Práticas organizacionais: 

 

RESUMO

Este artigo apresenta um levantamento da literatura especializada sobre práticas organizacionais. Na sua elaboração, foram referenciados estudos teóricos e empíricos, produzidos por autores nacionais e estrangeiros. Apesar de as práticas constituírem tema longevo e recorrente no campo organizacional, ao se analisar a literatura, identificam-se lacunas, as quais denunciam que as práticas ainda são um construto carente de aprofundamento epistêmico e metodológico. Assim, o presente artigo foi estruturado, tendo em vista, permitir uma visão geral sobre o tema, enfatizando a importância deste construto nos estudos organizacionais, bem como indicando as oportunidades de pesquisa decorrentes das lacunas identificadas.

Quando se revisa a literatura sobre práticas organizacionais, emerge uma situação dilemática. Primeiro, as práticas constituem tema longevo e recorrente nos estudos organizacionais, cuja relevância é reiteradamente enfatizada pelas mais variadas abordagens teóricas. Citando, por exemplo, os trabalhos que têm por base o arcabouço da cultura organizacional, para Deal e Kennedy (1982), Lundberg (2001), Luthans (1995), Ott (1989), Paz e Tamayo (2004), Peters e Waterman (1982), Quinn (1984), Quinn e Rohrbaugh (1983), as práticas constituem elemento fundamental no estudo da cultura, pois representam o aspecto manifesto do construto.

Nesta perspectiva, enquanto os valores, elementos nucleares mais implícitos da cultura, encerram a rede de significados de determinado sistema cultural, tais significados são expressos, afirmados e comunicados às pessoas por meio das práticas (Trice & Beyer, 1986). Hofstede (1994) enfatizaria – ainda mais – a importância das práticas na compreensão da dinâmica cultural, afirmando que a percepção compartilhada das práticas cotidianas (e não dos valores) sustentaria o núcleo da cultura organizacional.

Segundo, apesar das práticas serem largamente empregadas nos estudos organizacionais, ao se analisar a literatura identificam-se lacunas, as quais denunciam que as práticas ainda são um construto carente de aprofundamento epistêmico e metodológico. Justificam-se, assim, os esforços na realização de trabalhos dedicados a explorar mais detalhadamente este construto no âmbito organizacional, tanto do ponto de vista teórico quanto aplicado.

Claro fica que este artigo não pretende oferecer uma revisão exaustiva ou definitiva, capaz de satisfazer todas as deficiências identificadas. Pelo contrário, seu objetivo é mais parcimonioso: apresentar uma sistematização inicial da exígua literatura existente, que contribua, contudo, para a discussão e futuras pesquisas que tenham por interesse as práticas organizacionais. Da mesma forma, não se estendeu a discussão ao nível perceptual ou afetivo das práticas, tema longamente tratado pelos teóricos que discorrem sobre clima organizacional e satisfação no trabalho, tais como Ashkanasy, Wil-derom e Peterson (2000), Bedani (2003; 2006), Denison (1998), Koys e Decotiis (1991), Moran e Volkwein (1992) e Puente-Palácios e Freitas (2006).

Para cobrir a maior extensão possível do construto, considerando-se a escassez de trabalhos sobre o tema, foram referenciados estudos teóricos e empíricos, produzidos por autores nacionais e estrangeiros. Além desta introdução, estruturou-se o artigo em seis seções, que contemplam: (1) retrospectiva; (2) conceituação; (3) perspectivas teóricas; (4) modelos; (5) medidas e pesquisas, e (6) conclusões.

 

Práticas organizacionais: retrospectiva

Analogamente ao que ocorreu com os valores, o interesse pelas práticas organizacionais sofreu impulso significativo a partir da década de 1980, também em decorrência da popularização dos trabalhos sobre cultura organizacional. Divulgada a ideia de que o sucesso das organizações nipônicas relacionava-se com a cultura e, mais especificamente, com os valores compartilhados pelos membros. Simultaneamente, foi despertado o interesse de pesquisadores e empresas ocidentais em estudar as práticas organizacionais diferenciadas que emergiam destes sistemas culturais exóticos e que resultavam em maior produtividade. Um grupo de pesquisadores da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Tecnhology sistematizou as práticas utilizadas pelos japoneses na produção de veículos automotores, as quais passaram a ser consideradas como um modelo para outras indústrias automotivas (Wellstein & Kieser, 2011).

Por outro lado, também foi estimulado o interesse em compreender a influência da cultura nacional sobre as práticas organizacionais, especialmente as práticas de gerenciamento. Nesta fase, em que as organizações japonesas representavam uma ameaça às corporações americanas, buscaram-se maneiras de contra-atacar o avanço econômico japonês, por meio da adoção de novos modos de gestão inspirados nestas novas práticas. Assim, propagaram-se entre as organizações ocidentais, principalmente no âmbito de suas linhas de produção, práticas de qualidade, 5S, produção flexível, justintime, kaisen, kanban, envolvimento dos funcionários, dentre outras (Erez, 2000; Greenan & Mairesse, 2003; Hofstede, 1983; Young, 1992).

Finalizando este período, para perenizar o processo de adoção de práticas e de modelos de gestão que fomentassem maior produtividade e competitividade das organizações norte-americanas, seria criado, em 1987, por ato da presidência dos Estados Unidos da América, o Prêmio Nacional da Qualidade Malcom Baldrige. Os critérios de premiação, em essência, referem-se à avaliação do nível de excelência das práticas adotadas pelas empresas. Em 1991, com objetivos e critérios semelhantes ao da premiação norte-americana, foi lançado, no Brasil, o Prêmio Nacional da Qualidade. A criação destes prêmios e de diversas outras premiações e certificações, que seguem ideais análogos, reafirmariam a centralidade das práticas organizacionais na vida das empresas (Baldrige National Quality Program, 2001; Fundação Nacional da Qualidade, 2006).

Ao longo da década de 1990, devido às condições do mercado mundial, o relacionamento interorganizações, em diversos momentos, mudou de conflituoso para cooperativo, na forma de fusões, aquisições, joint ventures e alianças comerciais internacionais. Assim, impulsionaram-se estudos cujo objetivo fosse identificar a influência das culturas nacionais sobre o processo de transferência das práticas entre empresas parceiras, porém pertencentes a diferentes culturas, bem como os fatores que influenciariam o sucesso na implementação de tais práticas (Erez, 2000; Prochno, 2004).

Hodiernamente, segundo Palmer e Dunford (2002), para sobreviverem em um ambiente de negócios caracterizado pela turbulência e hiper-competitividade, as empresas adotaram novas formas e estruturas organizacionais baseadas em abordagens pós-burocráticas nas quais seriam privilegiados o autogerenciamento, a inteligência, a virtualidade e o conhecimento. Neste cenário, emergiram novas práticas organizacionais que enfatizariam a velocidade, a flexibilidade e a inovação, tais como: redes/alianças de colaboradores, terceirização de atividades não estratégicas, desagregação das unidades de negócios, redução das fronteiras organizacionais, grupos de trabalho flexíveis, empowerment e contratação temporária de pessoas.

Assim, a atenção dos pesquisadores dirige-se para o esclarecimento da relação entre estas novas práticas e as práticas e estruturas tradicionais ainda adotadas pelas organizações, o impacto das práticas sobre a dinâmica do trabalho, a saúde e o bemestar dos trabalhadores e sobre outras variáveis organizacionais (Askenazy, Caroli & Marcus, 2002; Bauer, 2004; Greenan & Mairesse, 2003; Ichniowski, Shaw & Prennshui, 1997).

 

Conceituando práticas organizacionais

Kostova (1996, 1999) ressalva que, apesar da grande utilização do termo práticas organizacionais e de sua reconhecida importância na vida da organização, a literatura sobre o tema carece de definições mais estruturadas e generalizáveis para este construto. Normalmente, os raros conceitos disponibilizados focam apenas algumas poucas características das práticas organizacionais, aspectos consoantemente alinhados e delimitados pela perspectiva teórica seguida pelos respectivos autores ou pelo interesse particular relativo a cada pesquisa realizada.

Assim, constata-se que, em grande parte das publicações especializadas, devido à falta de um arcabouço teórico mais consistente, os termos “rotina”, “ação”, “procedimento”, “processo”, “programa”, “política”, “tarefa”, “atividade”, “técnica”, dentre outros, seriam utilizados equivocadamente de forma intercalada ou sinonímia com a expressão prática organizacional. Não é raro encontrar trabalhos que relacionam o termo “práticas organizacionais” em seu título, sem, no entanto, definir o construto claramente (Siegel, Waldman & Link, 2003; Tuomi, Vanhala, Nykyri & Janhonen, 2004).

Estas deficiências epistemológicas são observadas na literatura nacional (Carvalho, 2004; Cunha 2005; Demo, 2004) e internacional, como apontado por Kostova (1996; 1999). A despeito dessa problemática, pesquisas mostram que as práticas organizacionais estão associadas com produtividade (Ichniowski, Shaw & Prennshui, 1997), transferência de tecnologia das instituições de ensino superior para a indústria (Siegel, Waldman & Link, 2003) e bemestar dos trabalhadores (Tuomi, Vanhala, Nykyri & Janhonen, 2004), por exemplo.

Kostova (1996), cujo objetivo foi sistematizar uma definição abrangente que contemplasse as propriedades mais significativas do construto e que, ao mesmo tempo, fosse a “mais técnica e trivial” (p. 13) possível, fornece uma definição bastante generalista para as práticas organizacionais, a qual é muito semelhante à definição de cultura organizacional proposta por Schein (1985), a saber:

[…] formas particulares de conduzir as funções organizacionais que evoluem com o passar do tempo, sofrendo a influência da história da organização, das pessoas, interesses e ações que se tornaram institucionalizadas na organização. Refletindo o conhecimento compartilhado e competências da organização, as práticas tendem a ser aceitas e aprovadas pelos membros, pois são percebidas como a maneira correta para a realização de determinadas tarefas (Kostova, 1999, p. 310).

Kostova (1999) salienta ainda que as práticas têm um caráter multifacetado, sendo constituídas por dois elementos diferenciados: (1) um conjunto de regras escritas ou tácitas sobre como as funções organizacionais devem ser conduzidas, ao qual subjaz outro conjunto, (2) formado por elementos cognitivos (valores e crenças) que determinam como compreender e interpretar tais regras.

A autora também destaca outras três características das práticas organizacionais. A primeira está relacionada com a abrangência destas no ambiente da organização. Assim, enquanto o escopo de algumas práticas é mais limitado, referindo-se especificamente a tarefas peculiares, conduzidas por uma determinada área ou departamento da organização, outras práticas referem-se a tarefas mais amplas, como o gerenciamento de um programa para qualidade total, por exemplo. A segunda característica apontada relaciona-se ao grau de formalização das práticas, que varia desde as altamente formalizadas (aquelas para as quais existem regras escritas que as descrevem) até, no pólo oposto, as práticas completamente informais. Finalmente, a terceira característica refere-se ao conteúdo das práticas: algumas são essencialmente técnicas enquanto outras têm um caráter eminentemente social, no sentido de que promovem o relacionamento interpessoal no contexto da organização.

Para Verbeke (2000), “as práticas organizacionais seriam teorias em uso que representam os comportamentos e procedimentos típicos adotados pelos membros da organização” (p. 589). Durante o processo de socialização, os funcionários desenvolvem estas teorias em uso; assim, podem agir, reagir e improvisar em situações de trabalho específicas. Nesta perspectiva, as práticas representam primordialmente um conjunto de conhecimentos tácitos, circunstância que dificulta sua comunicação verbal entre os membros da organização. Assim, a aprendizagem das práticas depende do engajamento das pessoas na execução das tarefas e da participação do grupo na solução dos problemas organizacionais.

Contrastando com os valores e crenças organizacionais, as práticas são mais flexíveis e mutáveis, transformando-se em função dos sistemas internos de controle e das pressões advindas do ambiente externo da organização. As práticas são relativamente independentes dos valores organizacionais. Deste modo, duas organizações com perfil axiológico semelhante poderiam produzir práticas organizacionais completamente distintas.

Para Wellstein e Kisser (2011), as práticas organizacionais podem ser concebidas como o conjunto de normas e rotinas que são interpretadas pelos trabalhadores, os quais “bring the rules to live” (p.709). Para conceituar práticas organizacionais, Jarzabkowski (2004) referencia os trabalhos de Bourdieu, Giddens, MacIntyre, Schatzk e Reckwitz, autores identificados com o estudo das práticas sociais, cujo arcabouço teórico seria transposto para o contexto organizacional. Jarzabkowski acredita que, inicialmente, seria necessário estabelecer uma distinção conceitual entre os termos prática e práticas organizacionais. No singular, o termo prática sugere uma ação repetitiva, periódica, habitual ou rotinizada que desenvolveria determinadas competências, melhorando o desempenho. Prática remete à ideia de uma ação, atividade ou trabalhos específicos.

Por sua vez, a expressão práticas envolveria a noção de um tipo de rotinização de comportamentos que engloba um conjunto de elementos inter-relacionados: atividades físicas e mentais, conhecimentos, estados emocionais, motivações, criação e utilização de artefatos. Neste sentido, as práticas representariam as tradições, normas, regras e rotinas que estruturam o ambiente organizacional para o alcance dos objetivos estratégicos da organização, bem como os objetivos pessoais dos seus membros. Ainda nessa perspectiva, as práticas organizacionais podem ser definidas como “conjunto de ferramentas delineadas estrategicamente com vistas a aumentar o desempenho dos empregados em relação aos objetivos organizacionais” (Gooderham; Nordhaug & Ringdal, 1999, p. 518).

 

Perspectivas teóricas para estudo das práticas organizacionais

Referenciando a literatura revisada neste artigo, é possível vislumbrar duas grandes vertentes relacionadas ao estudo das práticas organizacionais: (1) trabalhos conduzidos sob a perspectiva cultural, que se subdividem entre os estudos realizados sob a égide da cultura organizacional e aqueles que focam a transculturalidade e (2) trabalhos apoiados pela teoria institucional. Destaca-se que ambas as abordagens compartilham a visão de inter-relacionamento das práticas com a cultura organizacional, bem como a influência delas sobre o comportamento.

Frequentemente, na perspectiva da cultura organizacional, as práticas seriam estudadas paralelamente aos valores e pressupostos básicos. Conforme explicam Beyer e Trice (1987) e Trice e Beyer (1986), a cultura seria composta por dois componentes fundamentais: (1) a rede de significados formada pelos valores, ideologias e normas, e (2) as práticas que teriam a função de expressar, afirmar e comunicar o conteúdo desta rede de significados aos membros da organização. Segundo os autores, corporificando a dimensão mais manifesta da cultura organizacional, parece lógico propor que, por meio da investigação das práticas, seria possível revelar aqueles aspectos mais latentes da cultura de cada organização.

Analogamente, Hofstede (1991/2003) sugere que a cultura organizacional seja estudada por meio das práticas, tendo em vista que elas podem ser analisadas por observadores externos. Assim, ocupando o nível mais superficial da cultura, as práticas constituiriam um aspecto mais facilmente observável do fenômeno cultural. Contudo, apesar de sua maior superficialidade quando comparadas aos valores, teriam um impacto emocional imediato sobre os membros da organização e, consequentemente, sobre seu comportamento (Schein, 1985).

Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders (1990) destacam que as práticas organizacionais envolvem os símbolos, heróis e rituais, e tais aspectos são visíveis a um observador externo, no entanto, seus significados estão no modo como são percebidos pelos trabalhadores de uma dada organização. Os símbolos compreendem os objetos, palavras, figuras que carregam significado dentro de uma determinada organização. Os heróis são as pessoas, vivas ou falecidas, que possuem características altamente reconhecidas na cultura organizacional e que representam um modelo a ser seguido. Os rituais compreendem as diversas atividades coletivas não essenciais para a organização, mas com significado partilhado socialmente.

Para Hofstede et al (1990), os valores e crenças dos fundadores moldariam a cultura organizacional; contudo, seria por meio das práticas que a cultura influenciaria o comportamento dos demais membros da organização. Ferreira (artigo submetido) também apregoa que a cultura organizacional deveria ser operacionalizada através de suas práticas organizacionais e os valores deveriam ser usados nos estudos da cultura nacional.

Os teóricos transculturais, do mesmo modo que os institucionais, grosso modo, buscam compreender a influência de variáveis externas sobre determinadas variáveis intra-organizacionais. Na perspectiva transcultural, a cultura nacional constitui a variável externa de interesse. Portanto, os estudos transculturais procuram avaliar o impacto da cultura nacional sobre a cultura organizacional e, por conseguinte, explicar como esta relação interfere nas práticas organizacionais e no comportamento de seus membros. Também são recorrentes estudos sobre o processo de transferência de práticas entre organizações sediadas em diferentes países (Kogut & Zander, 1993; Kostova, 1999; Szulanski, 1996).

A teoria institucional enfatiza o estudo das pressões sociais e culturais na vida organizacional e a influência destes fatores sobre práticas e estruturas organizacionais. Para DiMaggio e Powell (1983), as decisões gerenciais seriam fortemente influenciadas por estas forças ambientais que, configurando uma fonte de pressões coercitivas e regulatórias, dariam origem e difundiriam um conjunto comum de valores, normas e regras, responsáveis pela produção de práticas e estruturas similares entre organizações que atuam em um mesmo segmento.

Contudo, Levy e Rothenberg (2002) acreditam que estas pressões institucionais não impactam todas as organizações uniformemente, pois cada cultura organizacional constitui um elemento moderador que, referenciando sua história e valores, fornece interpretações diferenciadas para tais pressões, propiciando o surgimento de práticas significativamente heterogêneas, mesmo em organizações semelhantes. Gooderham, Nordhang e Ringdal (1999), apontam ainda que, muitas vezes, é subestimada a influência dos obstáculos institucionais ao processo de difusão em diferentes países.

DiMaggio (1988) ressalta a relação de interdependência que se estabelece entre valores e práticas no contexto da organização, enfatizando que o comportamento organizacional é governado preponderantemente pela aceitação pré-consciente dos valores e práticas institucionalizadas pela organização. Para o autor, as práticas adotadas por uma organização são justificadas mais por sua afinidade com os valores culturais do que pela satisfação de critérios racionais de eficiência. Portanto, as práticas também agregam uma dimensão mais abstrata de significados, cujo processo de internalização pelos membros da organização está condicionado à ratificação destas pela cultura.

Anteriormente, Selznick (1957/1971) já havia destacado o aspecto simbólico das práticas. Para este autor, todas as práticas adotadas por uma organização carregam significados ou valores que ultrapassam as necessidades técnicas do trabalho, uma vez que refletem a história da organização e das pessoas que dela participam, bem como as soluções adotadas para responder às pressões originárias do ambiente interno e externo. Neste sentido, as práticas organizacionais não materializariam apenas um conjunto de regras e procedimentos; pelo contrário, elas teriam valor para os membros da organização, pois, em essência, sua natureza articula as dimensões simbólica e normativa.

Zeitz, Mittal e McAulay (1999) propõem uma diferenciação entre os termos adoção e internalização das práticas organizacionais, distinção frequentemente não evidenciada na teoria institucional. A adoção refere-se à seleção e uso inicial de determinada prática ainda não utilizada por uma organização. A internalização refere-se à presença de práticas que dificilmente seriam abandonadas pela organização, mesmo sob grande pressão externa. A adoção de certas práticas poderia atender a modismos corporativos passageiros; contudo, apesar de adotadas, não seriam efetivamente internalizadas pela organização. Desta forma, constata-se uma lacuna entre a decisão gerencial de adotar uma prática e sua utilização efetiva e continuada no contexto organizacional.

Christensen e Gordon (1999) acreditam que somente as práticas efetivamente internalizadas pela organização como um todo representam de fato a manifestação daqueles aspectos mais latentes da cultura organizacional. Zeitz, Mittal e McAulay (1999) argumentam que, para serem efetivamente internalizadas pela organização, as práticas devem: (1) refletir as características mais profundas da organização; (2) envolver todos os níveis organizacionais; (3) derivar-se de uma necessidade de equilíbrio entre a organização e seu ambiente; (4) relacionar-se com os stakeholders internos e externos, e (5) levar em consideração aspectos tecnológicos, financeiros e legais. Desse modo, a internalização constitui um processo que implica o envolvimento de diversos fatores do contexto organizacional, exigindo ainda conexão com as estruturas cognitivas dos membros, alinhamento com os valores compartilhados e comprometimento de recursos.

 

Modelos de estudos de práticas organizacionais

Aycan, Kanungo e Sinha (1999) construíram um modelo direcionado para a realização de estudos transculturais, o qual busca explicitar como fatores ambientais, mediados pela cultura organizacional, influenciam as práticas de recursos humanos adotadas pelas organizações. Entretanto, observa-se que este modelo, tangenciando pressupostos das abordagens cultural e institucional, poderia ser extrapolado para análise de quaisquer outras práticas organizacionais.

No modelo, a cultura nacional e a organizacional são tratadas como dois construtos distintos, possuidores de dimensões estruturais e sistemas axiológicos diferenciados. Contudo, postula-se que a cultura organizacional é fortemente impactada pela cultura nacional, associada às exigências dos fatores sócio-políticos e do ambiente de negócios.

Conforme demonstrado na Figura 1, considera-se que as práticas emergem da cultura organizacional, processo que sofre o impacto das seguintes forças externas: (1) ambiente sócio-cultural (valores compartilhados da cultura nacional) e (2) ambiente de negócios (características do mercado, tipo de atividade, disponibilidade de recursos humanos e tecnológicos, tipo de propriedade (pública ou privada). Por sua vez, as características do ambiente de negócios e da cultura nacional são determinadas pelo ambiente sócio-político (contextos ecológico e político, processo de socialização, leis e história). Salienta-se que os fatores extra-organizacionais não impactam diretamente as práticas, pois são filtrados e interpretados pelos gestores de acordo com os valores e pressupostos da cultura organizacional, elemento que desempenha o papel de moderador das pressões originárias do ambiente externo.

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O modelo evidencia que as práticas organizacionais não surgem envoltas por um vazio conceitual anterior. Em vez disso, constitui um processo complexo e racional, além de ser imbuído de significado. Desta forma, considerando o papel mediador da cultura organizacional e a ação dos gestores, organizações expostas aos mesmos fatores ambientais podem desenvolver e institucionalizar uma coleção particular de práticas.

Delmas e Toffel (2004), referenciando a teoria institucional, propõem um modelo similar ao proposto por Aycan, Kanungo e Sinha (1999) para explicar a dinâmica das práticas organizacionais. Neste modelo, analogamente ao anterior, postula-se que a adoção de determinadas práticas pela organização ocorre em função da influência ou pressão exercidas pelo ambiente externo, relação que sofreria a ação de um elemento moderador. A organização sofre a pressão da seguinte matriz de fatores: (1) acionistas, (2) competidores, (3) governo, (4) consumidores e (5) membros da comunidade. O que moderaria a influência destes fatores extra-organizacionais sobre as práticas são as características da organização, tais como estrutura, tamanho, posição no mercado, nível de internalização, tipo de operação e níveis de desempenho. Assim, na medida em que, em determinadas organizações, estas características minimizariam o impacto das pressões externas sobre as práticas, em outras este impacto poderia ser maximizado.

 

Medidas e pesquisas de práticas organizacionais

Para Verbeke (2000), as práticas relacionam-se tanto com o comportamento dos membros (influenciando desempenho e atitudes) quanto com a performance global da organização, constituindo, assim, um construto promissor nos estudos organizacionais. Entretanto, constata-se que na literatura são escassos os instrumentos disponibilizados especificamente para mapear as práticas organizacionais e que sejam capazes de fazê-lo de modo sistemático e consistente.

Nota-se que, em algumas escalas construídas para investigação da cultura, como os de Calori e Sarnin (1991), Ferreira, Assmar, Estol, Helena e Cisne (2002), Hofstede e colaboradores (1990), encontram-se fatores destinados à avaliação das práticas organizacionais. Ressalva-se, ainda, que grande parte dos trabalhos sobre o tema restringe-se a estudos descritivos de práticas específicas, nos quais, costumeiramente, a metodologia privilegiada é o estudo de caso. Apresentam-se, a seguir, instrumentos desenvolvidos exclusivamente para investigação das práticas organizacionais e, após, relacionam-se algumas pesquisas sobre o tema.

Ferreira (artigo submetido) retoma Katz e Kahn (1978) e afirma que, por ser um sistema aberto, as organizações precisam resolver três conflitos: (1) interesses (indivíduo-organização), (2) controle e (3) estabilidade x mudança. Esses três conflitos estão subjacentes e estruturam a percepção que os trabalhadores têm da organização. Considerando tais pressupostos, a autora desenvolveu uma medida de práticas organizacionais composta por três dimensões: (1) orientação para indivíduo, (2) formalização e (3) práticas de inovação. Dentre os itens da escala, tem-se, por exemplo, “os gestores dão liberdade aos subordinados para expressarem suas ideias” (orientação para indivíduo), “o que o empregado tem que executar é claramente determinado por procedimentos formais” (formalização), “há um grande investimento em novos produtos nessa organização (inovação). A partir de amostras de trabalhadores da América Latina e Ásia, o instrumento é validado e os índices de confiabilidade são excelentes em todos os países, em torno de 0,90.

House e Rizzo (1972) validaram um instrumento denominado Questionário Descritivo da Organização, cujo objetivo é mensurar as práticas organizacionais e a efetividade das subunidades da organização. O questionário operacionaliza a mensuração das práticas por meio de oito fatores: (1) conflito e inconsistência, (2) formalização, (3) consenso e clareza com relação a metas, (4) pressão no trabalho, (5) tolerância ao erro, (6) seleção de pessoas baseada em habilidade e desempenho, (7) adequação do planejamento e (8) adequação da autoridade. Os itens que compõem estes fatores foram derivados de entrevistas, tendo por base conceitual a Teoria X e Y e a abordagem mecanicista/orgânica das organizações. Constata-se que os resultados obtidos com a aplicação deste instrumento, mais que um diagnóstico das práticas organizacionais e sua relação com a efetividade, em essência, disponibilizariam apenas um critério para categorização das práticas, de acordo com o grau de alinhamento destas com os pressupostos das teorias referenciadas.

Huselid (1995) validou um instrumento para avaliar as práticas laborais de alto desempenho. Por definição, estas práticas condensariam diversas práticas de recursos humanos, responsáveis por envolver os funcionários com a organização, incentivar o desenvolvimento e desempenho individual e organizacional, contribuindo ainda para a retenção dos bons funcionários. O questionário contém dois fatores: (1) habilidades dos funcionários e estrutura organizacional (9 itens e alfa de 0,67), que pretende avaliar as práticas de recursos humanos de forma ampla e as condições do contexto organizacional relacionadas com tais práticas, e (2) motivação (4 itens com alfa de 0,66), que se refere à avaliação das práticas utilizadas para reconhecer e reforçar os padrões de comportamento desejados pela organização.

Truchon, Fillion e Gélinas (2003) validaram um instrumento para avaliar as políticas e práticas organizacionais que contribuiriam para facilitar a reintegração ao ambiente laboral de trabalhadores afastados por motivo de doença. O formato final do instrumento é composto por 18 itens, distribuídos por três fatores: (1) gerenciamento da incapacidade, que envolve as técnicas de reabilitação e acomodações oferecidas aos funcionários doentes para facilitar seu retorno à organização, (2) clima de segurança e (3) cultura organizacional orientada para pessoas. Apesar da boa consistência interna – os três fatores apresentaram alfas de Cronbach acima de 0,80 -, ressente-se de uma distinção teórica mais apurada com relação aos construtos efetivamente abordados por estes fatores. Conjectura-se que a utilização de questões relacionadas ao clima e à cultura para operacionalizar a avaliação de práticas e políticas poderia produzir diagnósticos ambíguos sobre a realidade organizacional.

Palmer e Dunford (2002) salientam que os trabalhos sobre práticas organizacionais, além de normalmente se resumirem a estudos de casos descritivos, habitualmente seriam prescritivos, fato que seria denunciado pela expressiva oferta de manuais que listam as melhores práticas organizacionais adotadas por empresas bem sucedidas. Apesar do sucesso desta literatura prescritiva junto ao público gerencial, estes fatores contribuiriam para coibir a elaboração de análises mais minuciosas das práticas, dificultaria a generalização e limitaria temporalmente a validade dos resultados obtidos nestes trabalhos (Wellstein & Kieser, 2011).

Contrastando com esta tendência prescritiva no estudo das práticas, Orr (1996) conduziu uma das pesquisas mais complexas já realizadas sobre práticas organizacionais, na qual foram estudadas as práticas de trabalho de técnicos de copiadoras da empresa norte-americana Xerox com a utilização de métodos próprios da Antropologia. Em síntese, este estudo revela que todas as práticas utilizadas no conserto das copiadoras são amplamente formalizadas em manuais produzidos pela empresa. Orr (1996) sugere que isto demonstra uma tentativa da organização de controlar, mesmo à distância, o trabalho realizado pelos seus funcionários. Além disso, na concepção dos gestores, estes manuais, detalhando pormenorizadamente as práticas que definem o trabalho a ser executado, mitigam o impacto causado pela rotação de pessoas. Contudo, os problemas encontrados pelos técnicos não estariam relacionados somente com o mau funcionamento das copiadoras, mas na dificuldade de interação do cliente com a máquina.

Desta forma, o trabalho executado não envolveria apenas as práticas formalmente descritas para o conserto das máquinas, porém constituiria uma relação triangular mais ampla, formada por técnicos, clientes e máquinas. Esta relação que dependeria da habilidade de improvisação do trabalhador subverteria a lógica organizacional de controle do trabalho por meio das práticas, pois, entre os técnicos seria priorizada a aprendizagem destas práticas informais da atividade como forma de satisfazer o cliente e, em decorrência, salvaguardar seus empregos. A pesquisa em questão também ratifica a hipótese de que as práticas representam a manifestação dos aspectos mais latentes da cultura organizacional.

Utilizando análises econométricas oriundas de 36 linhas de produção de ferro de 17 organizações distintas, um estudo foi conduzido para analisar a influência das práticas organizacionais na produtividade dos trabalhadores. O trabalho focou num processo específico de produção com vistas a eliminar fontes de variabilidade na análise dos dados. Os dados acerca das práticas organizacionais de gestão de pessoas foram obtidos a partir de entrevistas padronizadas com gestores da área. Os resultados mostraram que o desempenho dos trabalhadores é substancialmente melhor sob um sistema de incentivos acoplado a um conjunto de práticas organizacionais de gestão de pessoas inovadoras, tais como, “flexibilidade, participação do trabalhador na resolução dos problemas da equipe, treinamentos para aprimoramento das habilidades, elevada comunicação e segurança do empregado” (Ichniowski, Shaw & Prennshui, 1997, p.312).

Nos trabalhos empíricos sobre práticas organizacionais, nota-se que o estudo das práticas de recursos humanos constitui um dos focos preponderantes, seja descrevendo estas práticas, seja verificando a influência delas sobre outras variáveis. Segundo Huselid (1995), as práticas de recursos humanos impactam a organização de forma abrangente, afetando a produtividade, o desempenho individual e organizacional e o comportamento dos membros, justificando-se a importância desta linha de pesquisa.

Analogamente, para Prada, Miguel e França (1999), as práticas de recursos humanos contribuiriam para a realização dos objetivos organizacionais. Somado a isto, a compreensão de tais práticas, que realinhariam o aprendizado, ressaltariam o desempenho, estimulariam e valorizariam o ser humano nas organizações, subsidiaria a exploração de maneiras de se criar um ambiente de trabalho mais favorável à produtividade. Allen, Shore e Griffeth (2003) pesquisaram a relação entre as práticas de recursos humanos sobre os índices de turnover. Para os autores, práticas que sinalizam para a valorização e reconhecimento dos funcionários influenciariam positivamente as atitudes e comportamentos dos empregados com relação à disposição de permanecerem na organização.

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