Resumo: Alfabetizar e letrar na Educação Infantil:

 

Ana Carolina Perrusi Brandão e Telma Ferraz Leal

o que isso significa?

Apresentação

É consenso nas sociedades contemporâneas que ler e escrever

constituem um patrimônio cultural que deve ser disponibilizado a

todos. Considerando, portanto, que a cultura letrada faz parte do

nosso cotidiano, ainda que se apresente com nuances específicas

para segmentos diferenciados da população, entendemos que a

leitura e a escrita também interessam às crianças, incluindo as

menores de seis anos.

É partindo desse pressuposto que o livro

Ler e escrever na Edu

cação Infantil – discutindo práticas pedagógicas

apresenta ao leitor

um conjunto de ensaios voltados a educadores que atuam nessa etapa

da Educação Básica e que buscam refletir sobre o trabalho didático

que desenvolvem na área de linguagem escrita.

Temos constatado que, nesse campo, muitas professoras sentem

falta de referenciais mais claros, que orientem sua prática educativa.

Diante desse quadro, ou utilizam os conhecidos exercícios de treino

perceptomotor e cópia de letras, a fim de “preparar para a alfabetiza

ção”, ou abandonam qualquer atividade mais sistemática de leitura

e produção escrita por parte dos pequenos. Discordando das duas

alternativas, neste livro, argumentamos a favor da possibilidade de

 

que crianças menores de seis anos ampliem suas habilidades de uso da

linguagem escrita nas situações de seu cotidiano, bem como comecem

a aprender sobre alguns princípios do sistema de escrita alfabética.

Frisamos ainda que essa aprendizagem deve estar em consonância

com os interesses e os desejos infantis, de modo que as situações de

leitura e escrita propostas assegurem às crianças o prazer de agir por

meio desses recursos da nossa cultura, sem ferir, ao mesmo tempo,

seu direito de aprender brincando.

Em síntese, os autores desta coletânea concordam que o espaço

institucional da Educação Infantil precisa ser orientado por uma in

tencionalidade pedagógica e buscam dar subsídios para que o leitor

possa caminhar na direção de novas práticas que integrem, desde

cedo, o letramento e a alfabetização.

Sem adotar uma perspectiva comumente chamada de “con

teudista” nem pretender reduzir o trabalho pedagógico nessa etapa

à linguagem escrita, no debate nacional sobre o currículo na Edu

cação Infantil, somos favoráveis à promoção de práticas de leitura

e de produção escrita pautadas por objetivos claros de ensino e de

aprendizagem, entendendo tal alternativa como uma oportunidade

de acesso e inserção das crianças na cultura letrada.

Nesse sentido, enfatizamos que a opção por esse caminho de

manda que sejam discutidas, do ponto de vista tanto teórico quanto

das orientações metodológicas, opções para uma intervenção quali

ficada junto a crianças que frequentam instituições educativas para

menores de seis anos.

Com base nessa compreensão, os oito capítulos oferecem refe

renciais teóricos relevantes, dados de pesquisa, relatos de situações

concretas vividas em salas de Educação Infantil, além de sugestões

e análises de atividades para as crianças. Dessa forma, esperamos

contribuir para qualificar uma ação pedagógica sistemática, cada

vez mais carregada de intenções, que devem ser bem conhecidas e

refletidas pelas professoras que atuam com crianças dessa faixa etária.

Também é importante destacar que, embora as reflexões susci

tadas ao longo deste livro sejam válidas para professoras da primeira

e segunda etapa da Educação Infantil, entendemos que as crianças

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de quatro e cinco anos terão maior possibilidade de participar das

atividades de leitura e escrita discutidas aqui.

Antes de apresentar cada um dos capítulos que compõem o livro,

vale informar que os autores são todos professores universitários ou

de Educação Infantil, que compartilham princípios sociointeracio

nistas no trabalho docente neste segmento de ensino. Além disso,

lembramos, mais uma vez, a recomendação de que, ao participarem

de situações variadas envolvendo a leitura, a produção de textos e a

reflexão sobre a forma escrita da língua, as crianças estejam inseridas

em uma atmosfera prazerosa e significativa para elas, considerando

que a brincadeira é a principal característica da cultura da infância.

Por fim, os temas aqui tratados vêm sendo objeto de debates e refle

xões conduzidos no Centro de Estudos em Educação e Linguagem da

Universidade Federal de Pernambuco (CEEL/UFPE), que desde 2004

tem atuado em diversas ações de formação continuada de professores,

de produção e análise de material didático, entre outras áreas.

Vamos, agora, à apresentação dos capítulos.

No primeiro, intitulado “Alfabetizar e letrar na Educação In

fantil: o que isso significa?”, Ana Carolina Perrusi Brandão e Telma

Ferraz Leal apresentam uma visão geral das alternativas para o

trabalho pedagógico com a linguagem escrita na Educação Infantil.

Em seguida, argumentam a favor de que as crianças, nessa etapa, co

mecem a aprender alguns princípios do sistema de escrita alfabética,

dando início ao seu processo de alfabetização, ao mesmo tempo em

que participem de práticas sociais mediadas pela escrita. Para isso, ao

final do capítulo, as autoras oferecem orientações para a organização e

planejamento de atividades agrupadas em cinco blocos, explicitando,

portanto, o que entendem por alfabetizar e letrar na Educação Infantil.

No Capítulo 2, “Entrando na roda: as histórias na Educação

Infantil”,

Ana Carolina Perrusi Brandão e Ester Calland de Sousa

Rosa destacam a importância do encontro entre crianças e profes

soras na roda de histórias e apresentam vários motivos para que a

contação e leitura de histórias seja uma atividade incluída na rotina

diária das salas de Educação Infantil. As autoras também defendem

a necessidade de que a professora promova uma “boa conversa” a

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partir das histórias lidas, fomentando nas crianças uma atitude de

busca e construção de sentido na sua interação com textos escritos.

Telma Ferraz Leal e Alexsandro da Silva escrevem o Capítulo

3, cujo título é “Brincando, as crianças aprendem a falar e a pensar

sobre a língua”. Inicialmente os autores retomam aspectos teóricos

e gerais sobre os jogos e brincadeiras, destacando sua importância

para a criança. Em seguida, refletem, mais especificamente, sobre

as relações entre a brincadeira e o desenvolvimento da linguagem

verbal, por meio dos jogos de encenar, das brincadeiras de ler e dos

jogos com palavras. Ao final do capítulo, oferecem aos professores

algumas ideias sobre como tais brincadeiras podem ocorrer no espaço

da Educação Infantil.

No Capítulo 4, “Consciência fonológica na Educação Infantil:

desenvolvimento de habilidades metalinguísticas e aprendizado da

escrita alfabética”,

Artur Gomes de Morais e Alexsandro da Silva

abordam um tema ainda pouco conhecido dos professores de Edu

cação Infantil e muitas vezes mal-interpretado como sinônimo de

uma proposta de treinamento fonêmico. Assim, os autores iniciam

o capítulo apresentando o conceito de consciência fonológica, es

clarecendo a diferença entre esta e a consciência fonêmica. Seguem

discutindo as relações entre as habilidades de análise fonológica e a

alfabetização, analisando resultados de pesquisas realizadas na área.

Por fim, propõem alternativas didáticas para favorecer o desenvol

vimento da consciência fonológica que são bem distintas daquela

perspectiva que enfatiza a produção, repetição e memorização de

fonemas pelas crianças.

“Explorando as letras na Educação Infantil”

é o título do Capítulo

5, escrito por Eliana Borges Correia de Albuquerque e Tânia Maria

Rios Leite. O texto traz uma reflexão sobre a aprendizagem dos nomes

das letras, algo, em geral, muito valorizado pelos pais e comumente

trabalhado de forma equivocada em salas de Educação Infantil. Além

de trazerem uma discussão de pesquisas que tratam das relações entre

a alfabetização e o nome das letras, as autoras analisam diferentes

formas de atuação da professora. Assim, confrontam as propostas

mecânicas e repetitivas de cópia e repetição do traçado das letras

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com outras sugestões bem mais significativas para as crianças. Uma

importante discussão sobre os tipos de letras e seus usos na Educação

Infantil também é destacada no capítulo.

Retomando o foco no eixo do letramento com crianças menores

de seis anos, Fernanda Michelle Pereira Girão e Ana Carolina Perrusi

Brandão assinam o Capítulo 6: “Ditando e escrevendo: a produção

de textos na Educação Infantil”.

Nesse artigo, as autoras refletem

sobre a prática de produção de textos tanto escritos pelas crianças

quanto por elas ditados à professora. Uma especial atenção é dada

à reflexão sobre as condições de produção de textos, na tentativa de

gerar situações de escrita claramente definidas e que, sobretudo, inte

ressem às crianças. Ao final do capítulo, o relato de uma experiência

bem-sucedida vivida pelas autoras é trazido para ilustrar essa ideia.

“As fichas de atividades de escrita na Educação Infantil” consti

tuem o tema do Capítulo 7, de autoria de Ana Carolina Perrusi Bran

dão e Maria Jaqueline Paes de Carvalho. Considerando o crescente

espaço que as “atividades com lápis e papel” voltadas para o ensino

da linguagem escrita vêm ocupando na rotina das crianças pequenas,

as autoras apresentam e discutem vários exemplos das chamadas

“fichas” ou “tarefas”, de modo a ajudar a professora a elaborar e

avaliar essa proposta e inseri-la, caso julgue pertinente, como mais

um recurso didático para seu grupo de crianças.

Ester Calland de Sousa Rosa e Maria Solange Brandão fecham

o livro com o Capítulo 8:

“Projeto Mala de Leitura: aproximando a

escola da família através da circulação de livros”.

No texto, as autoras

apresentam inicialmente o projeto implantado numa escola da rede

pública municipal do Recife e, apoiadas em entrevistas realizadas

com professoras e mães de crianças participantes do projeto, refle

tem sobre a prática de empréstimos de livros para casa na formação

de leitores. As autoras defendem que a circulação de livros entre a

escola e a casa, além de propiciar o acesso ao texto literário, também

favorece a cooperação dos familiares das crianças no letramento

escolar dos pequenos.

Como é possível notar nesta breve síntese temática do livro,

em cada um dos capítulos destaca-se um dos três eixos de trabalho

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em alfabetização e letramento: leitura, produção oral e escrita de

textos e reflexão sobre a língua. Entendemos, portanto, que este

conjunto de textos inéditos traz uma contribuição para se recolocar

as questões da alfabetização e do letramento na Educação Infantil.

Sabemos, ainda, que as ideias aqui defendidas estão longe de serem

consensuais, o que, ao nosso ver, constitui outra justificativa para a

pertinência desta obra.

A leitura dos capítulos deste livro mostra que não estamos diante

de uma polêmica que orbita em torno de apenas dois polos: por um

lado, os que defendem que é preciso antecipar o processo de alfabeti

zação (entendida como uma ação perceptomotora para a aquisição de

um código) e, por outro, os que entendem que a Educação Infantil não

deve se ocupar do ensino da leitura e da escrita, seja de que forma for.

O referencial teórico sociointeracionista e pesquisas empíricas

conduzidas sob esse paradigma sustentam a defesa de outra via: a al

fabetização na perspectiva do letramento é uma abordagem possível e

desejável na Educação Infantil. Nesse sentido, o livro ora apresentado

pretende contribuir com o planejamento e a organização do ensino

da linguagem escrita a crianças menores de seis anos, mostrando, em

cada capítulo, alguns caminhos possíveis nessa direção. Caminhos

certamente já conhecidos por quem trabalha com crianças pequenas,

mas que possam favorecer uma reflexão mais sistemática, que subsidie

a prática docente.

Para concluir, entendemos que ao tratar de práticas de leitura e

escrita na Educação Infantil não podemos perder de vista o que nos

lembra o poeta mato-grossense Manoel de Barros quando afirma:

“Eu sou a minha imaginação e o meu lápis. […] O ser letral gosta de

fazer imagens para confundir as palavras”. Iniciar as crianças, desde

cedo, no mundo letrado, aponta para a meta de torná-las cada vez

mais capazes de desenvolver sua autoria no campo da escrita, para

que se tornem, de fato, “seres letrais”.

As organizadoras

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Neste capítulo buscamos refletir sobre o papel da Educação In

fantil na ampliação do contato das crianças com o mundo da escrita.

Como será possível notar, consideramos essencial planejar situações

em que elas vivenciem, nessa etapa da Educação Básica, práticas de

leitura e escrita, sem que isso signifique desconsiderar suas necessi

dades e interesses. Assim, defendemos o espaço da linguagem escrita,

ao lado das outras tantas linguagens (plástica, corporal, musical, de

faz de conta) em que os meninos e meninas podem se expressar e se

desenvolver, conforme destaca o educador italiano Malaguzzi (1999).

Enfatizamos ainda que “ensino” não precisa ser uma palavra

proibida na Educação Infantil, como pretendem alguns (ver, por exem

 

, 2005). Ao contrário, assim como Arce e Martins (2007),

entendemos que há muito o que ensinar para as crianças menores

de seis anos. Neste sentido, pretendemos apontar, no que se refere à

escrita, algumas alternativas para um ensino pleno de significado para

as crianças e que, portanto, considere suas reações, o que aprendem,

como aprendem e o que lhes interessa aprender.

Para atingir o objetivo proposto, discutimos como diferentes

concepções sobre a apropriação da leitura e da escrita se articulam e

c

apítulo 1

Alfabetizar e letrar na Educação

Infantil: o que isso significa?

Ana Carolina Perrusi Brandão

Telma Ferraz Leal

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se materializam no trabalho proposto em salas de Educação Infantil.

Em seguida, explicitamos as diretrizes pedagógicas para tal ensino

com vistas a orientar a professora em seu fazer cotidiano relativo a

esse objeto de conhecimento. Finalmente, apresentamos algumas pos

sibilidades de atividades, agrupadas em cinco blocos, especificamente

dirigidos para a alfabetização e letramento na Educação Infantil.

A leitura e a escrita na

Educação Infantil: alguns percursos

No Brasil, até os anos 60 do século XX, predominava o discurso

da “maturidade para a alfabetização”. Em outras palavras, a apren

dizagem da leitura e da escrita resultaria de um “amadurecimento”

de certas habilid

ades, de modo que “o ensino” estaria condicionado

a esse “desabrochar natural” que, supostamente, deveria ocorrer

em torno dos seis ou sete anos. Acreditava-se, ainda, que a criança

não teria qualquer interesse em ler e escrever até essa idade e que

tentativas de alfabetizá-la antes disso eram vistas até mesmo como

prejudiciais ao seu desenvolvimento, já que as crianças não estariam

prontas para essa aprendizagem.

Em síntese, a prontidão para a alfabetização significaria, de acor

do com Poppovic e Moraes (1966, p. 5), “[…] ter um nível suficiente,

sob determinados aspectos, para iniciar o processo da função simbóli

ca que é a leitura e sua transposição gráfica, que é a escrita”. Com base

nesse conceito, as autoras propuseram na época um “Programa para

o desenvolvimento de funções específicas” conten

do exercícios que

visavam ao trabalho com diferentes aptidões e atitudes consideradas

prévias à aprendizagem da escrita. Conforme enfatizavam as autoras,

a finalidade não era “entrar no campo da alfabetização, mas sim dar

elementos à professora para a elaboração de um programa graduado

de exercitação que pusesse as crianças em condições adequadas

para enfrentar esse processo” (p. 23). Os exercícios propostos eram

divididos em três etapas: (1) os sentidos (a vista, o olfato, o paladar, a

audição e o tato), (2) as funções específicas (i.e. noções quantitativas,

orientação espacial e temporal e esquema corporal) e (3) o grafismo.

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