Césio 137 e o maior acidente nuclear do Brasil

Em 13 de setembro de 1987 foi encontrado em Goiânia um aparelho de radioterapia abandonado que continha uma fonte de cloreto de césio do Instituto Goiano de Radioterapia. A cápsula com cloreto de césio foi aberta vendida a um ferro-velho. Atraídos pela luminescência do césio, adultos e crianças o manipularam e distribuíram entre parentes e amigos.

Um complexo encadeamento de fatos resultou na contaminação de três depósitos de ferro-velho, um quintal e diversas residências e locais públicos. A cápsula e seus fragmentos foram manipulados a céu aberto, o que contaminou diretamente o solo.

Os primeiros sintomas da contaminação – náuseas, vômitos, tonturas, diarreia – apareceram algumas horas após o contato com o material. As pessoas procuravam farmácias e hospitais e eram medicadas como vítimas de alguma doença infecto-contagiosa.

Um dia depois o acidente foi descoberto e uma verdadeira operação de guerra foi montada para tentar descontaminar Goiânia, algumas pessoas morreram e outras ficaram com sérias doenças, animais foram sacrificados e os objetos contaminados foram enterrados com a devida proteção.

O maior acidente nuclear no Brasil foi em Goiânia

Já está pronto o depósito definitivo para os rejeitos gerados pelo acidente com o Césio-137 que ocorreu em Goiânia, em setembro de 1987. Não se trata apenas de um depósito, mas de um complexo de instalações. O local é Abadia de Goiás, a cerca de 20 quilômetros do centro de Goiânia.

É o pior acidente radiológico da História, na opinião de Alfredo Tranjan Filho, coordenador do projeto e da construção do depósito definitivo, por ter ocorrido em um centro urbano. Causou a morte de quatro pessoas e a geração de 3.430 metros cúbicos de rejeitos radioativos (6 mil toneladas), não podendo, entretanto, ser confundido ou comparado com um acidente nuclear, como o de Chernobyl, cuja magnitude é muitas ordens de grandeza maior.

Este depósito abriga cerca de 60% do total de rejeitos produzidos em Goiânia, aqueles cujo tempo de decaimento à condição de liberação como lixo comum é de até 300 anos.

Desse grupo, 16% exigem confinamento superior a 150 anos e 41%, isolamento de até 150 anos. O material está acondicionado em caixas metálicas construídas com a finalidade específica de armazenar o material radioativo e em tambores alocados dentro de containers de concreto ou metálicos.

O material restante (cerca de 40% do total) não apresenta mais potencial de contaminação e pode ser colocado em aterros sanitários qualificados. Devido à inexistência destes no Brasil, os técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), empresa responsável pelo armazenamento dos rejeitos, decidiram acondicioná-los em um depósito separado, já construído, chamado por eles de Container de Grande Porte (CGP), para diferenciá-lo do depósito dos rejeitos que, de fato, têm potencial de risco. O CGP nada mais é do que uma grande caixa de concreto com, aproximadamente, 60 metros de comprimento, 16 metros de largura e 4,5 metros de altura, construído sob a superfície, coberto com solo local, gramado, tendo a aparência de uma pequena elevação no terreno.

A definição do local e a permissão de construção do depósito final exigiu uma série de análises, incluindo verificação de características geográficas, geológicas, sócieconômicas, pedológicas, hidrológicas, hidrogeológicas, etc. Além do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), confirmando se haveria impactos, se estes seriam positivos ou negativos e, nesse caso, se seriam aceitáveis, foi preparado um Relatório de Análise de Segurança (RAS), que avalia as possibilidades de acidente e seus resultados, caracterizando, uma vez mais, a escolha do local e o conceito construtivo do depósito.

Alfredo Tranjan Filho encara o episódio da contaminação do Césio-137 na capital de Goiás como um exemplo claro das diferenças entre os vários “brasis” que coexistem: um Brasil rico, com alternativas tecnológicas e bom nível educacional, e outro miserável, caracterizado pela ignorância, pela falta de informação.

“É um país que dispõe da tecnologia de fontes radiológicas para curar pessoas, mas, ao mesmo tempo, há quem as abandone, como há aquelas que roubam e arrebentam uma cápsula, sendo incapazes de reconhecer o símbolo da radioatividade”.

Medo ainda ronda Goiânia

As sequelas deixadas pelo césio 137 não estão apenas nos corpos das vítimas diretas do acidente, que tiveram membros amputados, a pele marcada e a saúde afetada pelo contato com o elemento químico. Passados anos do desastre radiológico, boa parte dos goianienses não somente guarda tristes lembranças do episódio como sofre com medo dos efeitos do césio 137. Uma pesquisa realizada entre os dias 19 e 22, das 9 às 21 horas, pela empresa TMK para o jornal O POPULAR revela que 53,6% dos 1,5 mil entrevistados acreditam na possibilidade de que o acidente ainda possa causar algum tipo de risco à população da capital.

Vítimas

Para 42,9% das pessoas questionadas esse risco não existe e 3,5% dos entrevistados não opinaram sobre o assunto. Os pesquisadores abordaram por telefone homens e mulheres maiores de 21 anos, residentes em diversas regiões da cidade. Entre os tinham de 11 a 15 anos de idade na época do desastre, foram feitas 294 entrevistas, que revelaram que 53,1% deles acreditam em riscos do césio 137 e 38,8% não têm qualquer receio quanto a possíveis efeitos tardios do acidente. Vinte e quatro entrevistados – 8,2% do total – não opinaram.

Dos 526 entrevistados com idades entre 26 e 35 anos, 55,1% não esconderam ainda temer os riscos do césio 137. Para 44,9% deles esse risco não existe. Entre os pesquisados na faixa dos 36 aos 50 anos, as opiniões são similares às dos entrevistados em outros grupos: 55,8% temem riscos da radiação, 39,6% não acreditam nessa ameaça e 4,6% não opinaram. Mas, enquanto os mais jovens se preocupam com os efeitos a longo prazo da contaminação, os maiores de 50 anos estão mais tranquilos quanto a esses riscos. Dos 200 entrevistados nessa faixa de idade, 52% disseram não acreditar na possibilidade de o césio 137 ainda ameaçar a população, 45% acreditam nesse risco e 3% nada declararam.

Para o especialista em medicina nuclear, Alexandre de Oliveira, essa preocupação da sociedade revelada pela pesquisa não se justifica. “O acidente fez muitas vítimas e não deve fazer novas vítimas emocionais”, declara o chefe da assessoria de saúde, segurança e meio ambiente das Indústrias Nucleares do Brasil. Ele garante que não há possibilidade de outras pessoas, além das que tiveram contato direto com o césio 137 em setembro de 1987, sofrerem qualquer doença ou outros efeitos provocados pelo elemento radioativo.

Pesado silêncio da ausência

Antes do acidente a casa de Ivo Alves Ferreira e Lourdes das Neves Ferreira vivia cheia de amigos que se divertiam em animados churrascos. Mesmo quando não havia motivos para comemorar, o local era ponto de encontro de parentes e vizinhos e possuía a alegria ruidosa que só as crianças sabem e podem proporcionar. O acidente radiológico com o césio 137 foi o marco divisório na vida dessa e de outras famílias. Infelizmente não acontecem mais churrascos na casa de Ivo e Lourdes. Eles deixaram de passear e convivem em casa com um pesado silêncio deixado pela morte da filha caçula, Leide das Neves Ferreira, aos 6 anos de idade.

Impossibilitado de trabalhar por causa das lesões e dos problemas de saúde que se agravaram, Ivo Ferreira continua cercado de amigos. É respeitado e querido na vizinhança. À tarde, sempre aparecem companheiros para conversar, mas não é a mesma coisa. “Não tenho mais vontade de fazer churrascos e, mesmo que quisesse, o dinheiro não é suficiente para esses luxos. Faltaria no final do mês”, explica Lourdes das Neves. Ela procura ocupar o tempo cuidando da netinha que fica sempre com os avós e se recusa a falar no passado, embora as fotos da filha estejam em quase toda a extensão da parede da sala. “Só falo sobre o presente”.

Histórias

As histórias individuais das vítimas do césio se confundem em vários pontos. Passado o frenesi dos primeiros meses de desinformação total, discriminação, baterias de exames, internações em diferentes hospitais e a angústia profunda da impotência diante do desconhecido, elas sofreram o choque do contato com a realidade e, deprimidas, se isolaram. Só o tempo até a decisão de tentar restabelecer uma vida normal variou. Algumas demoraram mais do que as outras, mas todas sabem que ainda não chegaram lá. O estigma, o preconceito, as cicatrizes e as doenças ainda impedem que se sintam cidadãos comuns.

Luiza Odet Mota dos Santos, 38, que sofreu lesões no pescoço, conta que antigamente sentia medo de tudo, principalmente de ser rejeitada. “Quando me perguntavam o que eram essas cicatrizes no meu pescoço, falava que tinha me queimado, mas agora não me importo, falo a verdade, e quem quiser me aceite como sou”, diz, decidida. Luiza Odet procura se manter saudável, preocupa-se com a alimentação e consome muitas frutas e verduras. Sua família foi uma das mais afetadas pela radiação.

Ela, o marido, Kardec Sebastião dos Santos, e quatro dos cinco filhos pertencem ao grupo 1, que corresponde ao mais atingido. Só o filho mais novo, que nasceu em 1992, ficou livre da radiação. Luiza Odet e Kardec trabalham juntos em casa. Fazem salgados, laranjinhas e sorvetes, que vendem no colégio da Vila Santa Luzia, bairro de Aparecida de Goiânia, onde moram. Ela se emociona até hoje e não contém as lágrimas quando lembra do dia 29 de setembro de 1987, quando foi afastada dos filhos. Luiza Odet e Kardec foram para o Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. A dor da separação dos filhos por três meses foi para ela o golpe mais duro em toda a história de sofrimento desses últimos anos.

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