Não se pode dar uma definição de sagrado sem ter em conta a de profano.Quando a palavra sagrado é empregue como adjetivo, ela refere, emrelação aos objetos e pessoas, uma qualidade sobrenatural, reconhecendonaqueles um estatuto ontológico próximo do religioso. Empregue comosubstantivo, a palavra sagrado refere o princípio que confere essecarácter.
Na maior parte das vezes é o binómio sagrado/profano que, interligando-se e opondo-se, dá sentido às pessoas, atos e coisas referidos, tendo emconta o contexto cultural. É, por isso, muito difícil definir o verdadeirosignificado tanto do sagrado como do profano. Próximo do sobrenatural,não pode ser confundido com ele. Os comportamentos próximos da magiae de outras formas de rituais religiosos são confundidos com o sagrado,assim como a própria noção de pureza/impureza.
A doutrina antropológica afirma que a cisão entre sagrado e profano é específica da cultura ocidental moderna. As culturas tradicionaisenglobariam o sagrado e o profano na sua compreensão do real, ondequalquer atividade humana era marcada pela sacralidade. Convémdistinguir aqui que, apesar de haver uma constante interligação entre o sagrado e o profano, os povos destas culturas sabiam distinguir os factosreligiosos dos benefícios materiais que as suas práticas mágicas e religiosas produziam na vida quotidiana. Sagrado/profano não pode sercolocado no mesmo nível de religioso/não-religioso, principalmente nasculturas onde a dicotomia se refere a um mundo do não-útil, do ponto devista económico contraposto a um mundo do economicamente útil.
A construção do sentido de sagrado está intimamente ligada aos termosque o designam, nomeadamente o de mana, de origem polinésia e quepode ser traduzido por “poder” e “influência”. M. Mauss e E. Durkheimviram no mana o princípio original da magia e do sagrado. Na oposição dosagrado e do profano, Durkheim estabelece a origem de toda a religião,localizando a origem do sagrado no princípio social hipostasiado. R.Caillois distingue, por sua vez, o sagrado de respeito (presente nosinterditos) do sagrado de transgressão (princípio da festa, da orgia).Apesar de a maioria dos autores quererem distinguir pela evidência,salientando a relação do sagrado com um Além, com o bem moral, o sagrado do profano, essa distinção é difícil, necessitando de um paraafirmar o significado do outro, formando um discurso que organiza umsistema simbólico num determinado contexto cultural.
O discurso do sagrado, hoje, coloca-se mais na definição dos espaços delaicidade como redutoras manifestações daquele, ao mesmo tempo que seprocura analisar a questão de se esta laicidade não tem ela mesmamanifestações de tipo religioso, apelando para autoridade transcendentee, por isso, marcada pelas características do sagrado.