar o volume de óleo e gás que se sabe existir e cuja extração é compensadora, considerados os custos e os métodos conhecidos. Conforme relatório das Nações Unidas (Ocean Oil Weekly Report, de 7 de fevereiro de 1994), que toma como base a produção média de 1991, o estoque mundial de óleo estaria esgotado em 75 anos. Das reservas atuais, 65% estão no Oriente Médio. Segundo o relatório, o volume de óleo remanescente na Terra é de 1,65 trilhões de barris, constituídos de 976,5 bilhões de barris de óleo de reserva provada e de 674 bilhões de barris de óleo. (O barril, medida habitual dos óleos, contém 159 litros. A densidade do petróleo é variável, com valor médio de 0,81, o que significa 129 quilos por barril. Um metro cúbico contém 6,3 barris, e uma tonelada, 7,5 barris).

Presume-se que ainda existam por serem descobertos cerca de 800 a 900 bilhões de barris de petróleo no mundo. No Oriente Médio, a maior parte do óleo descoberto e por descobrir encontra-se sob a terra, mas no restante do mundo o óleo potencial deverá ser encontrado na plataforma continental. (A Petrobrás e a Shell são os líderes mundiais em exploração e produção em águas profundas.) Atividades de exploração e produção estão sendo desenvolvidas nas plataformas do Brasil, golfo do México, Noruega, Reino Unido, Califórnia, Nigéria e, em menor escala, China, Filipinas e Índia. São de especial interesse os mares semifechados marginais, como mar do Norte, golfo Pérsico, mar da Irlanda, baía de Hudson, mar Negro, mar Cáspio, mar Vermelho e mar Adriático, que apresentam cortes sedimentares adequados e lâminas d’água relativamente pequenas.

Petróleo no Brasil

A primeira referência à pesquisa do petróleo no Brasil remonta ao final do século XIX. Entre 1892 e 1896, Eugênio Ferreira de Camargo instalou por conta própria, em Bofete SP, uma sonda junto ao afloramento de uma rocha betuminosa. O furo atingiu mais de 400m, mas o poço encontrou apenas água sulfurosa. Foi somente em janeiro de 1939 que se revelou a existência de petróleo no solo brasileiro, no poço de Lobato BA, perfurado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão do governo federal. O poço de Lobato produziu 2.089 barris de óleo em 1940.

Em outubro de 1953 instituiu-se o monopólio estatal da pesquisa, lavra, refinação, transporte e importação do óleo no Brasil, pela Petrobrás (Petróleo Brasileiro S.A.), sob a orientação e a fiscalização do Conselho Nacional de Petróleo (CNP). Na década de 1950 e começo da de 1960 descobriram-se novos campos, especialmente no Recôncavo Baiano e na bacia de Sergipe/Alagoas. Também se desenvolveram pesquisas nas bacias sedimentares do Amazonas e do Paraná.

Em março de 1955, foi encontrado petróleo em Nova Olinda, no médio Amazonas. Em seguida, as atividades de perfuração estenderam-se até a bacia do Acre. Como as quantidades de petróleo obtidas não eram comerciais, após seis anos a avaliação dos resultados aconselhou a redução da exploração. Em 1967, as perfurações na bacia amazônica foram suspensas. Com os avanços tecnológicos, a Petrobrás procedeu os levantamentos geofísicos nas bacias do Paraná e do Amazonas. Alcançaram-se bons resultados, em particular descobertas de gás natural na região do rio Juruá, no alto Amazonas, a partir de 1978.

Dez anos antes, a empresa iniciara a exploração de petróleo na plataforma continental, com a descoberta de óleo no litoral de Sergipe (campo de Guaricema). Foi, porém, a crise do petróleo, iniciada em 1973, que viabilizou a prospecção em áreas antes consideradas antieconômicas. Na década de 1970, intensificou-se a exploração de bacias submersas. A identificação de petróleo na bacia de Campos, litoral do Rio de Janeiro, duplicou as reservas brasileiras. Mais de vinte campos de pequeno e médio portes foram encontrados mais tarde no litoral do Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Alagoas e Sergipe. Em 1981, pela primeira vez, a produção dos campos submarinos ultrapassou a dos campos em terra. No início da década de 1980, o Brasil era, depois dos Estados Unidos, o país que mais perfurava no mar, mas, no final do século, ainda precisava importar quase a metade do petróleo que consumia, apesar de suas reservas provadas de aproximadamente 3,8 bilhões de barris (0,2% das reservas internacionais).

O refino de petróleo no Brasil começou em 1932, ao ser instalada a Destilaria Sul-Riograndense em Uruguaiana RS, com capacidade de 25m3. Em 1936 inauguraram-se duas outras refinarias: a de São Paulo, com capacidade de oitenta metros cúbicos, e a de Rio Grande RS, capaz de produzir o dobro. Em 1959, o CNP instalou em Mataripe BA a Refinaria Nacional de Petróleo, mais tarde denominada Refinaria Landulfo Alves.

Na década de 1990 a Petrobrás contava com uma fábrica de asfalto, em Fortaleza CE, e dez refinarias: Refinaria de Manaus (Reman); de Paulínia (Repkan); Presidente Bernardes (RPBC); Henrique Lage (Revap); Presidente Getúlio Vargas (Repar); Alberto Pasqualini (Refap); Duque de Caxias (Reduc); Gabriel Passos (Regap); Landulfo Alves (RLAM); e Capuava (Recap). Em meados da década de 1990, o Brasil produzia cerca de 750.000 barris de petróleo por dia, com a possibilidade de aumento gradativo desse número, com a exploração de campos gigantes da bacia de Campos. Barsa.

Boa-nova submarina

Petrobrás localiza bacia no Espírito Santo enquanto os estrangeiros não vêm

á um clima misto de cautela e euforia na Petrobrás. Depois de uma década de pesquisas, a empresa descobriu a pista de um provável depósito gigante de petróleo e gás na costa sul do Espírito Santo em profundidade superior a 1.500 metros. Resultados de testes sísmicos tridimensionais, apurados durante o mês de maio passado, indicaram ser alta a probabilidade de ocorrência de uma área petrolífera com capacidade produtiva acima de 600 bilhões de barris. Suas características geológicas seriam similares às da Bacia de Campos, de onde sai 67% – 670 mil barris diários – da produção nacional de petróleo. Com as ressalvas técnicas habituais, a estatal já relatou ao Ministério das Minas e Energia, à Agência Nacional de Petróleo e ao governo fluminense as perspectivas favoráveis à prospecção no trecho de 150 quilômetros do subsolo marítimo, entre a fronteira dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e a Ilha de Vitória. Aparentemente, trata-se de uma fração do conjunto de rochas armazenadoras de óleo descoberto em meados dos anos 70 no litoral norte do Rio de Janeiro.

A Petrobrás decidiu iniciar perfurações, o que não é um acontecimento rotineiro devido aos custos elevados. Vai gastar cerca de US$ 5 milhões apenas na primeira etapa de sondagem, marcada para o último trimestre. Ela tem uma história de sucesso nesse tipo de operação, construída em duas décadas de prospecções em Campos. Acertou quatro entre dez poços exploratórios que decidiu perfurar, de profundidades superiores a 1 quilômetro. Abriu 628 poços exploratórios e encontrou óleo em 263 deles – nível recorde de 42% em prospecção marítima. Acertou, também, nove entre dez pontos da bacia que escolheu para explorar comercialmente. Hoje, extrai óleo de 494 dos 537 poços que decidiu desenvolver no litoral de Campos e concentra ali seus recursos operacionais. Estacionou na região três dezenas de plataformas marítimas, interligadas por uma teia de 1.300 quilômetros de dutos submersos, que é complementada por mais 2.500 quilômetros de linhas de transporte de óleo e gás.

Campos é uma bacia de negócios estratégicos com reservas comprovadas acima de 10 bilhões de barris de óleo, além de 160 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Agora, será partilhada entre a Petrobrás e alguns dos maiores conglomerados petrolíferos do planeta, associados a capitais privados nacionais. E, por isso, tornou-se o centro de uma das maiores disputas empresariais já ocorridas no país. O governo decidiu liberar a pesquisa e a exploração em Campos como forma de garantir investimentos superiores a US$ 10 bilhões na região nos próximos cinco anos. A Agência Nacional de Petróleo informa que daqui a três semanas anunciará as condições de partilha das áreas entre a estatal e os grupos privados. No pacote devem estar os trechos ao norte de Campos, que aparentam ser uma extensão da bacia e já foram confirmados como promissores à prospecção e exploração. No esforço de garantir a dianteira na escolha das melhores áreas, a Petrobrás programou uma gradual mobilização de suas sondas de prospecção de Campos para Vitória, cerca de 200 quilômetros mar acima.

Época 15/06/98

As ilhas da discórdia

Dezesseis anos depois da guerra, Argentina e Reino Unido voltam a se estranhar por causa do petróleo encontrado no Atlântico Sul

A Plataforma Borgny Dolphin achou petróleo no fundo do Oceano Atlântico a cerca de 700 quilômetros da costa da Argentina. E o presidente argentino, Carlos Menem, não gostou. A descoberta, feita no dia 21 de maio, trouxe de volta à cena a disputa entre Argentina e Reino Unido pelas ilhas que, para os argentinos, chamam-se Malvinas e são parte integrante do país e, para os britânicos, chamam-se Falklands e são um de seus 13 territórios ultramarinos. Essa mesma disputa levou os dois países à guerra em 1982. Quase mil homens morreram. O chanceler argentino Guido Di Tella viu-se obrigado a fazer um protesto formal contra o governo britânico por causa do petróleo. O mal-estar azeda a visita de Menem a Londres no fim deste ano – a primeira de um presidente argentino desde a guerra -, planejada para ser a festa da coroação de sua política externa.

Os argentinos prometem cobrar 3% de imposto das empresas que explorarem petróleo nas Malvinas, se é que há petróleo em quantidade economicamente significativa. E ameaçam punir as empresas que não pagarem. “Fomos generosos”, disse Di Tella a Época. “Quisemos permitir o desenvolvimento da ilha. O normal, nesses casos, é deixar os bens econômicos sem uso até que o problema de fundo tenha solução.” O problema de fundo é a soberania sobre as ilhas. A Argentina alega que o princípio da descolonização, um dos pilares da ONU, obriga o governo britânico a ceder as ilhas, que ficam a apenas 346 quilômetros do ponto mais próximo do território argentino. A solução ainda não existe e, na opinião dos habitantes das ilhas, nem precisa existir, já que, para eles, não há problema: o território pertence ao Reino Unido, que, invocando outro princípio da ONU, alega a autodeterminação dos habitantes do arquipélago para decidir quem manda neles. Mesmo que a escolha seja Londres, a 14 mil quilômetros de distância, em outro continente, em outro hemisfério.

A decisão é mais ou menos previsível. A maioria dos cerca de 2.500 habitantes descende dos ingleses que chegaram lá em 1833. Nos anos 30 imigraram muitos escoceses. De tempos em tempos algum britânico se estabelece nas ilhas, em busca de sossego. Fora isso, há uns tantos chilenos, alguns imigrantes de Santa Helena, outra possessão britânica no Atlântico, e uns poucos indivíduos de outras nacionalidades, inclusive duas brasileiras. Argentinos, desde a guerra, não há mais.

Mais de dois terços dos habitantes das ilhas vivem em Stanley, capital e única cidade das Falklands. O resto vive na zona rural, chamada de camp, e não country, influência dos sul-americanos que viviam lá quando os ingleses chegaram. O camp guarda a maioria das marcas dessa influência. Há lugares com nomes como Laguna Verde e Cerritos. Os pastores usam cavalos para lidar com os rebanhos de carneiros, à maneira dos gôuchos, dizem os habitantes, certos de que estão falando dos gaúchos. Currais de pedra, iguais aos da Patagônia, são comuns nas ilhas. Ao lado do ovo de pingüim com manteiga e vinagre, a empanada é tida como um dos pratos típicos da culinária kelper.

Mas a vida está mudando nas Falklands e o lado sul-americano está ficando para trás, como o próprio termo kelper. É esse o nome de quem nasceu nas ilhas, onde abundam as algas kelp. Não é mais de bom-tom usá-lo desde que o Reino Unido começou a prestar mais atenção às ilhas, depois da guerra. O termo acentua demais a particularidade dos kelper em relação aos expats, abreviatura de expatriados, que são os britânicos, principalmente os que vão trabalhar por tempo determinado. O próprio governador das Falklands, Richard Ralph, o maior dos expats, já que é membro do corpo diplomático britânico nomeado por Londres, rejeita a idéia de uma identidade kelper essencialmente diferente da dos britânicos. “Somos todos da mesma família”, diz. Talvez agora, depois da guerra. Antes de 1982 a parte kelper da família não tinha cidadania britânica e precisava de visto para ir para a Inglaterra.

Mas a maior atenção de Londres não é a única coisa que está mudando o modo de vida nas Falklands. Há muito dinheiro lá desde 1986, quando as ilhas decretaram uma faixa de 200 milhas de águas territoriais e começaram a vender licenças para pesca. Mais da metade da receita do governo vem daí. São cerca de US$ 25 milhões por ano. É a principal fonte de renda das Falklands. O resto vem dos cerca de mil turistas que visitam o arquipélago por ano, em média, e da mais tradicional das atividades das ilhas, a criação de carneiros, em declínio por causa do baixo preço da lã no mercado mundial. O dinheiro está fazendo de Stanley uma sociedade de consumo. Ninguém mais prepara o upland goose, um ganso selvagem muito comum nas ilhas, para a ceia de Natal. Agora só se usam os perus congelados trazidos da Inglaterra. O futebol, as corridas de cavalos e o golfe, que é um esporte popular nas Falklands, disputam lugar com jet skis e jogos eletrônicos.

O petróleo pode garantir o futuro das ilhas. A pesca é um recurso vulnerável e, embora as Falklands se orgulhem de ter um manejo sustentável dos mais controlados do mundo, pesca-se cada vez menos nas águas das ilhas. O governo acusa outros países pelo declínio. Eles controlariam menos a pesca das espécies migratórias. Mas mesmo a lula loligo, que vive só nas águas das Falklands é cada vez menos abundante. Ela é o principal alimento das aves marinhas da riquíssima fauna local, que inclui cinco espécies de pingüim, a maior atração turística das ilhas.

Se o dinheiro e a ameaça ao equilíbrio ambiental da pesca preocupam, a perspectiva de petróleo em abundância é apavorante. Em Stanley há um sentimento dúbio. O dinheiro poderia melhorar a vida, mas os habitantes das ilhas não querem perder sua tranqüilidade. Não querem novas cidades nem novos imigrantes. E não querem que vazamentos de petróleo devastem as ilhas e seus arredores. Tudo isso será, provavelmente, inevitável. Até a geopolítica das ilhas será afetada. Diplomatas ouvidos por Época em Buenos Aires trabalham com três cenários. Se não houver petróleo, o Reino Unido se desinteressará das ilhas. Nesse caso, a tática de Di Tella de aproximação dos kelpers poderá funcionar, e daqui a 50 ou 60 anos, quando as feridas da guerra cicatrizarem, as ilhas poderão passar para a Argentina. Se houver só gás, o consumidor óbvio será a Argentina, o que precipitará a aproximação e, eventualmente, a transferência. Se houver muito petróleo, a Argentina poderá dar adeus às ilhas.

A posse das Malvinas é parte do projeto nacional argentino. Nenhum partido, nenhuma corrente de opinião prevê a possibilidade de desistir das ilhas. A oposição acusa Di Tella de ser muito brando na questão, mas ele confia em sua capacidade de sedução. Depois de resolver 23 das 24 pendências territoriais com o Chile, de conseguir estatuto de parceiro dos Estados Unidos extra-Otan, todo o esforço da política externa do governo Menem está voltado para as Malvinas. De certa forma, tudo o que foi feito antes visava convencer o mundo de que a Argentina é uma parceira confiável do Ocidente, com que se pode negociar civilizadamente. E o que há a negociar são as Malvinas.

Entrevista

Pela discórdia

Chanceler argentino quer começar a discutir

Guido Di Tella, Chanceler Argentino

Época: As Malvinas vão ser assunto abordado na visita de Menem a Londres?

Guido Di Tella: Óbvio. Não podemos deixar de lado o que nos levou à guerra. Queremos que os britânicos apliquem um princípio que criaram: “Let’s agree to disagree” (concordemos em discordar).

Época: A relação direta com os ilhéus progrediu desde a guerra?

Di Tella: Muito pouco, mas conseguimos mostrar que não somos ameaça.

Época: Os kelpers dizem que não retomam contatos enquanto a Argentina não retirar sua reivindicação.

Di Tella: Chegar à solução como condição para começar a discutir é non sense. Eu me encontro com os kelpers todos os anos no comitê de descolonização da ONU. Eles não apertam a minha mão, não sei, parece que têm medo de se contaminar. É ridículo.

Época: E a bandeira argentina que o presidente Menem prometeu hastear nas ilhas até o ano 2000?

Di Tella: Bem, faltam dois anos, não é. Seria importante. É preciso uma presença argentina pacífica, simpática. Um pouco da insegurança que os kelpers sentem com essas coisas vem de eles saberem que os britânicos, antes da guerra, estavam dispostos a entregá-los.

Época: Eles dizem que não se pode confiar 100% nos britânicos.

Di Tella: Está aí um ponto em que concordamos.

Sem problema

Para o governador, não há o que negociar

Richard Ralph, governador das Ilhas Falklands

Época: Como as Falklands vêem a viagem de Menem a Londres?

Richard Ralph: Sem problemas. Foi garantido pelo governo britânico que as ilhas não vão ser um dos assuntos.

Época: A Argentina fez um protesto formal contra o início da prospecção de petróleo. A tensão está descendo?

Ralph: A Argentina está sendo coerente. Na medida em que não deixou de reclamar a soberania sobre as ilhas, não poderia deixar de fazer um protesto. Nós teríamos feito a mesma coisa.

Época: A situação melhorou desde 1982?

Ralph: As relações entre a Argentina e o Reino Unido melhoraram muitíssimo. Mesmo a relação com as ilhas melhorou. Agora há uma guerra de palavras. Volta e meia alguém na Argentina fala alguma coisa provocativa, como hastear uma bandeira nas Falklands, mas não é uma discussão real sobre a soberania.

Época: A Argentina poderia vir a ser um parceiro importante das Falklands?

Ralph: Antes da Guerra, o único vôo para fora da ilha era para a Argentina. Os habitantes das Falklands não gostariam de voltar a essa situação.

Época: A ameaça militar acabou?

Ralph: Ah, sim. Bem, não diria que acabou totalmente. Temos a força militar para dissuadir a Argentina, mas, se ela diz que não fará nenhuma tentativa pela força, eu acredito.

Época 08/06/98

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