Revolução Francesa

 

A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de 1789, marca o início do movimento revolucionário pelo qual a burguesia francesa, consciente de seu papel preponderante na vida econômica, tirou do poder a aristocracia e a monarquia absolutista. O novo modelo de sociedade e de estado criado pelos revolucionários franceses influenciou grande parte do mundo e, por isso, a revolução francesa constitui um importante marco histórico da transição do mundo para a idade contemporânea e para a sociedade capitalista baseada na economia de mercado.

Sublevação política que teve início em 1789 e se prolongou até 1815, a revolução francesa, baseada em princípios liberais, democráticos e nacionalistas, foi a primeira das revoluções modernas. Por suas conseqüências e pela influência que exerceu na evolução dos países mais adiantados da Europa, é considerada a mais importante do ciclo de revoluções burguesas da história. A independência dos Estados Unidos e a revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha são outras duas grandes transformações que marcaram a transição da idade moderna para a idade contemporânea.

Antecedentes. Historiadores divergem quanto às causas da revolução francesa, mas as mais comumente citadas incluem o descontentamento do povo francês, farto de tolerar um regime em que eram inúmeros os privilégios e os abusos. A monarquia absolutista representava um obstáculo à ascensão da burguesia, classe mais rica e instruída da nação. Os camponeses ainda viviam esmagados pelo sistema feudal imperante no campo. A nobreza e o alto clero possuíam as melhores e mais extensas propriedades, enquanto o campesinato vergava sob o peso dos impostos reais, do dízimo eclesiástico e dos direitos senhoriais.

O poder absoluto do rei não podia, pelo menos teoricamente, sofrer limitações. Desde 1614 não eram convocados os Estados Gerais, a assembléia que representava a nação e que se compunha da nobreza, do clero e do chamado terceiro estado, ou seja, todos aqueles que não pertenciam às duas primeiras classes. Não havia liberdade religiosa nem de imprensa. Com uma simples ordem — a lettre de cachet — o rei podia mandar efetuar prisões arbitrariamente. A justiça ainda adotava a tortura. O poder real apoiava-se na nobreza e no clero. O Parlamento, principal corte de justiça, freqüentemente entrava em conflito com o soberano e, como tinha o direito de criticar os editos reais podia mesmo recusar-se a reconhecê-los. Nessas disputas, o povo punha-se ao lado do Parlamento.

Uma das instituições do regime monárquico que, por sua impopularidade, muito contribuiu para a queda do regime foi a corte. De seus numerosos membros, cerca de 16.000 estavam a serviço do rei, enquanto os demais eram cortesãos sem função definida. Outra grave falha do regime era a falta de unidade administrativa. Os impostos variavam de província para província e cada uma delas mantinha suas próprias instituições e leis. Existiam várias organizações judiciais: além dos tribunais reais, havia aqueles que pertenciam aos senhores de terra, às municipalidades e à igreja.

A desorganização fiscal e os gastos supérfluos tinham desastrosas conseqüências para as finanças. O orçamento era constantemente deficitário e os impostos se cobravam de maneira arbitrária. O princípio da desigualdade imperava também nos meios eclesiásticos: o alto clero, constituído exclusivamente de nobres, possuía cerca de seis por cento das terras do país e reservava para si a maior parte da receita da igreja.

A nobreza gozava de numerosos privilégios. Somente seus membros tinham acesso aos cargos da corte, aos comandos militares e às dignidades eclesiásticas. Em suas propriedades prevaleciam os direitos feudais: contribuições em gênero ou em trabalho, pagamento pelo uso dos moinhos, fornos etc. Entregue, porém, a uma vida de dissipação e impedida de exercer atividades consideradas menos dignas, a nobreza entrou em decadência. Sentindo-se ameaçada pela burguesia, suscitou um movimento de reação, a fim de conservar seus privilégios. Conseguiu excluir do alto clero, do Parlamento e dos postos mais expressivos da carreira militar aqueles cuja nobreza não fosse superior a quatro gerações.

Ascensão da burguesia. Com o desenvolvimento do comércio, da indústria e das finanças, a burguesia prosperou. Tornou-se considerável o movimento dos principais portos franceses, enriquecidos com o comércio das Antilhas e o tráfico de escravos. A indústria também se desenvolveu. Os produtos franceses tinham fama em toda a Europa. Era igualmente notável o progresso das indústrias têxtil, metalúrgica e de mineração. Embora a maior parte da produção industrial ainda dependesse do artesanato, já começavam a surgir as primeiras grandes fábricas capitalistas, que empregavam maquinaria moderna. Era natural, portanto, que a burguesia não se conformasse em permanecer relegada a uma posição secundária na vida política do país. Ademais, a má administração das finanças públicas afetava diretamente seus interesses. Ela ansiava por uma mudança de regime que lhe permitisse participar da administração e era, assim, a principal interessada na revolução.

Com o progresso industrial, a classe operária cresceu e passou a reivindicar maiores salários e melhores condições de trabalho. Mas ainda não era suficientemente numerosa, nem dispunha de organização para aspirar à direção do movimento revolucionário. Mais grave, porém, era o problema agrário. O campesinato representava nove décimos da população total. Embora a maioria dos camponeses fosse livre, somente uma pequena parcela podia manter-se com a produção da terra e desfrutava de um padrão de vida relativamente elevado. Os pequenos proprietários viviam esmagados pelos impostos e eram obrigados a dedicar-se à produção artesanal para subsistir. Os camponeses sem-terra viam-se forçados a trabalhar nas propriedades dos grandes senhores.

Fermentação revolucionária. A estrutura agrária obsoleta não atendia às novas exigências de uma população que se expandia com o progresso industrial e mercantil. Reclamavam-se medidas capazes de aumentar a produção agrícola, que mal chegava para alimentar a população. Assim, as condições eram propícias à fermentação de idéias revolucionárias.

Era muito grande a influência de Voltaire e, principalmente, de Jean-Jacques Rousseau, autor do livro Du contrat social (1762; Contrato social), lido e aplaudido em praça pública. Inspirados nas idéias de Rousseau, os revolucionários defendiam o princípio da soberania popular e da igualdade de direitos. O exemplo da revolução americana (1776) também muito contribuiu para exaltar a opinião pública francesa.

Dentre os intelectuais avançados da época, além de Jean Le Rond d’Alembert, Anne-Robert-Jacques Turgot e Denis Diderot, sobressaiu-se o abade Mably, considerado o “profeta e conselheiro da revolução”, que chegou a preconizar a propriedade coletiva da terra. Foi, entretanto, o marquês de Condorcet quem conseguiu exprimir com fidelidade as aspirações revolucionárias da época. Defendia a liberdade econômica e chegou a elaborar o princípio dos direitos do homem. Contudo, a elite intelectual revolucionária não pretendia aplicar o princípio igualitário até as últimas conseqüências. Os mais radicais defendiam a “monarquia republicana”. Segundo pensavam, a massa ignorante não estava preparada para participar do poder. Diante das promessas de igualdade e fraternidade, porém, o povo foi atraído para a causa revolucionária.

Às vésperas da revolução, agravou-se a crise econômica. O único meio de estabelecer o equilíbrio seria suprimir os privilégios e decretar a igualdade de todos diante do fisco, mas para isso era necessário opor-se aos nobres, e o governo não tinha forças para tanto.

Crise econômica. Nomeado ministro das Finanças em 1783, Charles-Alexandre de Calonne tentou solucionar a crise por meio de empréstimos sucessivos. Quando já não pôde conseguir novos empréstimos, pensou em realizar reformas, a fim de obrigar os privilegiados a pagar impostos. Sabendo que seus projetos seriam rejeitados pelo Parlamento, apelou para a convocação de uma assemblée des notables, composta de grandes senhores, príncipes, magistrados e conselheiros de estado. A assembléia reuniu-se em 1787, mas rejeitou as idéias de Callone, logo destituído por Luís XVI. O novo ministro das Finanças, Loménie de Brienne, sugeriu aos notáveis as mesmas medidas propostas pelo antecessor e foi igualmente derrotado. Brienne, então, submeteu seus planos ao Parlamento de Paris, que aprovou algumas reformas mas derrubou as mais importantes, como a que instituía o imposto territorial.

Luís XVI entrou em choque com o Parlamento e este fez publicar, em maio de 1788, uma decisão que valeu como verdadeira declaração de direitos da nação. O povo tomou o partido dos parlamentares e o soberano acabou por decretar o recesso compulsório do Parlamento. A crise se aprofundou e, premido pela gravidade da situação, Luís XVI cedeu e substituiu Brienne por Jacques Necker, homem muito popular, que já fora ministro das Finanças e que passou a exercer funções de primeiro-ministro. Foram convocados os Estados Gerais.

Depois de acesos debates sobre a proporcionalidade dos representantes das três classes nos Estados Gerais, o rei decidiu atender ao clamor público e concedeu que o terceiro estado contasse com tantos representantes quantos tinham as outras duas classes reunidas e que fossem periodicamente convocados para deliberar sobre despesas e impostos.

No entanto, a crise econômica continuou a agravar-se. A indústria têxtil foi duramente atingida pela concorrência inglesa e o número de desempregados elevou-se a cerca de 200.000. Os camponeses famintos assaltavam os celeiros e se recusavam a pagar os direitos feudais. Em Paris, cuja população era de cerca de 650.000 habitantes, mais de 120.000 indigentes perambulavam pelas ruas.

Queda da Bastilha. Logo na primeira sessão dos Estados Gerais, os representantes do terceiro estado desentenderam-se com os aristocratas. Depois de negociações infrutíferas, os primeiros resolveram deliberar sozinhos, na qualidade de representantes de 96% da nação, e declararam-se Assembléia Nacional, soberana em matéria de impostos. Essa medida praticamente subtraiu ao rei o poder sobre as finanças e se constituiu no primeiro ato revolucionário. Luís XVI hostilizou o terceiro estado e tentou anular suas deliberações, mas ante sua resistência foi obrigado a ceder. A partir de então, a Assembléia declarou-se Assembléia Constituinte, destruindo com isso o poder absoluto da monarquia.

Instigado pela rainha e pelos que o cercavam, o soberano preparou-se para agir e reuniu as tropas em torno de Paris e Versalhes. Circulavam boatos sobre a dissolução da Assembléia. O rei recusou-se a dispersar as tropas a pedido dos constituintes e demitiu Necker. Paris levantou-se em defesa da Assembléia. Camille Desmoulins incitou o povo a reagir e encabeçou uma passeata de protesto. O grupo invadiu o Hôtel de Ville (prefeitura), onde capturou algumas armas. Organizou-se, no dia 13 de julho, um comitê permanente que reuniu 12.000 homens e constituiu uma milícia para a defesa de Paris. Foi o primeiro núcleo da Guarda Nacional.

No dia seguinte, 14 de julho, a agitação cresceu. O povo sublevado saqueou o Hôtel des Invalides (sede do governo militar parisiense), onde recolheu canhões e milhares de fuzis. Em seguida, dirigiu-se à Bastilha, à procura de mais armas e munição. Depois de algumas horas de luta, a massa invadiu a fortaleza e massacrou seus defensores. A queda da Bastilha teve importância decisiva para a revolução, porque era o símbolo das injustiças do antigo regime. O rei capitulou. Em 15 de julho, anunciou aos deputados a dispersão das tropas e, no dia seguinte, chamou Necker para reassumir o Ministério das Finanças. Luís XVI e Maria Antonieta se dirigiram a Paris, numa tentativa de pacificar a cidade. O rei sancionou todas as medidas adotadas pelos revolucionários. Esses acontecimentos repercutiram por toda a França. Nos departamentos, constituíram-se novas municipalidades e organizaram-se milícias populares.

Marcha contra Versalhes. Após a queda da Bastilha, espalharam-se pelo país boatos alarmantes. Falava-se numa conspiração dos aristocratas para retomar o poder. Os camponeses começaram, então, a rebelar-se. Atacaram os castelos e recusaram-se a pagar os direitos feudais. A insurreição no campo chamou a atenção da Assembléia Constituinte para o problema agrário. Reunida em 4 de agosto, decidiu, finalmente, suprimir os direitos feudais, os privilégios fiscais e a venalidade dos cargos. Em 26 de agosto, a Assembléia votou a Declaração Universal dos Direitos do Homem — que proclamava a liberdade, a igualdade, a inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão — e começou a discutir a constituição. A situação agravou-se, porém, quando Luís XVI recusou-se a sancionar os decretos de 4 de agosto e chamou as tropas de volta a Versalhes.

A fome contribuía para aumentar o desespero das massas. Em 5 de outubro, uma multidão dirigiu-se a Versalhes, clamando por pão e exigindo do rei a aprovação dos decretos de 4 de agosto. Luís XVI prometeu providenciar alimento e sancionar os decretos. No dia seguinte, porém, as massas invadiram o palácio e pressionaram diretamente o soberano, que prometeu, para acalmá-las, instalar-se em Paris.

A constituição. No início da revolução, distinguiam-se, na Assembléia, duas facções antagônicas: os aristocratas e os patriotas. Com o desenrolar dos acontecimentos, os dois grupos cindiram-se. Os patriotas dividiram-se em monarquistas, que, temendo a ascensão do movimento popular, desejavam fortalecer o poder real; constitucionais, que pretendiam limitar o poder do rei sem aboli-lo; e um pequeno grupo extremado que, desconfiado de Luís XVI, procurava restringir ao máximo suas atribuições. A luta política não se travava somente na assembléia. Havia também os clubes, em que os diversos grupos se reuniam para discutir. O principal deles era o Clube dos Jacobinos, onde se encontravam os deputados patriotas e a elite da burguesia revolucionária. Os debates se travavam também pelos jornais: enquanto a aristocracia se manifestava no Petit Gauthier, na extrema esquerda Jean-Paul Marat agitava a opinião pública com o L’Ami du Peuple.

Restava à Assembléia tomar medidas que remediassem a crise financeira e reorganizassem a vida constitucional do país. Como medida extrema, decidiu lançar mão dos bens do clero. Emitiu assinats, reembolsáveis em bens eclesiásticos, e determinou que essas espécies de apólices circulassem como moeda corrente. Com isso, o custo de vida subiu. O estado foi forçado a emitir cada vez mais.

A constituição foi concluída em 1791 e, seguindo o exemplo dos americanos, os constituintes encabeçaram-na com uma declaração de direitos que valia como uma exposição dos princípios filosóficos da revolução. Os mais importantes eram o princípio da soberania do povo e o da separação dos poderes. Sendo maioria na Assembléia, a burguesia ditou os princípios que nortearam a constituição, de acordo com seus interesses de classe, e preocupou-se, ao mesmo tempo, em restringir o poder real e conter as reivindicações das massas populares. Escolheu o regime representativo, no qual o povo não poderia influir diretamente no governo e nem todos podiam votar. Os cidadãos foram divididos em duas categorias — ativos e passivos — e a constituição outorgou o direito de voto somente aos primeiros. A base para a distinção entre as duas categorias era a propriedade.

Os deputados deviam ser escolhidos entre os proprietários que pagassem contribuição equivalente a cinqüenta dias de salário. Desse modo, os plenos direitos políticos ficavam reservados aos ricos. O poder judiciário foi confiado a juízes eleitos, e o poder executivo a um monarca hereditário. A Assembléia Legislativa, eleita por dois anos, era indissolúvel e constituía o poder preponderante no novo regime. Ao soberano cabia sancionar as leis, dirigir a política externa e usar o “veto suspensivo” para recusar-se a sancionar uma lei durante duas legislaturas sucessivas.

A constituição estabeleceu a igualdade de impostos, secularizou o matrimônio, o registro civil e a instrução pública. Para conter a agitação operária, decorrente da crise econômica e do desemprego, a Assembléia votou uma lei que proibia as associações profissionais. Na verdade, a queda do antigo regime trouxe pouca vantagem para o operariado. Nem mesmo os camponeses pobres foram beneficiados como esperavam.

Contra-revolução. O novo regime teve de enfrentar grandes dificuldades, como greves operárias, descontentamento de camponeses e desentendimentos entre oficiais nobres e soldados patriotas. Os choques das diversas tendências lançaram os moderados para o lado da aristocracia, contra aqueles que exigiam medidas mais democráticas. Surgiram, então, sociedades que defendiam idéias mais avançadas que as dos jacobinos, como a que ficou conhecida por Clube dos Cordeliers, de que faziam parte George-Jacques Danton, Jean-Baptiste Santerre, Marat, Desmoulins e Jacques-René Hébert. As sociedades populares de Paris agruparam-se em 1791 numa federação e apresentaram à Assembléia a reivindicação do sufrágio universal. Nessas sociedades propagavam-se os ideais republicanos e discutia-se a questão agrária. À medida que as massas se radicalizavam, a grande burguesia, temendo as idéias avançadas, agrupava-se num “partido de conservação social”. O governo revolucionário teve de enfrentar também a animosidade dos demais soberanos da Europa. Estes, a princípio, permaneceram neutros por verem na revolução apenas o enfraquecimento da França, mas, tão logo sentiram a ameaça de propagação dos ideais revolucionários em seus próprios domínios, passaram a auxiliar abertamente as tentativas de contra-revolução.

Enquanto os exilados preparavam a guerra contra-revolucionária, Luís XVI e Maria Antonieta tentavam obter auxílio nas outras cortes da Europa. Entraram em contato com o marquês de Boillé, que concentrara tropas em Metz. Na noite de 20 de junho de 1791, o rei fugiu com sua família das Tulherias em direção à fronteira mas, durante a viagem, foram descobertos e presos em Varennes. A Assembléia suspendeu provisoriamente os poderes do soberano.

Esse incidente foi de grande importância, pois serviu para estimular as idéias republicanas. O Clube dos Cordeliers solicitou à Assembléia que proclamasse a república, mas ela não acedeu. Também se recusou a levar Luís XVI a julgamento e tentou até inocentá-lo. Os partidários da república promoveram uma manifestação no Campo de Marte e foram dispersados a tiros pela guarda nacional do marquês de Lafayette, que, de volta dos Estados Unidos, havia se incorporado à corrente dos moderados, que dominaram a situação. Submeteram a constituição ao soberano, reforçaram seus poderes e concederam, a seu próprio pedido, a anistia geral.

Em 30 de setembro, a constituinte encerrou seus trabalhos. Logo em seguida, em 1º de outubro, reuniu-se a Assembléia Legislativa, dividida entre os membros do Clube dos Feuillants, que defendiam a monarquia; os independentes, que desejavam salvar a revolução; e os jacobinos, dispostos a destruir o rei se ele atentasse contra a constituição.

Guerra externa. A França continuava conturbada e os soberanos da Europa tramavam invadi-la. Luís XVI via na guerra uma possibilidade de retomar o poder. Alguns dos feuillants esperavam que um conflito limitado lhes proporcionasse o controle da situação. Os jacobinos confiavam em que a guerra exaltaria os sentimentos revolucionários e desmascararia a contra-revolução. Divergências com a Áustria ameaçavam degenerar numa guerra, até então evitada por Leopoldo, o imperador austríaco. Com a morte deste último e a ascensão de Francisco II, militarista e absolutista, o choque armado tornou-se iminente. Em 20 de abril de 1792 declarou-se a guerra. Os primeiros insucessos no conflito, para o qual os franceses não estavam preparados, acabaram por incitar o ânimo dos patriotas e aumentar-lhes a desconfiança em relação à corte e a seus generais, considerados cúmplices do inimigo. Maria Antonieta revelava aos austríacos os planos do estado-maior francês e Luís XVI compunha sua guarda de contra-revolucionários, enquanto Lafayette desejava uma trégua com a Áustria, a fim de marchar contra Paris e submeter os jacobinos. Estes descobriram toda a trama e exigiram a denúncia do rei como traidor.

Com temor da invasão prussiana, a Assembléia declarou a “pátria em perigo” e determinou prontidão em todo o país. Diante da agitação popular, os moderados recuaram e os jacobinos e cordeliers prepararam a insurreição para derrubar a monarquia. Contavam com quase todo o povo de Paris e mandaram vir das províncias os federados, entre os quais 500 marselheses, que entoavam um hino guerreiro, composto por Rouget de Lisle, denominado Marselhesa.

A Convenção. A exaltação cresceu com a divulgação do manifesto do duque de Brunswick, chefe dos exércitos austro-prussianos, que exigia respeito a Luís XVI e ameaçava o povo francês. Robespierre instigou o povo a exigir da Assembléia a deposição do rei. Diante da recusa, na noite de 9 de agosto, os insurretos declararam dissolvida a Comuna legal. Jean Guilliot Mandat, chefe da Guarda Nacional, preparou a defesa das Tulherias mas, convocado ao Hôtel de Ville pela Comuna insurrecional, foi preso e linchado. Santerre o substituiu. No dia seguinte, o povo marchou sobre as Tulherias e Luís XVI e sua família pediram proteção à Assembléia. A luta nas Tulherias durou mais de duas horas e terminou com a vitória dos insurretos. Declarando-se dissolvida, a Assembléia delegou ao povo, sem distinção, o direito de eleger uma convenção, o que ocorreu em 20 de setembro de 1792, e proclamou o impedimento do rei. O poder executivo passou para um conselho provisório, do qual Danton era membro e verdadeiro chefe.

A Convenção criou um novo calendário a partir da data em que proclamou a república. O ano de 1792 passou a ser o ano I da república e o ano IV da liberdade. Os meses receberam novas denominações, inspiradas nas práticas habituais e manifestações da natureza em cada estação. Os meses do outono eram: vindimário (de vindima, colheita de uvas), de 21 de setembro a 20 de outubro; brumário (de brumas, névoa), de 21 de outubro a 20 de novembro; frimário (de frimas, “geada”), de 21 de novembro a 20 de dezembro. No inverno, sucediam-se os meses nivoso (de neve), pluvioso (de chuvas) e ventoso (de vento); na primavera, germinal (de germinação), floreal (de florada) e prairial (de pradarias); e no verão, messidor (do latim messe, “colheita”), termidor (do grego therme, “calor”) e frutidor (de frutas).

As principais medidas adotadas a partir de 10 de agosto, além da instituição do sufrágio universal, foram a extinção efetiva dos direitos feudais e a venda dos bens confiscados aos emigrados. A Comuna de Paris passou a dirigir os acontecimentos e a impor sua vontade ao legislativo, que, por exigência da Comuna, mandou aprisionar a família real na torre do Templo. O conflito entre a Comuna e o legislativo se aprofundou. A primeira seguia Robespierre e seus partidários, enquanto a segunda obedecia às ordens de Jacques-Pierre Brissot e dos girondinos, grupo de revolucionários assim chamados porque os mais destacados eram representantes do departamento de Gironda (Gironde).

Dois partidos debatiam-se na Convenção: os girondinos e os montanheses (radicais aliados aos sans-culottes, como eram chamadas as massas parisienses). Os principais líderes da Gironda eram Pierre-Victurnien Vergniaud, Brissot, o marquês de Condorcet e Jérôme Pétion de Villeneuve. Robespierre, Danton e Marat lideravam os montanheses.

A notícia de que o inimigo invadira a Lorena e tomara Longwy e Verdun sobressaltou Paris. O povo decidiu fazer justiça com as próprias mãos: invadiu as prisões e, depois de julgamentos sumários, executou os presos considerados traidores. Enquanto isso, travava-se a batalha de Valmy, de que os franceses saíram vencedores.

Terror. A descoberta de documentos que comprometiam Luís XVI com a contra-revolução selou a sorte do rei. Julgado pela Convenção, foi condenado à morte e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. A morte de Luís XVI provocou nova invasão da França pelas potências européias. A necessidade de convocar voluntários para a defesa de Paris deu início à sublevação da Vendéia (Vendée). A fim de enfrentar as dificuldades, a Convenção tomou, de março a abril de 1793, medidas extraordinárias. Enviou 82 deputados aos diversos departamentos, com o objetivo de recrutar os 300.000 homens de que necessitava para a guerra, prender suspeitos e apurar as falhas das administrações locais. Criou ainda um tribunal revolucionário, tornou mais rigorosas as penas contra emigrados, estabeleceu impostos sobre rendimentos, organizou em cada comuna um Comitê de Vigilância e criou ainda um Comitê de Salvação Pública, encarregado de adotar todas as medidas necessárias à salvação da pátria e que passou a dirigir efetivamente o país. Danton foi o chefe desse comitê.

Essas medidas de exceção deram origem à fase conhecida com o nome de Terror. A luta entre girondinos e montanheses continuou acesa. Os primeiros conseguiram fazer decretar a prisão de Marat, que, no entanto, foi absolvido pelo tribunal revolucionário. Ao entrar em luta contra a Comuna, os girondinos prepararam a própria perdição. O extremista François Hanriot, chefe da Guarda Nacional parisiense, à frente de vinte mil homens, cercou as Tulherias, onde estava reunida a Convenção, e exigiu a prisão dos principais membros da Gironda. Com a queda destes últimos, os montanheses assumiram o poder sob a liderança de Robespierre, numa hora crítica para a revolução.

O inimigo externo avançava e as insurreições internas se sucediam. Uma jovem girondina, Charlotte Corday, assassinou Marat. O Comitê de Salvação Pública foi revigorado, com a saída de Danton e a entrada de Robespierre. Seus membros decidiram que somente um governo forte poderia salvar a França. Pressionada pelas massas, a Convenção adotou medidas relativas ao abastecimento e à contra-revolução. Em junho, elaborou a constituição de 1793 e, em outubro, substituiu o governo provisório por um governo revolucionário “até que a paz fosse restabelecida”. Mas, para manter-se, o governo revolucionário precisava exterminar seus inimigos. Instaurou-se o Terror. Uma das primeiras vítimas desse período sangrento foi Maria Antonieta, executada em 16 de outubro de 1793. Em seguida, subiram à guilhotina 22 girondinos, o duque de Orléans, a intelectual Mme. Roland e o astrônomo Jean-Sylvain Bailly, prefeito de Paris. As execuções se sucederam, e, no fim do ano, inúmeros suspeitos haviam sido eliminados.

Robespierre. O elevado custo de vida, no entanto, continuava provocando descontentamento. Desde que entrara para o Comitê de Salvação Pública, Robespierre tornara-se o verdadeiro chefe do governo. Tinha contra si duas correntes: os ultra-revolucionários, seguidores de Hébert, líder dos sans-cullotes, e os moderados, partidários de Danton. Os primeiros exigiam medidas cada vez mais radicais e falavam até em revolucionar toda a Europa, instituindo a “república universal”. Os dantonistas, ao contrário, condenavam os excessos do Terror e desejavam o fim da ditadura revolucionária. Robespierre decidiu esmagar as duas facções. Descobriu uma conspiração de hebertistas e mandou-os à guilhotina em março de 1794. Pouco depois, acusados de conspirar, Danton e seus correligionários foram presos e guilhotinados. Apoiado pelo político Louis de Saint-Just, Robespierre pôs em prática medidas que visavam a dar sólida base democrática à república: a redistribuição parcial da propriedade e leis de amparo social.

Temendo nova conspiração, Robespierre exigiu a aprovação da chamada lei prairial, que acelerou as execuções e deu a esse período o nome de Grande Terror. O cientista Lavoisier e o poeta André Chénier foram guilhotinados nessa época. Enquanto isso, as forças francesas obtiveram a vitória de Fleurus e afastaram o perigo estrangeiro. Os inimigos de Robespierre aproveitaram-se, então, para explorar o descontentamento do povo e da Convenção contra o excesso de execuções. Robespierre não tomou consciência do risco que corria, pensando contar ainda com o apoio da Convenção. Na sessão de 27 de julho, seus inimigos o acusaram, ao mesmo tempo em que o impediam de falar. Ao fim da agitada reunião, a Convenção decretou sua prisão e a de seus seguidores. A Comuna se rebelou, mas grande parte da Guarda Nacional negou-lhe apoio. Desorientados, os partidários da Comuna se dispersaram e a Convenção reuniu as tropas dos moderados, mas não houve necessidade de luta. Robespierre e seus colaboradores foram guilhotinados em 28 de julho.

Reação termidoriana. Iniciou-se, então, a chamada reação termidoriana, liderada pelos moderados. O tribunal revolucionário enviou à guilhotina 16 carros repletos de terroristas. Os Comitês de Salvação Pública foram dominados, a lei prairial revogada e o Clube dos Jacobinos fechado. Os girondinos, que haviam sido proscritos da Assembléia, foram chamados a reassumir seus postos, enquanto os emigrados voltavam em massa. Por três vezes as massas populares invadiram a Assembléia, mas foram rechaçadas pelas tropas fiéis ao governo. A partir de então a repressão tornou-se violenta. Os extremistas passaram a ser caçados em todo o país. Era o Terror Branco. Os realistas ainda tentaram voltar ao poder, mas foram esmagados.

Diretório. Não suportando mais a guerra, a Europa reconheceu a república francesa. Mas a situação econômico-financeira da França continuava caótica. Antes de desaparecer, a Convenção definiu o novo regime. Tendo sido abolida a constituição de 1793, elaborou outra, reacionária, que revogava o sufrágio universal e dividia os eleitores segundo sua contribuição em impostos. Criou o Diretório, poder executivo de cinco membros, um dos quais era substituído anualmente. Os realistas ensaiaram uma nova reação, mas foram reprimidos pelo visconde Paul-François-Jean-Nicolas Barras, auxiliado por Napoleão Bonaparte, jovem general-de-brigada. Como recompensa, a Convenção nomeou Barras diretor e fez de Bonaparte general-de-divisão e comandante do exército interno. Em 26 de outubro de 1795 a Convenção encerrou seus trabalhos. O Diretório durou quatro anos, no decorrer dos quais enfrentou ameaças, ora dos jacobinos, ora dos realistas. Os primeiros agrupavam-se em torno de François-Noël Babeuf, que sonhava com um comunismo integral e fundou a Sociedade dos Iguais. Sua revolta foi esmagada e Babeuf guilhotinado.

A partir de então sucederam-se os golpes de estado. O de 18 frutidor (4 de setembro de 1797), dirigido por três membros do Diretório, auxiliados por Bonaparte, foi contra os realistas; o de 22 floreal (4 de maio de 1798), foi desferido contra os jacobinos.

Enquanto o Diretório se desgastava em lutas internas, Bonaparte fortalecia-se em conseqüência dos êxitos das campanhas militares empreendidas no exterior, e passou a ser considerado como o único homem capaz de restabelecer a ordem. Bonaparte teve, assim, condições de desfechar o golpe de estado do 18 brumário (9 de novembro de 1799), por meio do qual assumiu o poder e inaugurou uma nova era, encerrando-se assim o ciclo revolucionário.

Babeuf, François-Noël; Danton, Georges-Jacques; Jacobinos e girondinos; Marat, Jean-Paul; Napoleão Bonaparte; Robespierre, Maximilien de

©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.

São Mateus – Abril de 1999 – Nacional

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