CURRÍCULO E EDUCAÇÃO

 

A presente pesquisa intitulada currículo e educação: conceito e questões no contexto educacional tem como objetivo fazer uma análise crítica em relação a origem e o contexto do currículo, tendo como parâmetro, o pensamento pedagógico brasileiro, podendo dessa maneira, perceber as ideologias, valores e relações de poder presentes no contexto educacional, bem como, suas implicações na cotidiano escolar. Pretende-se também, fazer uma reflexão sobre os novos desafios presentes na formação do professor, pois em face dessas mudanças, o mesmo necessita de uma nova leitura do mundo e da condição humana, para poder compreender a dinâmica social-política-cultural-econômica da sociedade contemporânea. Para o desenvolvimento deste estudo utilizou-se de uma pesquisa bibliográfica em relação a temática, objeto de estudo, isto é, o tratamento metodológico da pesquisa consiste em ser de tipologia qualitativa e de caráter exploratório. O estudo encontra-se em andamento, mas é possível perceber que o contexto histórico do currículo e do pensamento pedagógico brasileiro estão permeados de ideologias, relações de poder, valores e concepções diferenciadas em relação ao processo educacional como um todo. Isto posto, o discurso e a construção curricular no Mundo e no Brasil não se deu sob uma única ideologia, mas com influência de tendências, objetivos e interesses diferentes. Com esse resumo histórico pode-se perceber a importância de não se desvincular o currículo da constituição histórica e social. Um currículo não surge do nada, mas de uma necessidade social e principalmente econômica e cultural. Para tanto, os curriculistas apontam que o termo currículo é um termo polissémico, querendo com esse rótulo significar que currículo veicula uma noção sujeita à ambiguidade e diversidade de sentidos. Como lembra Llavador, (1994, p. 370), “a palavra currículo engana-nos porque nos faz pensar numa só coisa, quando se trata de muitas simultaneamente e todas elas interrelacionadas”. Palavras-Chave: currículo, educação, ideologia, poder, cultura. Introdução Para analisar o contexto educacional e curricular faz-se necessário compreendermos a evolução do pensamento pedagógico brasileiro e a influência deste na ação docente. Para tanto, é imprescindível recorrermos à história e a origem do currículo e suas questões atuais. 2639 Sendo assim para Silva (1996, p. 23): O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais. O currículo é um campo permeado de ideologia, cultura e relações de poder. Por ideologia segundo Moreira e Silva (1997, p. 23) pode-se afirmar que esta “é a veiculação de idéias que transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social”. Ou seja, é um dos modos pelo qual a linguagem produz o mundo social, e, por isso o aspecto ideológico deve ser considerado nas discussões sobre currículo. O ensaio de Althusser (1983), a ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, marcam um momento de forte percepção da questão da ideologia em educação. Embora, objeto de crítica, seus pressupostos foram importantes pelo pioneirismo. Currículo também é inseparável da cultura. Tanto a teoria educacional tradicional quanto a teoria crítica vêem no currículo uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade. Sem esquecer que, neste caso, há um envolvimento político, pois o currículo, como a educação, está ligado à política cultural. Todavia, são campos de produção ativa de cultura e, por isso mesmo, passíveis de contestação. Esse encontro entre ideologia e cultura se dá em meio a relações de poder na sociedade (inclusive, naturalmente, na educação). Por isso, o currículo se torna um terreno propício para a transformação ou manutenção das relações de poder e, portanto, nas mudanças sociais. Conforme Moreira e Silva (1997, p. 28), “o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matériaprima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. O currículo escolar tem ação direta ou indireta na formação e desenvolvimento do aluno. Assim, é fácil perceber que a ideologia, cultura e poder nele configurados são determinantes no resultado educacional que se produzirá. Devemos, ainda, considerar que o currículo se refere a uma realidade histórica, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos, 2640 administrativos que condicionam sua prática e teorização. Enfim, a elaboração de um currículo é um processo social, no qual convivem lado a lado os fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais como poder, interesses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero. Sendo uma prática tão complexa, há enfoques diversos e distintos graus de aprofundamento. No entanto, todas as concepções revelam posicionamentos de valor. É natural que seja assim, pois, como todo trabalho pedagógico se fundamenta em pressupostos de natureza filosófica, a escola e o professor tornam evidentes suas visões de mundo, assumindo posturas mais tradicionais ou mais libertadoras no desenvolvimento do currículo. É viável destacar que o currículo constitui o elemento central do projeto pedagógico, ele viabiliza o processo de ensino aprendizagem. Contribuindo com esta análise Sacristán (1999, p. 61) afirma que O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (idéias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. Alguns estudos realizados sobre currículo a partir das décadas 1960 a 1970 destacam a existência de vários níveis de Currículo: formal, real e oculto. Esses níveis servem para fazer a distinção de quanto o aluno aprendeu ou deixou de aprender. O Currículo Formal refere-se ao currículo estabelecido pelos sistemas de ensino, é expresso em diretrizes curriculares, objetivos e conteúdos das áreas ou disciplina de estudo. Este é o que traz prescrita institucionalmente os conjuntos de diretrizes como os Parâmetros Curriculares Nacionais. O Currículo Real é o currículo que acontece dentro da sala de aula com professores e alunos a cada dia em decorrência de um projeto pedagógico e dos planos de ensino. O Currículo Oculto é o termo usado para denominar as influências que afetam a aprendizagem dos alunos e o trabalho dos professores. O currículo oculto representa tudo o que os alunos aprendem diariamente em meio às várias práticas, atitudes, comportamentos, gestos, percepções, que vigoram no meio social e escolar. O currículo 2641 está oculto por que ele não aparece no planejamento do professor (MOREIRA; SILVA, 1997). Assim, o currículo não é um elemento neutro de transmissão do conhecimento social. Ele está imbricado em relações de poder e é expressão do equilíbrio de interesses e forças que atuam no sistema educativo em um dado momento, tendo em seu conteúdo e formas, a opção historicamente configurada de um determinado meio cultural, social, político e econômico. Para compreendermos melhor o currículo no processo educacional, faz-se necessário contextualizá-lo, tendo como parâmetro o pensamento pedagógico brasileiro. Desenvolvimento Com o intuito de melhor elucidar a presente pesquisa, buscou-se primeiramente o referencial teórico que pudesse subsidiar este estudo. Para tanto, fez-se um levantamento bibliográfico de alguns teóricos curriculistas, tais como: APPLE (1998), MOREIRA (1990), MCLAREN (2000), MCNEIL (2001), SILVA (1995) entre outros. Através do estudo em questão constatou-se que as influências das correntes de pensamento que orientaram a configuração do ensino e precisamente do currículo teve origem no começo dos tempos modernos, na Europa. Ou seja, a escola elementar surgiu para atender, sobretudo, as necessidades da nascente burguesia urbana que se constituía neste momento. O discurso e a construção curricular no Brasil não se deu sob uma única ideologia, mas com influência de tendências, objetivos e interesses diferentes. Com esse resumo histórico pode-se perceber a importância de não se desvincular o currículo da constituição histórica e social. Um currículo não surge do nada, mas de uma necessidade social e principalmente econômica. Para entendermos melhor, as ideologias e concepções em relação ao currículo recorreremos ao texto de McNeil (2001a; 2001b; 2001c; 2001d). Neste texto o autor classifica o currículo em quatro abordagens distintas: Acadêmico, Humanista, Tecnológico e Reconstrucionista, que foram sendo construídas ao longo do tempo, tendo como parâmetro todos os aspectos já citados anteriormente. Currículo Acadêmico 2642 É dentre as várias orientações curriculares, a que possui maior tradição histórica. Para os adeptos da tendência tradicional, o núcleo da educação é o currículo, cujo elemento irredutível é o conhecimento. Nas disciplinas acadêmicas de natureza intelectual – como língua e literatura, matemática, ciências naturais, história, ciências sociais e belas artes –, se encontra o núcleo do conhecimento, o conteúdo principal ou a matéria de ensino. Sua abordagem baseia-se, principalmente, na estrutura do conhecimento, como um patrimônio cultural, transmitido às novas gerações. As disciplinas clássicas, verdades consagradas pela ciência, representam idéias e valores que resistiram ao tempo e às mudanças socioculturais. Portanto, são fundamentais à construção do conhecimento. Segundo McNeil (2001c) a finalidade da educação, segundo o currículo acadêmico, é a transmissão dos conhecimentos vistos pela humanidade como algo inquestionável e principalmente como uma verdade absoluta. À escola, cabe desenvolver o raciocínio dos alunos para o uso das idéias e processos mais proveitosos ao seu progresso. Currículo Humanístico O currículo humanista tem como base teórica a tendência denominada Escola Nova e esta defende que o currículo necessita levar em consideração a realidade dos alunos. Na ênfase humanista, segundo McNeil (2001b) a atenção do conteúdo disciplinar se desloca para o indivíduo. O aluno é visto como um ser individual, dotado de uma identidade pessoal que precisa ser descoberta, construída e ensinada; e o currículo tem a função de propiciar experiências gratificantes, de modo a desenvolver sua consciência para a libertação e auto-realização. A educação é um meio de liberação, cujos processos, conduzidos pelos próprios alunos, estão relacionados aos ideais de crescimento, integridade e autonomia. A auto-realização constitui o cerne do currículo humanístico. Para consegui-la, o educando deverá vivenciar situações que lhe possibilitem descobrir e realizar sua própria individualidade, agindo, experimentando, errando, avaliando, reordenando e expressando. Tais situações ajudam os educandos a integrar emoções, pensamentos e ações. Currículo Tecnológico Sob a perspectiva tecnológica, ainda segundo McNeil (2001d) a educação consiste na transmissão de conhecimentos, comportamentos éticos, práticas 2643 sociais e habilidades que propiciem o controle social. Sendo assim, o currículo tecnológico tem sua base sólida na tendência tecnicista. O comportamento e o aprendizado são moldados pelo externo, ou seja, ao professor, detentor do conhecimento, cabe planejar, programar e controlar o processo educativo; ao aluno, agente passivo, compete absorver a eficiência técnica, atingindo os objetivos propostos. O currículo tecnológico, concebido fundamentalmente no método, tem, como função, identificar meios eficientes, programas e materiais com a finalidade de alcançar resultados pré-determinados. É expresso de variadas formas: levantamento de necessidades, plano escolar sob o enfoque sistêmico, instrução programada, seqüências instrucionais, ensino prescritivo individualmente e avaliação por desempenho. O desenvolvimento do sistema ensino-aprendizagem segundo hierarquia de tarefas constitui o eixo central do planejamento do ensino, proposto em termos de uma linguagem objetiva, esquematizadora e concisa. Currículo Reconstrucionista Social O currículo reconstrucionista tem como concepção teórica e metodológica a tendência histórico crítica e tem como objetivo principal a transformação social e a formação crítica do sujeito. De acordo com McNeil (2001a) o reconstrucionismo social concebe homem e mundo de forma interativa. A sociedade injusta e alienada pode ser transformada à medida que o homem inserido em um contexto, social, econômico, cultural, político e histórico adquire, por meio da reflexão, consciência crítica para assumir-se sujeito de seu próprio destino. Nesse prisma, a educação, é um agente social que promove a mudança. A visão social da educação e currículo consiste em provocar no indivíduo atitudes de reflexão sobre si e sobre o contexto social em que está inserido. É um processo de promoção que objetiva a intervenção consciente e libertadora sobre si e a realidade, de modo a alterar a ordem social. Na perspectiva de reconstrução social agrupam-se as posições que consideram o ensino uma atividade crítica, cujo processo de ensino-aprendizagem deva se constituir em uma prática social com posturas e opções de caráter ético que levem à emancipação do cidadão e à transformação da realidade. 2644 Sob o norte de emancipação do indivíduo, o currículo deve confrontar e desafiar o educando frente aos temas sociais e situações-problema vividos pela comunidade. Por conseguinte, não prioriza somente os objetivos e conteúdos universais, sua preocupação não reside na informação e sim na formação de sujeitos históricos, cujo conhecimento é produzido pela articulação da reflexão e prática no processo de apreensão da realidade. Enfatizando as relações sociais, amplia seu âmbito de ação para além dos limites da sala de aula, introduzindo o educando em atividades na comunidade, incentivando a participação e cooperação. O currículo reconstrucionista acredita na capacidade do homem conduzir seu próprio destino na direção desejada, e na formação de uma sociedade mais justa e equânime. Esse compromisso com ideais de libertação e transformação social lhe imputa certas dificuldades em uma sociedade hegemônica e dominadora. Segundo Moreira e Silva (1997) a partir da década de 80 no campo do currículo no Brasil, é possível perceber um hibridismo de discursos críticos e pós-críticos, especialmente em virtude do foco político na teorização crítica e do foco no pósmodernismo. Em relação as teorias pós-críticas estas são utilizadas em virtude de sua análise mais instigante da cultura, capaz de superar divisões hierárquicas, redefinir a compreensão da linguagem e aprofundar o caráter produtivo da cultura, particularmente da cultura escolar. Sendo assim, a referência à teoria crítica e ou reconstrucionista ainda está presente nas análises que buscam não desconsiderar, ou visam a salientar, questões políticas, bem como uma agenda para a mudança social. Hardt e Negri (2001) consideram que os autores pós-modernos “erram de inimigo” ao afirmarem a persistente influência do Iluminismo como fonte de dominação, pois entendem que as formas de dominação contemporâneas já não mais se baseiam nos binários essencialistas. Segundo os autores, manter apenas tal forma de questionamento pode impedir o reconhecimento das novas formas de poder. Em segundo lugar, defendem que o pós-modernismo, ao questionar a modernidade, o faz contrariando seus próprios princípios, pois a descreve como homogênea e uniforme. Os autores citados (HARDT; NEGRI, 2001) localizam, pelo menos, duas tradições distintas na modernidade: aquela que busca o controle das forças de utopia de outras tradições, mediante a construção de dualismos, constituindo a concepção 2645 de soberania moderna, e aquela que valoriza a imanência e celebra a singularidade e a diferença. Faz-se necessário destacar que a modernidade está ancorada em critérios de objetividade, distanciando-se dos objetos ou dos poderes transcendentais, religiosos ou metafísicos. Também, o sujeito, o eu, passa a ser considerado como um sujeito empírico, objeto entre outros objetos do mundo real, mas que se constitui simultaneamente como condição fundamental de qualquer experiência possível e da sua análise (Goergen, 1996, p. 16): […] se anunciara como caminho seguro para a autonomia e liberdade do homem, revelar-se-ia, ao final, o mais radical e insensível inimigo do homem por transformá-lo em objeto a serviço dos ditames da performatividade científico-tecnológica. A eficiência alçada ao nível de norma suprema da razão impôs o abandono dos ideais e fins humanos. Habermas (1990), partindo do pressuposto de que a modernidade não foi superada, argumenta que dentro das próprias condições instauradas pela modernidade é possível avançar, sair dessa camisa de força de uma racionalidade fechada, por meio do uso do que chama de “razão comunicacional”, uma razão dialógica, no lugar da razão autoreferente, trazendo a idéia de uma teoria da ação comunicativa. Segundo ele, se entendermos o saber: […] como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à capacidade de participantes responsáveis em interações de se orientarem em relação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimento intersubjetivo (Habermas, 1990, p. 289). Muda o centro de referência, instaurando-se uma racionalidade que implica uma consciência reflexiva das expressões humanas, uma racionalidade dialógica, criando no diálogo os pontos de apoio de sua validade. Isto pressuporia a diferenciação clara do mundo dos fatos objetivos, do mundo das normas sociais e do mundo da experiência interior. A noção habermasiana de racionalidade comunicativa, segundo Wellmer (1991), refletiria a condição cognitiva e moral dos humanos num mundo “desencantado”. É por isso, ainda segundo esse autor, que Habermas pode pensar a ação comunicativa como 2646 portadora potencial de uma racionalidade diferenciada que só pode se manifestar depois que se tenha destruído o dogmatismo implícito das concepções de mundo tradicionais, e na qual os requisitos de validade possam ser construídos pela argumentação, pelo confronto de diferentes posições, na procura de consensos aceitáveis. A argumentação como meio de se obter consenso intersubjetivo assume um papel fundamental, quando ela e as formas de ação comunicativa substituem outros meios de coordenação de ações, de integração social e de reprodução simbólica, constituindo o que Habermas (1990) denomina racionalização comunicativa. Como se põe, então, a discussão do pós-moderno? Assim como os que postulam a continuidade da modernidade nos tempos atuais, a posição dos que postulam o contrário – seu fim – emerge da crise nos estatutos da própria modernidade. O termo pósmodernidade tem se mostrado polissêmico, sendo utilizado no mais das vezes de modo genérico. De qualquer forma, denota o que vem depois da modernidade, sendo problemático seu sentido, justamente por tentar traduzir um movimento da cultura em sociedades em rápida mutação, movimento que ainda está se produzindo, não se distinguindo consolidações que ajudem a qualificá-lo melhor. Pós-moderno designaria uma ruptura com as características do período moderno, o que, como já colocamos, para muitos analistas ainda não aconteceu de modo claro. Pode-se adotar a posição de que estamos vivendo a transição para a pós-modernidade e que os sinais, as tendências verificáveis, traduzem caminhos mais do que posições consolidadas. Contudo, o novo cenário educacional do século XXI apresenta que o grande desafio não é somente discutir as questões apresentadas no currículo oficial, este vai além. Este nos apresenta novas concepções educacionais que tanto professor quanto professora almeja alcançar neste complexo universo da chamada pós modernidade. Contribuindo com esta análise, Giroux (1993, p. 15) afirma que: O pós modernismo, assinala uma mudança em direção a um conjunto de condições sociais que estão reconstituindo o mapa social, cultural e geográfico do mundo e produzindo, ao mesmo tempo, novas formas de crítica cultural. Todavia, o currículo tradicional não tem mais espaço na atual conjuntura, assim, necessitamos de um currículo reconstrucionista que tenha como parâmetro o multiculturalismo, ou seja, um currículo inclusivo, incorporando as tradições dos diferentes 2647 grupos culturais e sociais (mulheres, negros, índios etc.). Sendo assim, o debate sobre pluralidade cultural e a relevância de se garantir representação das identidades culturais nos diversos campos sociais, incluindo o educacional, tem se intensificado. Bhabha (1998) e McLaren (2000), contribuem ainda, afirmando que a formação de identidades culturalmente híbridas constitui-se em um caminho fértil para a educação multicultural crítica. Isto porque, na medida em que o reconhecimento da pluralidade de camadas que perfazem a construção da identidade é atingido, uma sensibilização à articulação identidade-alteridade se estabelece, questionando-se, a partir daí, quaisquer estratégias discursivas que congelem ou silenciem identidades plurais. Portanto, a formação do professor e a construção do currículo reconstrucionista, fora da ótica da alteridade e do multiculturalismo, isolados dos avanços filosóficos científicos e culturais, e descomprometidos com o tecnocentrismo, tornam-sem, anacrônicos. E este anacronismo não se esgota na palavra, mas antes, na ausência da compreensão de que o mundo simbólico e tecnologicamente mudou e trouxe para o centro social, o conhecimento, como fator fundamental das relações sociais entre as sociedades. Trata-se de um conhecimento novo, amplo, complexo e livre das discriminações da modernidade, comprometido com a verdadeira emancipação. Considerações Finais Ao analisar o contexto histórico do currículo e do pensamento pedagógico brasileiro pode-se evidenciar que ambos estão permeados de ideologias, valores e concepções diferenciadas em relação ao processo educacional. Isto posto, é imprescindível que a escola como um todo perceba as nuances presentes nas concepções do currículo e do pensamento pedagógico, podendo desta maneira, ter claro na sua práxis pedagógica qual a tendência e qual o currículo que almeja no processo de ensino e aprendizagem. Faz-se necessário ressaltar que o currículo necessita ser percebido como um território a ser contestado diariamente, pois é através dele que podemos pensar e legitimar o conhecimento que pretendemos? Para quem? Para quê e como? Tendo como parâmetro a visão de mundo, de sociedade e de educação que acreditamos. Para tanto, os curriculistas apontam que o termo currículo é um termo polissémico, querendo com esse rótulo significar que currículo veicula uma noção sujeita à ambiguidade e diversidade de sentidos. Como lembra Llavador, (1994, p. 370), “a palavra 2648 currículo engana-nos porque nos faz pensar numa só coisa, quando se trata de muitas simultaneamente e todas elas inter-relacionadas”. Freqüentemente tal característica híbrida é expressa pela associação de princípios das teorias críticas, com base neo-marxista e/ou fenomenológica e interacionista, a princípios de teorias pós-críticas, vinculadas aos discursos pós-moderno, pós-estrutural e pós-colonial. Autores como Giroux (1999) rejeitam lançar o pensamento moderno e pós-moderno um contra o outro, tentando produzir uma convergência desses discursos em direção a um projeto político vinculado à reconstrução da vida pública democrática. Em diferentes textos Giroux (1993; 1999), defende as construções históricas da razão, da autoridade, da verdade, da ética e da identidade, de forma a questionar perspectivas modernas centradas na compreensão de bases universais para o pensamento. Sustenta, ainda, que a política cultural é uma política da diferença, na qual a diferença não é um signo fixo como propõe o estruturalismo – ou alguns estruturalismos –, mas envolve significados que são produtos de relações de diferença mutáveis e modificadas no jogo referencial da linguagem. Ainda assim, suas análises permanecem tributárias a Paulo Freire e à Escola de Frankfurt, especialmente no que concerne à permanência do foco na emancipação e à perspectiva de tornar possível uma ação política coletiva. McLaren (2000), co-autor em muitos textos de Giroux (1993), igualmente assume filiações pós-estruturalistas, particularmente na análise da diferença e da linguagem, mas segue procurando pensar sobre a validade de categorias marxistas, como a totalidade e as relações materiais entre capital e trabalho. Em entrevista a Biesta e Miedema, McLaren (2000) chega a desenvolver uma diferença entre os pós-modernistas lúdicos e os pós-modernistas críticos ou de resistência. Os primeiros, segundo o autor, ocultam as condições materiais associadas às relações entre capital e trabalho e focalizam o sofrimento humano, sobretudo, como um discurso ou texto a serem desenvolvidos e desconstruídos. Os segundos, por sua vez, tentam analisar o sujeito como significações tornadas relativamente fixas em determinações históricas específicas, marcadas por conflitos de raça, classe e gênero. McLaren (1997; 2000) igualmente assume filiações pós-estruturalistas, particularmente na análise da diferença e da linguagem, mas segue procurando pensar sobre a validade de categorias marxistas, como a totalidade e as relações materiais entre capital e trabalho. McLaren (2000) chega a desenvolver uma diferença entre os pós- 2649 modernistas lúdicos e os pós-modernistas críticos ou de resistência. Os primeiros, segundo ele, ocultam as condições materiais associadas às relações entre capital e trabalho e focalizam o sofrimento humano, sobretudo, como um discurso ou texto a serem desenvolvidos e desconstruídos. Os segundos, por sua vez, tentam analisar o sujeito como “significações que se tornaram relativamente fixadas dentro de determinações históricas específicas e de relações materiais da luta de raça, classe e gênero” (MCLAREN, 2000, p. 228). Como podemos perceber o discurso e a construção curricular no Mundo e no Brasil não se deu sob uma única ideologia, mas com influência de tendências, objetivos e interesses diferentes. Com esse resumo histórico pode-se perceber a importância de não se desvincular o currículo da constituição histórica e social. Um currículo não surge do nada, mas de uma necessidade social e principalmente econômica e cultural. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983. BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. DEWEY, John. Reconstrução em filosofia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. DUSSEL, Enrique. 1942: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade. Tradução de Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 1998. FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1995. ______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ______. 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