Onde Veio a Capoeira da Africa ou do Brasil?

 

 

A capoeira não se sabe a sua origem correta, pois no arquivos Hitórios de Rui Barbosa foram queimados muito livros e documentos hitóricos a respeito das manifestções culturais do negro.

   

Resumo

A capoeira é uma das manifestações mais antigas praticadas no Brasil. Existem diversas teorias sobre sua história, há divergências se sua origem seria africana ou brasileira e, sobre as tentativas de esportivização que ocorreram ao longo de sua trajetória, onde alguns mestres, não foram a favor. Desta forma, o problema que orienta esta pesquisa é: como e quando surgiu a capoeira no Brasil? Trazemos como objetivos a necessidade de identificar os principais fatores e personagens que contribuíram para o surgimento da modalidade em nosso país. Para tanto fizemos uma análise bibliográfica onde foram analisados: livros, revistas, documentos e periódicos, entre outros. A importância dessa análise se dá pelo fato da capoeira ser um dos esportes mais praticados no Brasil e nas escolas cada vez mais professores se utilizam dela como conteúdo. Não podemos trabalhar com esta modalidade e descontextualizá-la de sua história. Sendo assim, a maior parte dos textos pesquisados indicaram que a capoeira se originou no Brasil e foi iniciada por negros africanos, assim como identificamos as primeiras manifestações na cidade do Rio de Janeiro. Como principais divulgadores encontramos: Sinhozinho, Bimba e Pastinha.

 

Abstract

Capoeira is one of the oldest manifestations practiced in Brazil. There are several theories about its history, there would be differences if its origin is African or Brazilian, and about attempts to sportivization that occurred along its trajectory, where some teachers were not in favor. Thus, the problem that guides this research is: How and when capoeira came to Brazil? We bring the following objectives the necessity to identify the main factors and personalities that contributed to the emergence of the sport in our country. To do so, we did a literature review which analyzed: books, magazines, documents and periodicals, among others. The importance of this analysis is partly because capoeira is one of the most popular sports in Brazil and in schools more and more teachers are using it as content. We cannot work with this mode and decontextualized it from its history. Therefore, most of the texts surveyed indicated that Capoeira was originated in Brazil and was started by black Africans, as well as identify the first signs in the city of Rio de Janeiro. As major publishers find: Sinhozinho, Bimba and Pastinha.

 

 
 

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Introdução

A capoeira é uma das manifestações mais antigas praticadas no Brasil. Até o momento, não há consenso na literatura sobre sua origem. Algumas versões mais aceitas, e até mesmo difundidas por mestres, como PASTINHA1 de acordo com E SOUZA (2005), e pesquisadores como CID TEIXEIRA (informação verbal)2, apontam que a capoeira teria se originado através da ânsia de liberdade dos negros, que por não possuírem armas criaram um recurso, mediante golpes e agilidade, para se defenderem de toda a opressão imposta pelos feitores, senhores de engenho e governantes.

Já para MARINHO (1956), a capoeira, antes de chegar ao Brasil, era praticada em Angola e REGO (1968), e teria sido uma invenção dos africanos em solo brasileiro.

Dessa forma, para tentar elucidar tal situação, o problema que orienta esta pesquisa é: Como e Quando Surgiu a Capoeira no Brasil? E, com o objetivo geral pretende: identificar quais foram os principais fatores que contribuíram para o surgimento da capoeira em nosso país. Nossa investigação pretende ainda identificar quando e onde surgiu a prática da capoeira no Brasil e apontar quais foram os principais personagens e fatores responsáveis pelo seu surgimento.

Essa investigação se dará através de uma análise bibliográfica, onde serão analisados livros, revistas, documentos e periódicos, em geral, assim como, quaisquer documentos que possam contribuir com os nossos objetivos.

Existe uma grande carência de produções bibliográficas sobre a história da capoeira. Mesmo com o número crescente de praticantes que surgem a cada dia, há poucas pesquisas sobre o tema. Segundo GOULART (informação verbal)3, no Brasil, são mais de seis milhões de praticantes e, de acordo com CUNHA (2007), apesar de não ser um esporte olímpico, é hoje a segunda modalidade mais praticada em nosso país, ficando apenas atrás do futebol. Nas escolas cada vez mais professores se utilizam dessa modalidade como um conteúdo. Segundo SOARES ET. AL. (1992), cabe a Educação Física, resgatar a capoeira como manifestação cultural e trabalhar a sua historicidade, o que significa não a separar do movimento cultural e político que a gerou.

Dessa forma, podemos dizer que uma pesquisa histórica nos permite perceber que o presente não é apenas a soma dos passados. Conforme afirma MARX4 (apud MELO, 1999 pág. 24) ‘os homens fazem sua própria história, mas não fazem como querem, não a fazem sob a circunstância de sua escolha e sim sob aquelas que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado’. Sendo assim, essa investigação se justifica na medida em que pretendemos contribuir com produção de conhecimento que pode servir não só para os praticantes, como também para a comunidade acadêmica que tenha interesse pelo assunto.

Acreditamos ainda que esta investigação possa contribuir com novos olhares sobre o ensino da capoeira nas escolas e demais localidades.

A origem da capoeira

A origem da capoeira vem sendo descrita de diversas formas. Em cada grupo, espalhado pelos diferentes cantos do Brasil é possível encontrar relatos divergentes, mesmo quando analisamos alguns textos como artigos, livros, revistas, entre outros, as discordâncias encontradas nos relatos dos praticantes também atingem as produções bibliográficas. Neste capítulo vamos demonstrar relatos de diversos autores sobre a origem da modalidade. Para TUBINO (2007 p. 208) “[…] A capoeira teria se iniciado como um jogo guerreiro, e já teria naquela ocasião fintas, pulos, negaças e cabeçadas. Ela teria sido criada e praticada pelos escravos africanos no Brasil”.

Segundo AREIAS5 (apud FREITAS 2007, p. 27), “[…] a Capoeira nasce da necessidade do escravo, trazido da África para o Brasil”. O autor destaca que, por não possuir armas suficientes, o negro utilizou o próprio corpo como um meio de defesa. Já para SOARES (informação verbal)6 “a capoeira é a herança dos africanos que se proliferou em nosso país”.

De acordo com BREGOLATO (2008), suas raízes são africanas, mas nasceu no Brasil, na miscigenação das raças. Ainda BREGOLATO (2008), defende que ela fosse então Afro-Brasileira, ou seja, uma mestiçagem, mas que surgiu em nosso país.

Os estudos de BREGOLATO (2008) e CRUZ (2010), entre outros, sustentam a idéia de que a capoeiragem teria realmente surgido em solo brasileiro e teria sido criada pelos negros que foram escravizados. De acordo com FERREIRA (2007):

Tudo leva a crer que ela não era uma prática originaria da África, mas que foi criada pelos escravos africanos no Brasil, possivelmente uma recriação de diversos rituais e danças guerreiras. Estes rituais e as danças foram aos poucos se amoldando ás necessidades e ao novo tipo de socialização que os africanos foram submetidos no cativeiro. (FERREIRA, 2007 p. 23).

Porém MARINHO (1956) sustenta a idéia de que a Capoeira, antes de chegar ao Brasil, já era praticada em Angola, como uma dança religiosa. Mestre Noronha7, que é conhecido no mundo da capoeira e praticante de uma das maiores escolas capoeiristicas do país, sustenta a idéia de que “a capoeira veio da África, porém não era educada” (MILANI, 2011).

Corroborando com MARINHO (1956), DACOSTA (sem data) afirma que:

A forma primitiva da capoeira chegou ao Brasil com os negros bantu, originários da África Ocidental. Essa fase inicial deve ter sido uma espécie de dança ritual, pois, ainda hoje, na Bahia, se observam ligações da capoeiragem com crenças, cerimoniais e cânticos fetichistas. (DACOSTA, sem data p. 13).

Concordando MARINHO e DACOSTA, as enciclopédias BARSA (…, pag. 79) e DELTA UNIVERSAL (…, pág. 1730), nos descrevem “que a origem capoeirana é da África, e chegou ao Brasil trazida pelos negros bantus da região de Angola no século XVI”. CIVITA (sem data pag. 736), também diz que: “é da África, mas lá não era igual à luta que é praticada aqui até hoje, essa luta estava associada a uma cerimônia mágico-religiosa com denominações regionais: n’ golo em Benguela (sul de Angola)”, onde DECÂNIO FILHO (1996) traz a idéia dessa manifestação também ser conhecida como dança das zebras, que acontece quando as moças têm a menarca passando a ser mulheres e, nesse período, há uma festa onde ocorre a dança em que o rapaz vencedor da mesma tem o direito de escolher a esposa entre as novas iniciadas, considerada tradição da luta com os pés, e a Bassúla em Luanda capital ao norte de Angola onde, de acordo com ALLEONI (2010 pag. 28), “essa luta era praticada na areia pelos antigos pescadores daquela região, com golpes desequilibrantes, entre outras como a Kambangula e o Omundiú”.

Reforçando essa descrição, de acordo com E SOUZA (2005 Pag. 131), “[…] Pastinha contou ter aprendido a luta com um escravo vindo de Angola, chamado Benedito, que lhe ensinou a capoeira, que vinha da dança africana chamada n’golo”. Nessa dança, os combatentes se enfrentam no centro da roda, ao som de tambores e palmas, dando golpes de pés e cabeça e tendo apoio das mãos. Isso nos leva a crer que realmente a capoeira teria vindo da África, mais especificamente da região de Angola, sendo derivada do n’golo e conduzida pelos escravos bantus.

Contudo:

Dizer que a Capoeira é africana porque os africanos já dançavam o N’Golo (ou Kisema) ou que já lutavam a Bassúla ou a Kambangula é reduzir a Capoeira a uma forma limitada de expressão corporal, seja à dança ou à luta. Esquece-se, portanto que a união destas e de outras expressões corporais mais a musicalidade e mais o toque de instrumentos musicais é que completam a arte da Capoeira. O N’Golo é um ritual onde se procura atingir o rosto do oponente com os pés. A Bassúla é uma luta praticada na areia pelos antigos pescadores de Luanda, com golpes desequilibrantes. A Kambangula é disputada dentro de rodas, com pessoas batendo palmas e cantando, porém sem nenhum acompanhamento de instrumento musical. O Omundiú é um jogo atlético disputado com as pernas. Existem também as diversas outras danças acrobáticas, com saltos e movimentos parecidos aos incorporados pelos capoeiristas. (ALLEONI, 2010 pag.27).

Seguindo a idéia de ALLEONI, a capoeira pode não ter se originado apenas de uma só dança ou luta africana, pelo fato de que, se observarmos uma dessas manifestações isoladamente, veremos que a capoeiragem possui mais elementos do que só o n’golo ou outra manifestação que por si só lembre a capoeira. Ela pode ter nascido de um acontecimento que se deu através das miscigenações dos negros de diferentes localidades por meio de uma estratégia que, de acordo com RIBEIRO (1995 pag. 115) “[…] era a política de evitar a concentração de escravos oriundos de etnias iguais, nas mesmas propriedades e, até mesmo, nos navios negreiros, impedindo a formação de núcleos solidários”.

Os europeus não queriam aglutinações de escravos da mesma localidade, ficando assim mais difícil as articulações de fugas ou manifestações de suas culturas. Essa miscigenação de etnias pode ter sido o motivo de a capoeira conter elementos de manifestações africanas e não ser oriunda de nenhuma delas.

De acordo com ALLEONI (2010 pag. 27), se unirmos componentes do n’golo, bassúla, kambangula, entre outras manifestações africanas, é possível ficar bem próximo da arte hoje conhecida como capoeira. Porém não sendo a capoeiragem que se jogou e que se joga em solo brasileiro. CONDE (2007 pag. 27) diz que por não haver documentos anteriores ao final do século XVII e inicio do século XVIII, não se pode carimbar sua origem. Assim hipoteticamente, a capoeira teria nascido no Brasil, mais especificamente, nas senzalas, dando recurso ao escravo para fugir e ganhar liberdade e construir os quilombos. O próprio CONDE (2007) acrescenta dizendo que: “[…] essa origem da capoeira apresenta-se sem nenhuma referência a uma história documentada, nem proveniente dos ensinamentos dos antigos mestres, talvez para legitimar certas posições ideológicas”. (CONDE 2007 p. 26).

Concordando com CONDE (2007), FERREIRA (2007) diz que:

A capoeira é uma prática que remonta ao Brasil colonial, associada aos escravos africanos e, portanto, ao modelo escravocrata. Tudo leva a crer que ela não era uma prática originaria da África, mas que foi criada pelos escravos africanos no Brasil, possivelmente uma recriação de diversos rituais e danças guerreiras. Estes rituais e as danças foram aos poucos se amoldando às necessidades e ao novo tipo de socialização que os africanos foram submetidos no cativeiro. (FERREIRA, 2007 p. 23).

Um dos primeiros registros documentais dá conta de que a capoeira surgiu em 1712.“Há relatos do termo capoeira citado por Bluteau na literatura Vocabulário Português e Latino, sendo publicado em Coimbra-Portugal, vindo posteriormente algumas outras definições para o termo capoeira” (FREITAS 2007 p.27), como em Tupi, caa significa mato e puêra significa o que não existe mais, de maneira que, se fizermos uma junção, ficaria mato que já não existe mais. REGO (1968) aponta o Tupi da Geografia Nacional trazendo Kapuera como roça abandonada. Uma definição na qual existe bastante relevância na associação do termo com a prática da capoeiragem é a de LOS RIOS FILHO8 (Apud FERREIRA, 2007 pag. 26) que apresenta Capoeiros como um termo aplicado aos escravos que carregavam o Ca-Pu, e Ca-Pu seria o cesto onde os negros carregavam os produtos colhidos na mata.

Somente AURÉLIO9 apresenta uma definição para o termo direcionado à prática da capoeiragem, pois as demais definições, apesar de distintas, correlacionam a palavra a algo da mata.

A capoeira no Rio de Janeiro

Os relatos até então são apenas relacionados à definição e origem da palavra capoeira, sem nenhuma menção aos movimentos capoeirísticos. A parte documental que se refere ao movimento corporal, também conhecida por capoeiragem, segundo CONDE (2007), se deu no inicio do século XIII desenvolvendo-se no perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro. FERREIRA (2007 pag. 23) diz que “talvez fosse porque em 1799 esse estado possuía 43 mil habitantes e 1/3 era composto por escravos que transitavam na região do porto, fazendo a descarga das mercadorias que chegavam à cidade pelo mar”. E reforçando essa idéia, LOS RIOS10 (Apud FERREIRA, 2007 pag. 26) relata que “a capoeiragem pode ter começado com um “jogo de pernas” na praia da Piaçava”, e, segundo DECOURT (2007), talvez fosse o lugar que hoje recebe o nome de Lagoa Rodrigo de Freitas, localidade para onde direcionavam os barcos para desembarcar seus produtos, que eram carregados para o depósito pelos capoeiros, como eram chamados os negros carregadores dos cestos.

Acompanhando FERREIRA (2007), a capoeira surge então na região portuária, sendo apresentada por escravos, sem relação de nomes dos praticantes, dando origem à comunidade de negros e cativos e tendo se proliferado, segundo SOARES11 (apud FERREIRA, 2007 pag. 28), “pelas respostas às agressões e demandas da sociedade urbana e hostil, que resultou em ramificações de escravos pela cidade, dando origem as maltas”, que FERREIRA (2007 pag. 28) descreve como “grupos de indivíduos formados por jovens e adultos armados de porretes, facas ou navalhas, que se utilizavam de ágeis movimentos corporais para lutar com oponentes de outras maltas ou com a polícia”.

Segundo CAPOEIRA12 (apud FREITAS pag. 33), […] estas manifestações davam autoconfiança aos praticantes, formando lutadores ágeis e perigosos, além de solidificar a união dentro do grupo, fato que era um empecilho para os interesses da corte e levou à proibição da capoeira no ano de 1808. De acordo com FREITAS (2007: p. 33), “com a chegada da família real ao Brasil, D. João VI, influenciado pelos nobres e intelectuais, acreditava que era fundamental perseguir a capoeira e toda cultura local”. O autor ainda acrescenta que, em função da perseguição, “no ano de 1809, foi criada a Guarda Real da Polícia e sob o comando do Major Miguel Nunes Vidigal, que passou a amedrontar todos aqueles que eram adeptos da capoeira ou de rodas de samba e candomblés”. (FREITAS 2007: p. 33).

A perseguição às maltas, que eram formadas por capoeiristas no Rio, perdurou durante décadas e, segundo HOLLOWAY13 (apud FREITA, 2007 pag. 33), no ano de 1850, começaram a ocorrer sucessivas prisões de capoeiras, os quais aterrorizavam a cidade do Rio de Janeiro, promovendo a violência e a desordem servindo aos mais diversos propósitos. A Guarda Real, ou Guarda Nacional, forma como também era conhecida, foi responsável por essas prisões que, de acordo com FERREIRA (2007 pag. 35), “era de sua responsabilidade toda repressão e revolta interna”. Fato que muda no final de 1864 com a eclosão da Guerra do Paraguai, pois o país se alia a argentinos e uruguaios armando-se e criando um exército regular para os combates. De acordo com FERREIRA (2007 pag. 35), “[…] implantaram um recrutamento de civis para a formação de voluntários da Pátria; no Rio de Janeiro a guerra foi o pretexto para forçar o alistamento de homens livres, alforriados e escravos, brancos, mestiços e negros”.

Para FERREIRA (2007), esses homens foram um diferencial nos combates:

Durante a Guerra do Paraguai, por ocasião do assalto final e a tomada da ponte de Itororó, os soldados cariocas constituintes do legendário 31º Corpo de Voluntários da Pátria (Policia Militar da Corte) que seguiam na vanguarda, sob o comando do Coronel Assunção, dessa milícia, seguidos pelos zuavos baianos sob o comando Dr. Marcolino de Moura Albuquerque, vendo esgotada a munição em pleno combate corpo a corpo, ao ultrapassarem a fatídica ponte, retiraram os sabres-baionetas e jogaram fora as inúteis espingardas, lançando se com ímpeto irresistível contra as trincheiras inimigas, e atacando a seus defensores a arma branca e golpes de capoeiragem. Agenor Lopes de Oliveira SOARES14 (apud FERREIRA, 2007 pag. 36).

FERREIRA (2007), diz que o pelotão mais forte da guerra, pelotão Maíta, formado em maioria por capoeiras, foi o protagonista de onde retornaram dezenas de escravos com vida e alforriados para suas respectivas cidades.

Dessa forma, o Rio de Janeiro recebeu os homens livres, alforriados, escravos, brancos, mestiços e negros de volta, mas por não saber como seria o comportamento deles, decidiu-se criar a Guarda Negra que surge segundo FERREIRA (2007 p.41), no ano de 1884, formada por capoeiristas, que eram uma ramificação política, criada à sombra do novo chefe de polícia da corte, João Alfredo Correia de Oliveira, ficando conhecida como o gabinete do13 de maio.

Essa promoção para fazer parte da guarda negra não foi benéfica para os capoeiristas. Pelo fato de algumas ordens políticas acabarem em agressões físicas praticadas pelos mesmos contra civis. Por conta disso, a capoeiragem, ou vadiagem como também era chamada, entrou no rol dos crimes previstos em lei no ano de 1890, descrito na obra de MARINHO (1981) da seguinte forma:

Dos vadios e capoeiras

Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem: andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, incutindo temor ou algum mal:

Pena: De prisão celular de dois a seis meses.

Parágrafo único – É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira algum bando ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a pena em dobro.

Art. 403 – No caso de reincidência será aplicado ao capoeira, no grau máximo a pena do art. 400. [Pena de um a três anos em colônias penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo para esse fim ser aproveitado os presídios militares existentes.

Parágrafo único – Se for estrangeiro será deportado depois de cumprir a pena.

Art. 404 – Se nesses exercícios de capoeiragem perpetrar homicídios, praticar lesão corporal, ultrajar o pudor público e particular, e perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança publica ou for encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas caminhadas para tais crimes. ESCOREL15 1893 (apud MARINHO, 1981: p. 28).

Mas, mesmo sendo crime previsto em lei, ainda havia relatos da capoeiragem no Rio de Janeiro e, dentre esses relatos, de acordo com FERREIRA (2007 pag. 62) no ano de 1907, foi publicado o Guia do Capoeira ou Gynastica Brasileira, que vinha dividido em cinco partes que descreviam, respectivamente, os seguintes assuntos: Posições, Negaças, Pancadas Simples, Defesas Relativas e Pancadas Afiançadas. O autor não se identificou, colocou somente “ofereço, dedico e consagro à distinta mocidade (O.D.C.)”.

“Se tratava de um oficial do exército que julgou prudente não revelar o nome pelos preconceitos existentes contra a capoeiragem”. (APOSTILA DA FEDERAÇÃO…, 2002). Possivelmente seria o primeiro método de ensinar a capoeira publicada.

Outro relato importante, que fortalece a presença da capoeiragem carioca, surgiu, de acordo com FERREIRA (2007), em 1º de maio de 1909 e diz que:

O capoeira Ciríaco Francisco da Silva, apelidado Macaco Velho, enfrentou em luta livre, organizada pelos estudantes da Escola de Medicina no Pavilhão Internacional Paschoal Segreto, o professor de jiu-jitsu Sada Miako. Segundo relatos da época, o capoeira franzino nocauteia em poucos segundos o campeão japonês. Essa luta é considerada, até nossos dias, um marco para legitimação da capoeira, pois foi a primeira manifestação positiva que um capoeirista teve, na época, defendendo as cores nacionais. (FERREIRA, 2007 pag. 63)

Esses tipos de eventos passaram a ser comuns por acontecer em recintos fechados, dificultando assim a entrada da polícia, pois ainda estava em vigor a proibição à prática capoeirana.

O impacto do guia de O.D.C. e da luta de Ciríaco, de acordo com SOARES e ABREU (2009 pag. 253) “gerou em 1928 um documento mais detalhado que descrevia a capoeira como ginástica nacional metodizada e regrada de autor denominado Aníbal Burlamaqui, um oficial da Marinha conhecido como Zuma”.

O método de Zuma, relata SOARES e ABREU (2009), além de criar, facilitar propostas de aula, modificar os ataques e incluir as nomenclaturas já usadas na época, ainda incorporou como prosseguir na luta, determinou uma área específica, uma forma de pontuar e vestimentas. Itens que poderiam ser primordiais para fazer da capoeira um esporte.

Segundo SOARES e ABREU (2009), Burlamaqui entendia que a única forma da capoeira sobreviver era através da esportivização. O que de fato ele, pessoa provida de conhecimento, assíduo na prática da capoeira, e parte dos segmentos que representavam a elite carioca tentavam fazer que acontecesse desde a publicação do seu livro, em 1928, através de um esforço para criar um sistema que fizesse a capoeira ser vista como modalidade esportiva brasileira sendo também inserida na sociedade de classe mais alta do Rio de Janeiro.

O ideal de Aníbal Burlamaqui se enquadrou ao perfil de um homem da capoeiragem carioca conhecido como Sinhozinho e de codinome

Agenor Moreira Sampaio16, nascido em Santos, São Paulo, foi para o Rio em 1908, com 16 anos, um ano antes da luta de Ciriaco, que assistiu pessoalmente. A partir daí, passou a praticar a capoeira no17 morro Santo Antonio, antigo reduto dos “bambas” da antiga capoeiragem. Em 1930, fundou sua academia, onde ensinava capoeira. (SOARES e ABREU, 2009 pag. 255).

De acordo SOARES e ABREU (2009), o fato de a capoeira de Sinhozinho ser a primeira praticada em academia no Brasil, estando na integra direcionada à luta, onde alguns de seus alunos como “Rudolf Hermany que desafiou o lutador de jiu-jitsu Guanair Gial”, em situação de combate formal e, se despontaram desafiando lutadores de outras modalidades LOPES18 (apud SOARES e ABREU, 2009 pag. 257) poderia ser o eixo norteador para a esportivização da capoeira.

Para SOARES e ABREU (2009 pag. 255), “em nenhum momento a capoeira ficou mais próxima de um esporte do que na escola de Sinhozinho”, que conseguira mudar a visão que se tinha da capoeira ligada à marginalidade. Dando um perfil de competição e atraindo cada vez mais adeptos.

Vemos assim que, na década de 1930, a capoeira já estava, na prática, liberada para ser praticada em recintos fechados, treinada em associações, clubes e ginásios desportivos, atendendo assim ao modelo esportivo. (SOARES e ABREU, 2009 pag. 257)

Essas mobilizações de combates, cuja iniciativa era de Sinhozinho, passaram a aparecer também na Bahia, promovida por Bimba19, grande nome da capoeira baiana. SOARES e ABREU (2009), relatam que em uma dessas lutas no Parque Odeon, em Salvador, houve a participação de André Jansen, aluno de Sinhozinho, que lutou com Ricardo Nibbon do jiu-jitsu. Mas mesmo com esses eventos realizados por Bimba, a idéia de fazer da capoeira esporte competição restringia-se ao Rio de Janeiro.

Os eventos relatados atraiam público, fato que despertou o olhar político para o meio, levando a liberação da capoeira no ano de 1932 que, segundo CARVALHO20 (apud FREITAS, 2007 pag. 37), se deu pelo fato de Getúlio Vargas, então presidente, necessitar de reforço da comunidade e ter como propósito a integração do país. O que o fez liberar algumas manifestações populares, entre elas a capoeira. E pelas circunstâncias em que os grandes centros se encontravam, em se tratando de violência, a liberação da prática da capoeiragem restringiu-se aos ambientes fechados das academias.

[…] Em 1933 a capoeira ficou subordinada à Confederação Brasileira de Pugilismo. No Artigo três do estatuto da Confederação, constava que: Entende-se por pugilismo todos os desportos praticados em ringue, tais como boxe, jiu-jitsu, catch-as-catch-can. Lutas: livre, romana e brasileira (capoeira). (SOARES e ABREU, 2009 pag. 257).

Dessa forma, a teoria de Zuma, apresentada na prática por Sinhozinho, visando transformar a capoeiragem em modalidade esportiva, ficou mais próxima de se concretizar. Porém Bimba alegou, segundo SOARES e ABREU (2009), que fazer da capoeira esporte competição não era sua intenção, e que apesar de toda manifestação promovida por ele no Parque Odeon, seu objetivo era a comprovação da eficácia e superioridade da capoeira Regional em relação à capoeira Angola.

“Bimba, claramente, depois de um primeiro momento, desvencilha se da transformação da capoeira em esporte, apostando sua vertente como cultura, e expressão da cultura regional da Bahia, do Recôncavo Baiano”. (SOARES e ABREU, 2009 pag. 259).

Os autores citados acima ainda complementam levantando a questão do modelo de capoeiragem baiana, que não era igual ao de capoeira esportiva tão divulgada e praticada no Rio de Janeiro, respaldado na idéia de defesa pessoal e esporte de contato, e que não continha os berimbaus acompanhando a roda, elemento que ficou característico da capoeira baiana.

Apesar da diferença da capoeira que se manifestava na Bahia, SOARES e ABREU (2009) trazem a idéia de que os estímulos e moldes dos combates foram copiados do Rio de Janeiro. Acrescentando que Mestre Bimba claramente relatou que Zuma o referenciava. Entretanto isso não significa que ele tenha criado a Regional a partir do livro de Burlamaqui. A referência em Zuma era apenas motivação pelo alto índice de aceitação que tiveram as disputas de Sinhozinho no Rio de Janeiro.

Havia diferença básica entre o projeto de Bimba e o de Zuma. Na capoeira de Bimba, o esporte era parte de um todo, subordinado a cultura e mesmo a religiosidade afro-brasileira, parte integrante da regional de Bimba nos anos vindouros. Em Zuma, o esporte era o centro de tudo, o objetivo maior, a razão de ser da capoeira. (SOARES e ABREU, 2009 Pag. 262).

A movimentação de Bimba não só destoava do ideal de Zuma, mas também preocupava os praticantes da capoeira Angola, como mestre Pastinha, como aponta FERREIRA (2007) ao afirmar que Bimba praticara durante praticamente 17 anos e que a regional, criada por ele, possuía elementos oriundos da capoeira jogada pelos angoleiros. Isso pode ter sido o fato desencadeador da criação da Escola de Capoeira Angola de mestre Pastinha. Para SOARES e ABREU (2009), isso ocorreu para ratificar a descaracterização a que a capoeira Angola estava se submetendo, e que “este movimento foi o embrião do Centro Esportivo de Capoeira Angola, registrado em 1952, remanescente do Centro de Capoeira Angola Conceição da Praia, fundado em 1922”. MESTRE BOLA SETE21 (apud SOARES e ABREU, 2009 pag. 263).

A movimentação dos adeptos da capoeira Angola, em função da preservação de suas características, teve inicio

em uma manhã de março de 1941, uma tarde de domingo, onde um capoeirista chamado Aberre visitava seu velho mestre Vicente Ferreira. Ele convida o mestre para visitar o bairro da Liberdade, num lugar chamado ladeira das pedras, popularmente chamado “Gengibirra”. Vicente foi e jogou com a nata da capoeira Angola do lugar: Amorzinho, Maré, Tiburcinho, Livino Diogo, Noronha, Bilusca… Ao final da “vadiação” eles se reuniram, e Amorsinho, em nome de todos, pediu que o mestre Vicente Ferreira Pastinha, ou Mestre Pastinha, se tornasse o guardião da capoeira Angola: nascia uma nova capoeira Angola. MESTRE BOLA SETE22 (apud SOARES e ABREU, 2009 pag. 263).

Dessa forma, surgia um novo modelo de procedimento da capoeira, além do de Zuma, capoeira Esporte, e o de Bimba, capoeira Regional cultura, agora via-se o da capoeira Angola, cujo patrono era Mestre Pastinha, que acreditava na capoeira como cultura, mas sem modificações, como as que Manoel dos Reis Machado havia feito quando criou um novo estilo de capoeira, a Regional.

Bimba e Pastinha, mesmo cada um com um método, acreditavam na capoeira como cultura e isso acontecia na Bahia, pois o Rio de Janeiro fazia todo movimento para que a capoeira se esportivizasse. Como prova disso temos relatos sobre uma

[…] proposta de regulamentação que foi jogada na imprensa. E este movimento gerou o I Simpósio Brasileiro de capoeira, no final de 1969, na base aérea do Galeão, Rio de Janeiro, quando os grandes mestres são convocados para “subsidiar” a formulação de regras desportivas para a capoeira, de forma que fosse padronizada em âmbito nacional. Entretanto, estava fadado ao fracasso. Mestre Pastinha não vem, mas Mestre Bimba sim. Ao perceber que os militares na base militar da Aeronáutica no Galeão estavam decididos a enquadrar a capoeira com regras desportivas, Bimba volta subitamente, em meio aos “debates”, levando seu grupo e condenando o evento ao fim. (SOARES e ABREU, 2009 pag. 261).

Assim, SOARES e ABREU (2009) trazem a idéia de que a esportivização da capoeira não foi capaz de andar na mesma velocidade da evolução de outras modalidades, em nosso país, como o futebol. Tanto que continuou subordinada a Confederação de Pugilismo e em todo momento como modalidade de pequena promoção. O ideal de Zuma, desenvolvido por Sinhozinho, de esportivização, não influenciou a capoeiragem que o sucedeu. Sinhozinho morreu em 1962 e, a partir dessa data, nenhum capoeirista do Rio apresentou manifestos que levassem à frente, na prática, os seus ideais.

Porém, na teoria, houve outras tentativas de esportivizar a capoeira que não tiveram êxito, como a de Inezil Penna Marinho23, de regulamentar a capoeira como modalidade brasileira de ginástica, e o debate da capoeira como esporte, que, segundo SOARES e ABREU (2009), nos anos de 1980, com a queda do regime militar e volta da democracia, voltou o assunto, só que

[…] agora com total descrédito entre os mais renomados mestres e alunos. A todos parecia que a esportivização era um prejuízo para o caráter cultural e lúdico da capoeira, ainda mais amarrado pelo centenário da Abolição da Escravidão com a discussão sobre o caráter racista da sociedade brasileira, e a onda de resgatar as raízes negras do passado nacional. (SOARES e ABREU, 2009 Pag. 267).

Assim, a capoeira, no processo de resgate do passado da cultura nacional, segue o caminho de modalidade cultural, aprovada como proposta de registro de patrimônio da cultura do Brasil no dia 16 de Julho de 2008, na cidade de Salvador. Esse fato levou a uma grande comemoração por parte dos capoeiristas que, como não poderia deixar de ser, fizeram rodas de capoeira em frente ao Palácio Rio Branco.

Depois de cerca de 300 anos de história no Brasil, a capoeira foi reconhecida como patrimônio cultural brasileiro. A proposta do registro foi aprovada ontem, em reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em Salvador. A sessão ocorreu no Palácio Rio Branco, com a presença do governador Jaques Wagner, do ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, e do presidente da Fundação Palmares, Zulu Araújo, além de capoeiristas, que fizeram uma grande roda do lado de fora. À noite, no Teatro Castro Alves, foi realizado um show para homenagear a capoeiragem, com a participação de Roberto Mendes, Mariene de Castro, Wilson Café, Ramiro Musotto, além do percussionista pernambucano Naná Vasconcelos e do mestre capoeirista Lourimbau. Também no Castro Alves foi aberta a exposição “Na roda da capoeira”. (MIDLEJ, ROBERTO 2008).

Acompanhando o relato de MIDLEJ, os capoeiristas celebraram uma conquista, que há muito vinha sendo idealizada por mestre Bimba e Mestre Pastinha, que era a de que a capoeira permanecesse como cultura e não como esporte competição. Dessa forma não sairá do domínio popular, o que significa que para desenvolvê-la não é obrigatório formação superior, mas, apenas tempo na prática da capoeira que dê aos capoeiristas conhecimento sobre sua essência, seus elementos e a aplicação dos mesmos, fazendo-a permanecer viva e apresentando-a a gerações futuras.

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