Ouro negro, da euforia da descoberta aos choques de realidade

 

 

OURO NEGRO NO BRASIL! Foi assim, com direito a letras maiúsculas e ponto de exclamação, que O GLOBO noticiou em 24 de janeiro de 1939 a confirmação da existência de petróleo no Brasil, mais precisamente em Lobato, na Bahia. A extração de petróleo, assunto que até hoje mobiliza debates acalorados, movimentava o país após anos de possíveis indícios de óleo em várias cidades e discussões de cunho nacionalista que envolviam nomes como o do escritor Monteiro Lobato sobre quem poderia explorar a riqueza.

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DIVULGAÇÃO/PETROBRAS

O começo. Poço de petróleo em Candeias, no Recôncavo Baiano: primeira descoberta comercialmente viável, em 1941

A descoberta, que acabou se revelando não comercial, marcou o início do desenvolvimento da indústria petrolífera no país. Somente em 1941 foi encontrada uma reserva que poderia ser explorada comercialmente, em Candeias, na Bahia. O campo produz até hoje cerca de 900 a mil barris diários. Muito antes de o petróleo migrar das páginas da economia para o noticiário policial, após os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato, o tema já era marcado por polêmicas. No fim dos anos 1940, a campanha “O petróleo é nosso” ganhou as ruas, embalada pelos setores nacionalistas com a derrubada da ditadura do Estado Novo. Num sinal dos ânimos acirrados durante a discussão no Congresso do Estatuto do Petróleo, o jornal noticiava em manchete do dia 19 de outubro de 1948: “Do Brasil e dos brasileiros!” – “Não poderão transferir-se para empresas estrangeiras as ações das nossas futuras refinarias de petróleo”, declarava o relator do projeto do Estatuto do Petróleo ao GLOBO.

No embalo da campanha, nascia em 3 de outubro de 1953 a Petrobras e, junto com ela, a lei 2004, criando assim o monopólio do petróleo pelo presidente Getulio Vargas. Com isso, encerrou-se uma grande polêmica, que se arrastou por cinco anos entre os que defendiam a participação de empresas estrangeiras na exploração de petróleo e os que defendiam o monopólio estatal.

‘SÓ TINHA GRINGO E EU FALAVA INGLÊS’

Heraldo Raimundo Pinto Pamplona acompanhou a história de perto. Um dos funcionários mais antigos da estatal, Pamplona ingressou, “por acaso”, na Petrobras em 1957, aos 20 anos, e continua na ativa até hoje, aos 78. Na época, ficou sabendo da vaga por um amigo que contou apenas que uma nova empresa de petróleo procurava pessoas para trabalhar.

— Era estudante de engenharia e trabalhava no escritório de um tio. Quando fui na Petrobras só tinha gringo, e como eu falava algo de inglês eles gostaram e me contrataram.

Pamplona cresceu junto com a companhia: fez diversos cursos de geologia e se tornou pesquisador em campo em busca de petróleo, inicialmente, em bacias terrestres como Amazonas e Barreirinhas, no Maranhão.

Hoje, sua rotina começa às 7h, na unidade da Petrobras em Cabiúnas, em Macaé, onde trabalha na área de reparo de dutos submarinos dentro do Plano de Contingência da Bacia de Campos.

Empolgado com o trabalho, apesar da crise recente que se abateu sobre a Petrobras, Pamplona conta que agia como um “desbravador” em expedições nas décadas de 1960 e 1970 na Floresta Amazônica e no Nordeste em busca de petróleo. As adversidades no caminho incluíam períodos de até 90 dias na selva. Em uma ocasião, chegou a contrair malária. Pamplona ajudou nas primeiras descobertas de petróleo no mar, como em Guaricema, em Sergipe, em 1969, e depois na Bacia de Campos, na década de 1970.

— Muito do aprendizado das pesquisas na Amazônia ajudaram nas descobertas no mar e depois no pré-sal — conta Pamplona.

O caminho para o desenvolvimento da indústria foi longo: de grandes descobertas ao desenvolvimento de tecnologia, passando pelo aumento de produção, até a descoberta de gigantescas reservas de petróleo no pré-sal. O setor viveu na década de 1970 sua primeira grande crise: o choque do petróleo fez os preços saltarem de US$ 3 para US$ 11 em poucos meses, com efeitos graves na economia global. Em dezembro de 1973, O GLOBO noticiava: “Campos não trouxe a redenção em 1973. Mas ainda resta esperança”, com a expectativa em relação ao que se tornaria, nos anos seguintes, a maior bacia de exploração de petróleo no país. No mesmo dia, o noticiário traduzia os efeitos em outros países: “Crise do petróleo aumenta desemprego na Inglaterra” e “Venezuela discute nacionalização das empresas petrolíferas”.

Armando Guedes Coelho, ex- presidente da Petrobras, que trabalhou na companhia de 1964 a 1992, conta que foi graças ao empenho de funcionários da estatal à época que o Brasil escapou de um racionamento de combustíveis, mesmo enfrentando dificuldades econômicas que culminaram na moratória, no início dos anos 1980.

— Teve um dia em que nós (os diretores da Petrobras) quase fomos presos pela Receita Federal por não termos repassado recursos de tributos, que usamos para comprar petróleo e não faltar combustível no país — lembra Guedes, o principal negociador pela Petrobras das importações de petróleo nos anos 1970.

Na década seguinte, o setor passou por nova reviravolta: a abertura do mercado com o fim do monopólio, em 1997. No dia 27 de julho daquele ano, O GLOBO previa: “Parcerias bilionárias para o petróleo brasileiro”. A reportagem relatava como a expectativa de abertura do mercado atraía empresas estrangeiras e investimentos estimados em US$ 3 bilhões num horizonte de cinco anos.

Nos anos 2000, a empresa viveu nova onda de euforia, com sucessivas descobertas e o anúncio da autossuficiência, que teve ampla exploração política. Em 2006, O GLOBO informava: “Autossuficiência no palanque – Comemoração pela entrada em funcionamento da P- 50 ganhou contornos eleitorais”. A sucessão de descobertas, que culminou com o anúncio das reservas gigantes do pré-sal, traduziu-se em planos de investimento cada vez mais vultosos e em um aumento gradual do endividamento da companhia. Ao mesmo tempo, o governo usava a empresa para evitar a escalada da inflação, e a estatal era proibida de reajustar preços de combustíveis. O endividamento da companhia saltou de R$ 18,7 bilhões em 2006 para R$ 332,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano.

PROJEÇÕES REVISTAS

Desde o ano passado, porém, as projeções otimistas deram lugar a previsões bem mais comedidas. A brusca redução de preços verificada a partir de meados de 2014 afetou a rentabilidade da empresa. A cotação do barril despencou de um patamar na faixa dos US$ 110 para cerca de US$ 50. Além disso, o mercado foi afetado pelo aumento da produção de shale gas ( gás não convencional) nos EUA. As dificuldades no cenário externo se somam a um quadro de crise ainda maior no front interno, diante da sucessão de escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava-Jato, com efeitos diretos sobre os investimentos e a economia brasileira.

Os desafios são grandes. Desde que os casos de corrupção vieram à tona, em março de 2014, a empresa passou por uma série de choques de realidade: mudou de presidente — com a chegada de Aldemir Bendine para o lugar de Maria das Graças Foster —, trocou toda a diretoria e teve de rever sua meta de crescimento até 2020. Se antes do escândalo a estatal previa dobrar de tamanho e chegar a 4,2 milhões de barris por dia, agora os números são bem mais discretos: a meta é crescer cerca de 2% por ano em relação aos 2 milhões de barris diários produzidos hoje. Segundo especialistas, o problema da Petrobras é conseguir recursos para desenvolver suas reservas. Só as provadas são estimadas em 16,6 bilhões de barris. Estima-se ainda que as descobertas já feitas no pré-sal, mas ainda não provadas, tenham reservas de até 42 bilhões de barris de petróleo.

Mesmo assim, em tempos de projeções mais modestas, a companhia deixou de lado projetos de refinarias orçadas em bilhões de reais. Nesta lista estão a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e as Premium I e II, que também ficariam no Nordeste.

O resultado do escândalo de corrupção foi visível no desempenho da empresa. Divulgado com cinco meses de atraso, a empresa anunciou em abril que teve prejuízo de R$ 21,6 bilhões em 2014. E ainda foi obrigada a reconhecer um impacto de R$ 6,2 bilhões em seu resultado, referente aos valores desviados em esquemas de corrupção. “Uma vergonha de R$ 6 bi”, informava O GLOBO este ano.

Pamplona, o funcionário que fala com nostalgia dos tempos de desbravador em busca de petróleo na selva, chega às lágrimas ao comentar os casos de corrupção:

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— Ninguém é a favor desse assalto que fizeram na Petrobras. Eu e muitos companheiros nos esforçamos tanto para desenvolver a Petrobras, para descobrirmos petróleo, com tanto sacrifício e dedicação. Fico arrasado.

 

Em cada crise, uma oportunidade

 

Enquanto o mundo se assombrava com a disparada no preço do barril do petróleo, que subiu de US$ 3 para US$ 11,60 em menos de dois meses, nos corredores da Petrobras o clima no fim de 1973 era outro. Técnicos da estatal se referiam a uma nova reserva como “novo Oriente Médio” e classificavam a área, que mais tarde passou a se chamar Bacia de Campos. Diante da crise e dos preços altos do barril no mercado internacional, a estatal passou a acelerar o desenvolvimento da área, tratada como “redenção nacional” e que só seria confirmada no ano seguinte. A crise de preços na década de 1970, que causou aumento do desemprego em diversos países, foi o impulso que faltava para levar a Petrobras a desenvolver tecnologia própria para explorar petróleo em alto-mar. Na época, o país importava 80% do petróleo que consumia. Em novembro de 1974, O GLOBO noticiava: “Petróleo jorra em Campos: 5 mil barris por dia”. Foi o primeiro capítulo de uma área que até hoje é a principal região produtora do país, com produção de 1,8 milhão de barris por dia de óleo e gás natural.

— Foi o primeiro choque que viabilizou economicamente as descobertas na Bacia de Campos, assim como as do Mar do Norte e da costa da África. Foi algo semelhante ao que aconteceu há alguns anos, quando a alta no preço do petróleo, que superou os US$ 100, viabilizou o pré-sal, assim como o shale gas (gás não convencional) nos Estados Unidos — disse Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). — O curioso na história da Petrobras é que, quando ela foi criada, a companhia tinha apenas o monopólio do petróleo, mas, como até os anos 60 não conseguiu fazer descobertas relevantes, o governo decidiu estender o monopólio para a área de refino, na tentativa de se buscar a autossuficiência com os combustíveis.

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Em 1984, a Petrobras atingiu a marca dos 500 mil barris por dia. O êxito da empresa não era percebido no dia a dia dos consumidores. Em 2 de abril daquele ano, o GLOBO noticiava: “Consumidor não é beneficiado com maior produção de petróleo”. Na época, o governo havia decidido fixar o preço do barril a US$ 28, cotação equivalente ao preço médio da importação, para capitalizar a companhia devido a seu “elevado plano de investimentos”. Para se ter uma ideia da dimensão que a estatal ganhou na época, em janeiro de 1985 o orçamento da Petrobras era quase igual ao da própria União, de 85,6 trilhões de cruzeiros. (R.O. e B.R.)

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