Introdução
O que se propõe é fixar com nitidez a individualidade da
climatologia e, particularmente, da climatologia entre as discipli-
nas que estudam a atmosfera e, dessa forma, chegar a uma
definição correta da noção de clima. Os fenômenos que tem como
teatro a atmosfera podem ser estudados sob muitos pontos de
vista. A condensação do vapor d’água, a chuva, a descarga
elétrica, o relâmpago são fenômenos físicos cujo estudo pertence
ao ramo da física que se denomina de meteorologia. Esta se
preocupa com a medida desses fenômenos, determina as
condições físicas em que são produzidos, investiga a natureza
das relações que existem entre eles e os fatores que os
condicionam e tenta prever a repetição dos mesmos. Aí está toda
a tarefa da meteorologia sob seu duplo aspecto, estático e
dinâmico: definição qualitativa dos fenômenos, pesquisa das leis,
previsão. Quando estudamos as variações geográficas da lâmina
de água precipitada na superfície do solo, quando comparamos
as diferenças de ritmo de oscilação térmica de uma região para
outra, quando caracterizamos a atmosfera de um lugar pela
combinação dos meteoros, quando investigamos a relação entre
esses fatos e outros fatos geográficos tais como distribuição dos
vegetais, animais ou homens, nós trabalhamos imbuídos de outro
espírito. Fazemos climatologia, geral ou descritiva conforme o
caso. É claro que o meteorologista por uma tendência natural,
chega a se preocupar com a repar
tição geral dos meteoros. Da
mesma forma, evidentemente, o climatólogo não pode dar um
passo sem utilizar os resu
ltados gerais e particulares da
meteorologia. Nas relações que estabelece entre as variações da
precipitação e a altitude, ele reencontra leis físicas. Porém, esses
reencontros necessários, indispensáveis, não devem mascarar a
dualidade dos pontos de vista.
Insistimos, ainda, que meteorologistas e climatólogos po-
dem fazer observações com os mesmos instrumentos, sobre os
mesmos fenômenos como a temperatura, por exemplo. Eles
elaboram séries registradas nos
mesmos arquivos. Todavia, a
apreciação da justeza e sensibilidade dos aparelhos, a crítica
matemática das séries, o estudo das variações tendo em vista a
previsão, tudo isso é essencialmente da alçada do meteorologista.
Ele é preparado para essa tarefa pois a sua formação é a do
físico. Aos olhos do climatólogo, a variação termométrica aparece
primeiro como um elemento da particularidade climática de um
lugar ou de uma região.
Esta particularidade climática é, por sua vez, apenas um
elemento das características geo
gráficas, as quais compreendem,
ainda, a forma do terreno, as águas, o mundo vivo. Ele tem
constantemente presentes no espírito as relações da interdepen-
dência entre esses elementos, relações que não se exprimem
absolutamente por fórmulas matemáticas. Se ele estiver,
sobretudo, preocupado com as relações do clima com os
aspectos da vida, isto é, se ele é climatobiologista, a formação do
biologista lhe é indispensável.
Essas distinções são clássica
s. Contudo, insistimos sobre
elas porque, como diz muito bem Morikofer, a climatologia atra-
vessa um período de crise. A climatologia clássica, à qual
devemos obras magistrais, como a de Hann, foi, sobretudo, obra
de meteorologistas. Suas insuficiências se evidenciam claramen-
te. As mesmas tiveram conseqüências desagradáveis. Se a
geografia botânica se desviou das considerações ecológicas, a
carência da climatologia não foi estranha a isso. Agrônomos e
médicos reclamam com insistência o retorno dessa disciplina a
sua verdadeira vocação. Essa orientação assume uma grande
importância no momento em que o progresso da navegação
aérea coloca em primeiro plano a pesquisa da previsão: o estudo
da atmosfera não é objeto de uma disciplina única; as pretensões
do climatólogo são tão justificadas quanto as do meteorologista.
Foi dito mais acima que eles utilizam o mesmo material
cientifico. Todavia, é necessário colocar algumas reservas. É
verdadeiro para o essencial. Porém todas as categorias de obser-
vações não proporcionam exatamente a mesma contribuição para
ambos. Por exemplo, as observações relativas à alta e à media
atmosfera, à formação dos sistemas de nuvens, apresentam um
interesse maior em meteorologia. O climatólogo se atém mais à
duração, à intensidade da nebulosidade porque esses elementos
exercem influência sobre o aspecto do tapete vegetal. Encontrar-
se-iam, facilmente outros exemplos.
1
Este texto corresponde ao capítulo introdutório da obra “
Traité de climatologie biologique et medicale
” publicado em 1934 em Paris sob a direção de
M. Piery Masson et Cie Éditeurs. Vol. I, pp. 1 a 9. Traduzido pelo Prof. Dr. José Bueno Conti. Departamento de Geografia/ FFLCH
/USP.
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A diferença existente entre a meteorologia, ramo das
ciências físicas, que faz largo uso da linguagem e dos métodos
matemáticos, e a climatologia, vinculada, por suas tendências e
sua natureza ao grupo das ciências de observação, leva-nos a
definir mais exatamente esta última, analisando a noção funda-
mental do clima.
A definição clássica de
clima e suas insuficiências
Durante o último meio século, estivemos presos à definição
de Hann, o estado médio da atmosfera sobre um lugar, mais
exatamente “o conjunto dos fenômenos meteorológicos que
caracterizam a condição média da atmosfera em cada lugar da
Terra”. Esta definição é simples e cômoda. Ela marca bem o
caráter local desta combinação de elementos meteorológicos que
compõem o clima. Porém, é insuficiente sob dois pontos de vista.
Corresponde a uma média, isto é, a uma abstração inteiramente
destituída de realidade e conduz a um abuso das médias
aritméticas para caracterizar os
elementos do clima. Apresenta
em segundo lugar, um caráter estático e artificial, pois não
menciona o desenvolvimento dos fenômenos ao longo do tempo.
Ora, o ritmo é um dos elementos essenciais do clima. As
descrições de Hann escapam freqüentemente a esses
inconvenientes. Ele se mantinha em contacto mais estreito com a
realidade climatológica do que sua definição poderia supor.
Todavia, não podemos nos contentar com essa definição. A que
nós propomos deverá levar em conta o fator tempo (duração).
Não é, sem dúvida, perfeita. Contudo, corresponde melhor às
nossas concepções.
Clima local
Denominamos clima à série de estados atmosféricos sobre
determinado lugar em sua sucessão habitual. Cada um desses
estados caracteriza-se pelas
suas propriedades dinâmicas e
estáticas da coluna atmosférica, composição química, pressão,
tensão dos gases, temperatura, grau de saturação, comporta-
mento quanto aos raios solares, poeiras ou matérias orgânicas
em suspensão, estado do campo elétrico, velocidade de
deslocamento das moléculas, etc. É o que a linguagem comum
designa sob o nome de
tempo
. A palavra tempo corresponde,
portanto, a uma combinação complexa, na qual, conforme o caso,
um ou dos
elementos
que acabamos de enumerar desempenham
um papel preponderante. Dizemos que o tempo é quente, seco,
chuvoso ou calmo. Porém, a temperatura, a pressão, o estado
elétrico, etc., só podem ser isolados por um artifício de análise. A
noção de tempo, e por conseqüência, a noção de clima, são
noções sintéticas. Esta observação preliminar é de uma
importância capital para o biólog
o. Ele pode, por uma espécie de
análise harmônica, considerar separadamente a ação de cada um
dos elementos do tempo e do clima sobre o ser vivo. Ele não
deve, porém, nunca perder de vista que esses elementos agem
todos em conjunto e mesmo através de outros. Consideraremos,
enfim, como
fatores
do clima, as circunstâncias que determinam a
existência e regulam a sucessão dos tipos de tempo. Tais são:
latitude, altitude, situação relativa às massas oceânicas e
continentais, aos centros de ação e aos movimentos gerais da
atmosfera, exposição, declividade, etc.
As definições que acabamos de apresentar provocam
reflexões importantes. Em primeiro lugar, em cada instante dado e
em cada ponto do globo, a atmosfera é uma combinação singular
que tem muito pouca chance de se reproduzir de uma maneira
perfeitamente idêntica. A árvore de meu jardim não florescerá
jamais duas vezes nas mesmas condições de temperatura,
luminosidade, estado higrométrico, etc. Não podemos, contudo,
nos contentar em selecionar as realidades climáticas sob este
aspecto de fluxo perpétuo. O ritmo das estações traz estados
higrométricos comparáveis a vários meses de distância. Estes
estados se agrupam em torno de formas ou tipos característicos
de cada período do ano. Os fatores dos quais depende sua
sucessão, oferecem, senão uma estabilidade rigorosa, ao menos
uma regularidade relativa. E isso basta para que escapemos à
impressão de um escoamento indefinido de formas e para que
tomemos consciência da existência do
clima local
, realidade fun-
damental da climatologia.
Entre os estados atmosféricos que se sucedem, há os que
se distanciam consideravelmente dos estados tipos, que se
repetem em intervalos muito distanciados, não havendo nenhuma
regra que permita lhes prever a
ocorrência, por exemplo frios
muito rigorosos dos “grandes invernos” dos quais a história
guarda a lembrança. Não se pode, racionalmente, fazê-los entrar
na noção de clima; os valores correspondentes ao que se chama
em meteorologia extremos absolutos devem ser manejados com
muita discrição e prudência. Postos de lado esses extremos
excepcionais, todos os outros, os extremos e os que se
aproximam dos tipos médios, entram na definição de clima local.
Tiraremos, mais adiante, desta consideração, regras para o
emprego das médias.
Clima regional
Da mesma forma que o tempo (no sentido meteorológico) é
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um estado singular da atmosfera, o clima local é uma combinação
singular; irredutível. Não há talvez, no globo, dois locais cujos
climas sejam idênticos. Porém, a ação dos fatores do clima
produz uma generalidade sufici
ente para que tenhamos pratica-
mente o direito de considerar, acima dos climas locais, os climas
regionais. A noção de clima regional é uma etapa do caminho da
abstração. Ela se aproxima o mais possível da realidade concreta
na região onde o jogo do dinamismo atmosférico é o mais simples
e onde a topografia é a mais uniforme. As duas condições
encontram-se realizadas nas regiões intertropicais sobre grandes
extensões. A uniformidade do clima e a regularidade da sucessão
dos estados atmosféricos ao longo do ano, de fato, caracterizam
essas áreas em oposição às temperadas. Por outro lado, quando
a topografia revela uma grande variedade como nas regiões de
montanha, o
clima regional
é simplesmente uma associação de
climas locais, estacionais, como também se diz. É outro caso
extremo: seu interesse é muito grande por causa do valor
terapêutico diferente dos climas estacionais nas montanhas.
Pode-se, portanto, legitimamente, falar de climas regionais,
ou, se quisermos, de regiões climáticas, e, dessa forma, somos
levados a introduzir a idéia de
limite
climático, tão importante para
a biogeografia. Essa idéia tem sido freqüentemente concebida e
utilizada sem espírito de medida. Não se encontra limite climático
linear – se é que se encontra – a não ser em casos muito raros,
como o de um obstáculo montanhoso normal ao sentido de
propagação de influências climáticas. Regra geral, há zonas limí-
trofes, isto é, manchas, onde se fazem e se desfazem combina-
ções de elementos característicos de regiões climáticas em
contacto. Nessas zonas transicionais, combinações fortuitas de
fatores podem fazer reaparecer localmente um ou outro clima das
vizinhanças em toda sua identidade. É dessa forma que nas
bordas do mundo mediterrâneo, condições estacionais de abrigo
permitem a reconstituição em locais pouco extensos, de
verdadeiros oásis mediterrâneos fora da região onde o clima do
mar interior reina soberanamente. Quem subestimasse esta
característica dos limites climáticos correria o risco de se
equivocar sobre o sentido dos limi
tes das associações vegetais. O
problema dos limites climáticos desperta, aliás, outras questões
de doutrina.
Microclima
Tomamos como ponto de partida o clima local ou
estacional, porque ele corresponde a uma realidade concreta e,
num certo sentido, elementar. Não se deve crer, todavia, que esta
noção de clima local esgota todas as possibilidades de análise. O
climatólogo pode questionar o que representa exatamente a
estação, como fizeram antes deles os fitogeógrafos. Falo do clima
de Clermont-Ferrand: ninguém duvidaria que o mesmo é uma
realidade. Porém, nem a temperatura, nem os movimentos de ar
são os mesmos na Praça de Jaude e nas ruas que para aí se
dirigem. Mais ainda, há diferenças de um lado a outro de uma
mesma rua. E se nos deslocarmos para o campo? As condições
variam conforme consideremos, seja o interior de uma lavoura de
trigo, a sombra ou a obscuridade de uma floresta de árvores com
muitas folhas ou de um bosque de pinheiros. Vê-se que
passamos, por gradações insensíveis se considerarmos a uma
coluna atmosférica sobre um lugar à de um meio atmosférico em
torno de um ponto, ou, em outras palavras, da noção de clima
local à de microclima. Esta noção foi introduzida bastante
recentemente. Foi elaborada na Alemanha por Geiger. O
importante é notar que ela não representa o resultado de uma
análise crítica dissociada da noção de clima local: é o
complemento necessário disso. Como o microclima define as
condições de vida particulares ao interior de uma estação, o
mesmo deve ser tomado em consideração seja pelo biólogo, pelo
agrônomo ou pelo médico. O clima local nem por isso deixa de
ser fato fundamental.
Definição biológica dos climas
As considerações precedentes têm um caráter de generali-
dade: são válidas para todos os climatólogos, quer suas preocu-
pações particulares se voltem para a geografia física ou para a
geografia biológica. Estes últimos, entretanto, têm preocupações
especiais às quais vamos nos ater, doravante. Não mais
separaremos a fisioclimatologia e a patoclimatologia dos outros
aspectos da bioclimatologia.
Neste ponto, torna-se necessário voltar, por um instante às
nossas considerações inicia
is. Nossa definição abrange os
aspectos físicos do clima. Os
progressos da meteorologia nos
levaram a isolá-los, a colocá-los em primeiro plano. Simples etapa
da análise científica. Na ordem do desenvolvimento histórico, a
idéia de clima apresenta-se de outra forma. Ela é inseparável das
preocupações biológicas. Os primeiros registradores não foram
instrumentos de medida, mas sim registradores naturais, em
particular a sensibilidade do homem. Não se conhecia o calor e o
frio a não ser por seus efeitos sobre o organismo humano. Sabe-
se o que representa o clima para os
sábios gregos. Desta primeira
indiferenciação, destacam-se duas disciplinas: a meteorologia,
que se aproxima da física e a climatologia, ramo da geografia.
Nos tempos modernos fizeram-se notáveis esforços para se
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definir os climas por parte de meteorologistas como Hann ou
Angot. Chegou-se a pensar que estudo total da atmosfera era da
alçada dos meteorologistas. Esse é um ponto de vista errado
susceptível de conduzir a equívocos graves. Da mesma forma
isso é da essência geográfica, a idéia de clima é inseparável de
suas conexões. Se, na sua origem ela é impregnada de biologia
porque só os sentidos percebem as variações atmosféricas, em
um estágio bem mais avançado do desenvolvimento científico
quando se adquire uma idéia mais correta das relações entre o
meio e a vida, ela reencontra, se assim se pode dizer, sua cor
biológica. Sua elaboração pertence aos biogeógrafos. Cada uma
delas contribui com seu estado de espírito.
Estas considerações explicam, aliás, como pode haver
diferentes classificações de clim
as inspiradas em diferentes pon-
tos de vista.
Os princípios gerais das de
finições climáticas do ponto
de vista da biologia humana
Na pesquisa dos fatos necessários a servir de base a uma
definição dos climas, algumas regras de método devem ser
observadas. Decorrem, em parte
, das considerações preceden-
tes.
(1)
Os valores numéricos que devem ser guardados para as
escalas são os valores crítico
s para as principais funções
orgânicas
. Esta regra encontra sua aplicação particularmente na
análise dos elementos do clima. Tomemos o caso da temperatura.
Acostumamo-nos a observar a escala térmica como sendo
determinada por dois fenômenos físicos correspondentes às
mudanças do estado da água. Ora, nenhum fenômeno biológico,
nem a alteração dos protoplasmas, nem a constante orgânica
representada pela temperatura interna, nem o jogo dos
mecanismos destinados a manter essa constante apesar das
variações do meio, nem o limite da sensação térmica têm relação
com esses fatos. Encontramo-nos, então, na obrigação de definir
previamente um zero termo-biológico, seja por intermédio de
considerações teóricas, seja pe
lo testemunho da sensibilidade
térmica, seja pelo estudo do metabolismo. Uma vez estabelecido
esse zero, a busca de limites diferenciadores levaria à
determinação de valores críticos secundários. Enfim os pontos
extremos seriam determinados pelos momentos, nos quais o jogo
das sensações orgânicas torna-se impotente para manter a
constante térmica interna. À primei
ra vista, tudo isso parece fácil.
Na realidade, o ponto de neutralidade térmica é mais difícil de se
fixar, do que parece. O confronto entre trabalhos de Rubner,
Attwater e Lefèvre deixa o climatologista hesitante, tanto mais que
ele não é absolutamente seguro de que os pontos críticos não se
desloquem conforme as zonas. Não podemos, aqui, expor todos
os termos de um problema extremamente delicado. O que se
pode tirar de mais nítido disso é que dois níveis apresentam um
interesse especial, um entre 15 e 16
o
C e outro ligeiramente
superior a 20
o
C. Para os climas frios, Köppen adotou um nível
auxiliar de 10 graus cuja escolha foi mais arbitrária. Para nós,
trata-se menos de oferecer resu
ltados definitivos do que mostrar
em que sentido as pesquisas devem ser orientadas, no futuro.
(2)
Uma definição climatológica deve abranger a totalidade
dos elementos do clima susceptíveis de agir sobre o organismo
.
Considera-se geralmente a temperatura e a umidade cuja ação
sobre o metabolismo humano é evidente. Porém, a riqueza do ar
em radiações luminosas e químicas oferece igual interesse,
embora sejam menos estudadas. Ocorre o mesmo com o estado
elétrico.
A necessidade de não se limitar a estudar os elementos
clássicos é cada vez mais evidente para os médicos. Veremos
através dos artigos de M. Morikofer, de M. Baldit, de Maurain e de
M. Salles qual é o balanço de nossos conhecimentos sobre
actinometria, ionização e radioatividade da atmosfera.
(3)
Os elementos climáticos devem ser considerados em
suas interações
. Esta necessidade, reconhecida cada vez mais,
tanto pelos biologistas como pelos geógrafos, determina a procura
de funções nas quais entram como variáveis dois elementos do
clima ou mais. Não se deve, aliás, exigir mais do que elas podem
dar. A medida que se aumenta o número de variáveis o sentido do
resultado numérico torna-se cada vez mais difícil de precisar.
Entre as relações empíricas, onde entram ao mesmo tempo
a temperatura e a umidade, pode-se citar o índice de aridez de De
Martonne, que é de uso cômodo para o estudo das formas de
erosão. Há já algum tempo que os fisiologistas têm se orientado
para as pesquisas de funções fisiológicas que comportam como
variáveis a temperatura, a umidade e a velocidade do vento.
Encontrar-se-á no artigo de M. Baldit sobre os elementos
meteorológicos do clima, indicações
úteis sobre os trabalhos de L.
Hill e de Dorno. Estes trabalhos são do mais alto interesse para a
climatologia médica.
As funções climatológicas em questão conduzem a uma
expressão numérica. Pode-se, ta
mbém traduzi-las graficamente.
Os agrônomos têm feito, há algum tempo, curiosas tentativas
nesse sentido. Um fisiologista, Dorno, fez um experimento da
mesma ordem.
(4)
Qualquer classificação climática deve acompanhar de
perto a realidade viva
. Disso decorre que, em climatologia, deve-
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se fazer maior uso possível das observações brutas. As tempe-
raturas corrigidas não têm nenhum valor para nós. Além disso,
esta regra limita o emprego das médias. Seus extremos, suas
amplitudes, suas freqüências, suas ordens de sucessão são
dados capitais.
Encontrar-se-á no artigo de M. Baldit todas as informações
úteis sobre o emprego das médias. A crítica de sua significação
biológica decorre disso. Elas têm sua importância como modo de
expressão, porém o que um organismo vivo sofre, o que registra,
não são puras abstrações aritméticas. Tudo isso, é um a questão
de nuances. Uma figura composta de duas curvas das máximas e
mínimas diárias de um ano qualquer dá uma idéia, bem
satisfatória das condições térmicas de uma estação tropical por
causa da regularidade dos fenômenos meteorológicos. Não
decorre de maneira nenhuma o mesmo em nossas latitudes.
(5)
O fator tempo (duração) é essencial na definição dos
climas
. Esta regra decorre da precedente. Uma característica
climática não tem a mesma significação para os seres vivos se ela
atua com continuidade ou se exerce por intervalos. Considerando
a mesma amplitude, uma variação que se produz lentamente não
tem o mesmo interesse que uma variação brusca. Enfim, a
constância de um estado atmosférico dado não pode ser
negligenciada. A cada momento do processo, é sobre um terreno
fisiológico modificado pelas ações anteriores que se exerce a
influência do meio climático. O organismo não é somente um
registrador como se tem dito
freqüentemente. É um integrador.
A ecologia vegetal vem se orientando, desde há muito,
nesse sentido. A integral das temperaturas é, desde de Candolle,
a mais conhecida dessas funções onde a variável tempo
(duração) desempenha um papel. Experiências análogas foram
tentadas na Índia a propósito da ação retardada das
precipitações. Fórmulas mais complexas foram elaboradas na
América. Não posso dizer,
a priori
, se pesquisas desse gênero
dariam resultados para o estudo da fisiologia normal ou patológica
do homem. Porém, um aparelho matemático complicado não
pode ser talvez indispensável (ao menos no estágio em que
estamos) para a introdução do fator tempo. Quando se pensa que
a duração dos períodos sem chuva no clima mediterrâneo não foi
jamais estudada em detalhe, passa-se a ter pretensões modestas.
Conclusão
As regras que acabamos de apresentar aplicam-se à
definição dos climas. É evidente que uma classificação satisfatória
resultaria naturalmente de uma definição correta. No presente
estado de nossos conhecimentos, quando desejamos definir um
clima, do ponto de vista médico verificamos que nosso
vocabulário técnico tem justamente a mesma riqueza e a mesma
precisão que o de Hipócrates. Porém nós ganhamos por melhor
ver o sentido das pesquisas necessárias e isso, por si mesmo, é
um progresso apreciável.