O direito à educação

 

Resumo: O texto constitucional assegura que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser garantida uma educação digna, gratuita, pública e de qualidade, sendo este considerado como um direito fundamental assegurado a todos os cidadãos. A qualidade do ensino deve ser guiada por princípios, preceitos e objetivos estabelecidos constitucionalmente. O acesso ao ensino é direito público subjetivo e o seu não oferecimento pelo Poder Público, ou sua oferta insuficiente e irregular, poderá importar responsabilidade da autoridade competente. Por último, enfatiza-se que a efetivação desse preceito constitucional perante sociedade é essencial para o desenvolvimento da nação e para a justiça social.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho refere-se a um estudo acerca do Direito à Educação e suas perspectivas de efetividade, tendo em vista ser este um direito constitucionalmente resguardado a todos e que se mostra como essencial para a concretização dos demais direitos fundamentais do homem.

A relevância da educação em nossa sociedade é indiscutível. A instrução se constitui em instrumento essencial e determinante para a capacitação ao trabalho e para a formação da consciência cidadã nas comunidades humanas. O atual estágio do capitalismo, pautado na revolução científico-tecnológica e na globalização, denota relevo ainda maior à educação.

Por meio dela, pode ser alcançada a própria evolução do Estado, pois apenas com o desenvolvimento da capacidade crítica de todos os brasileiros e sua qualificação para o trabalho se torna possível a evolução de um Estado de Direito. Parece assim, cada vez mais evidente que a solução para a violência, a alienação, o incipiente desenvolvimento econômico ou para as desigualdades sociais é a educação.

Vislumbrando o pleno exercício da cidadania, a Constituição Federal prevê, como seu instrumento fundamental, a universalização da educação básica. De fato, a instituição educativa, a serviço do bem estar social, complementa, ao lado da família, o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos adolescentes e contribui decisivamente para a melhoria de vida de cada cidadão.

Busca- se ainda com o presente estudo analisar o enquadramento do direito à educação sob a epígrafe dos direitos fundamentais e como parcela indissociável do denominado mínimo existencial, demonstrando a essencialidade dos direitos sociais, dentre os quais se inclui a educação.

A metodologia a ser adotada consistirá no uso das mais variadas fontes de pesquisa, jurisprudência, doutrina, legislação e subsídios informatizados. Assim, desenvolver-se-á uma análise do tema no sentido de apreciar o tratamento cedido pelos tribunais e doutrinadores à matéria.

1. EDUCAÇÃO – NOÇÕES GERAIS

1.1 CONCEITO

Educação, uma palavra pequena, singela e ao mesmo tempo com dimensões imensuráveis, devido a sua amplitude que se concretiza na própria existência humana, advém daí a enorme dificuldade em conceituá-la.

A existência de diferentes acepções de educação que se perpetua ao longo da história; ocasionando diferentes formas conhecer do termo, tais como vulgar, teológico, filosófico, seja pelas ciências, como a pedagogia, a filosofia, sociologia, a política, o direito e muitas outras.

Mas é inegável que um conceito prévio se faz necessário, contudo não existe um conceito único de educação, tal como do direito. Tomando por base estes dois paradigmas e a própria Constituição, podemos afirmar que educação é um direito social indispensável, constituindo o instrumento pelo qual o cidadão atinge a sua formação plena, e o exercício de sua liberdade.

O renomado ministro administrativista Celso de Melo (MELLO, 1986. p. 533) ao conceituar educação deixa transparecer o seu valor para a formação do cidadão e de toda a sociedade:

“É mais abrangente que o da mera instrução. A educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando para o trabalho; (b) prepará-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à educação é uma das formas de realização concreta do ideal democrático”.

O mesmo autor afirma que na educação se encontra o poder de transformar toda a realidade de uma pessoa, de um Estado, de um País, pois constitui fonte de libertação, capaz de gerar segurança, reconhecimento, valoração do trabalho humano, respeito aos princípios basilares da vida em sociedade, tais como, liberdade, igualdade, solidariedade, enfim sem educação não há saúde, segurança, não há democracia, não há futuro.

A educação detém a capacidade de ao mesmo tempo proporcionar meios para o desenvolvimento pessoal do indivíduo e consequentemente da sociedade na qual ele se encontra inserido.

A Constituição Federal no Capítulo III, artigo 205, estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, ingressando no ordenamento jurídico pela norma de hierarquia superior, motivo pelo qual a sua aplicação encontra sujeita ao controle do direito.

“Art.205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Neste contexto é possível afirmar que a educação é uma sequência de atos praticados dentro de um processo, que constitui o meio para se alcançar as finalidades, prescritas na Lei Maior, que é o pleno desenvolvimento da pessoa, cidadania, qualificação para o trabalho.

A educação é um processo contínuo, que inicia com o nascimento com vida, quando passamos a ser sujeito de direito, cabendo à família e ao Estado o dever de cuidar, de propiciar a realização plena do ser humano, para assim como sujeito de direito e dever se inserir no Estado Democrático de Direito, devidamente qualificado para o mercado de trabalho, concluindo assim a tríplice função estabelecida na Constituição. Sendo que tanto o Estado, como a família ou a sociedade, sempre estará presente no processo educacional, às vezes em menores ou maiores dimensões.

1.2 A EDUCAÇÃO E AORDEM CONSTITUCIONAL NO BRASIL

O marco inicial da educação no Brasil foi inaugurado em 1549 no governo geral de Tomé de Souza com a vinda dos jesuítas. Objetivando tornar o ensino público secularizado, o Marquês de Pombal fechou as escolas jesuítas em 1759, apesar de tantas tentativas de regular a situação, a educação foi negligenciada.

A primeira Constituição do nosso País foi a Constituição Imperial de 1824, outorgada por Dom Pedro, que entre os direitos civis e políticos, estipulou a gratuidade da educação primária para todos os cidadãos, sendo que entre estes os escravos não se encontrava inclusos, sem mencionar o fato que não havia escolas para todos, o que constata e uma total ausência de políticas voltada para a educação, uma vez que está não constituía uma das prioridades do Estado.

A segunda Constituição veio com a República em 1891, adotou o modelo federativo, e buscou estabelecer a competência para legislativa, cabendo a União legislar sobre ensino superior e aos Estados membros, sobre ensino primário e secundário podendo, entretanto a União como os Estados criar e manter instituições de ensino superior.

A Constituição de 1934, apesar de vigorar por três anos, trouxe um capítulo inteiro dedicado a educação; que é definida como direito de todos, dever da família e do Estado. Foi criado o Conselho Nacional de Educação, com a finalidade de elaborar o plano nacional de educação, com a fixação de recursos para a educação e propiciado imunidade de impostos para instituições particulares de ensino, auxílio a alunos carentes, acesso ao magistério por meio de concurso.

O golpe de Estado de Getúlio Vargas originou a nossa quarta Constituição de 1937, que em muito se difere da anterior, pois a educação não é vista sob o mesmo prisma, pois não apresenta preocupação com o ensino público, verifica um processo de exclusão e descriminação na educação.

Com a destituição do poder de Getúlio Vargas em 1946, o Brasil passou por um processo de redemocratização. A constituição promulgada estabelecia a gratuidade do ensino primário, que deveria se realizar na escola e no lar, deixando de estipular a obrigatoriedade do Estado em fornecê-lo. Mas apesar disto a Carta foi de suma importância para o direito educacional brasileiro, pois durante a sua vigência em 1961, se deu a promulgação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

Após o golpe militar de 1964, três anos depois foi promulgada a Constituição de 1967 pelo governo militar, que pela primeira vez trazia nos seus artigos a educação como direito de todos e dever do Estado.

E finalmente em 1988 foi promulgada a Constituição das Constituições, a Constituição cidadã, em que a Seção I, do capítulo III, do título VIII, foi destinada exclusivamente à educação. Devido à relevância do tema a Constituição passou aplicar à educação no decorrer do deu corpo, quando fala no Título III, Da organização do Estado, no capitulo II, da União o qual será objeto de estudo adiante. Fato é que a Constituição declara a educação como direito de todos e ao mesmo tempo responsabilidade da família, da sociedade e, sobretudo do Estado, o qual devera traçar mecanismo objetivando a construção de uma sociedade mais igualitária, solidária e acima de tudo livre de preconceitos.

Ao longo das constituições a educação brasileira foi objeto de estudo de vários autores, que ao término dos seus estudos acabam por apresentar um quadro de abandono e desleixo, o que se evidencia nas estatísticas do governo e organizações internacionais.

Fato é que seja em menores ou maiores proporções, tendo por base o momento vivenciado no País, as Constituições brasileiras, ao longo da História sempre abordaram a educação em seus textos.

1.2.1 Competência Legislativa

A Constituição Federal estabelece no art. 22, XXIV, que as diretrizes e base da educação nacional é matéria privativa da União, cabendo a esta dispor sobre as normas gerais.

Portanto os Estados, o Distrito Federal e os municípios, mesmo diante da omissa da União, que se mantém inerte os entes federados visando suprir a lacuna constitucional, não podem legislar sobre as diretrizes e bases da educação, sob pena de inconstitucionalidade.

Na sequência no art. 24, IX, estabelece competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre educação, ensino e desporto, porém de forma suplementar.

A atuação da União, fixando as normas gerais, não exclui a atuação suplementar dos estados e do Distrito Federal (CF, art. 24. § 1º). Assim, fixadas as normas gerais pela União, caberá aos Estados a ao Distrito Federal complementar a legislação federal, tendo em vista as peculiaridades regionais, por meio da expedição de normas específicas estaduais e distritais. É a chamada competência suplementar[1].

Na ausência de lei federal que venha a disciplinar sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas necessidades (CF, art. 24. § 3º). Os Estados Federados atuam por normas locais em suas peculiaridades e nas lacunas da lei geral. Vindo a ser ditada lei federal regulando normas gerais a eficácia da lei estadual fica suspensa no que couber (CF, art. 24. § 4º).

No artigo acima, os municípios não foram contemplados pela Constituição com a competência concorrente, mas os mesmos são detentores de uma competência genérica, suplementar à legislação tanto federal como estadual no que couber (CF, art. 30, II).

Ao município, conforme prevê o artigo 211, parágrafo 2º da Constituição, caberá à atuação no ensino fundamental e na educação infantil e os Estados e o Distrito Federal no ensino fundamental e médio (art. 211, § 3º).

Neste sentido vem decidindo o nosso Egrégio Tribunal.

“Ementa:CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. LEI DE DIRETRIZES EBASES DA EDUCAÇÃO. LEI 9.394, DE 1996. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE: CF, ART. 24. COMPETÊNCIA ESTADUAL CONCORRENTE NÃO-CUMULATIVA OU SUPLEMENTAR E COMPETÊNCIA CONCORRENTE ESTADUAL CUMULATIVA.

I – O art. 24 da CF compreende competência estadual concorrente não-cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena “para atender a suas peculiaridades” (art. 24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º).

II. – A Lei 10.860, de 31.8.2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não-cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a ConstituiçãoFederal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e § 3º.

III. – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.860/2001 do Estado de São Paulo. Processo:ADI 3098 SP Relator (a): CARLOS VELLOSOJulgamento:23/11/2005 Órgão Julgador:Tribunal PlenoPublicação:DJ 10-03-2006 PP-00006 EMENT VOL-02224-01 PP-00098 LEXSTF v. 28, n. 327, 2006, p. 57-71Parte(s):GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO PGE-SP – ELIVAL DA SILVA RAMOS ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO.”

Fica evidente que os entes federados não podem ir além daquilo que preceitua a constituição, mas ao mesmo tempo a norma constitucional fornece mecanismo legal para suprir as lacunas, objetivando cumprir o objetivo maior do ente estatal que é o bem comum do seu povo; motivo pelo qual é inadmissível a ausência do Estado no que tange a educação. Uma vez que o caminho que leva à construção desta sociedade implica um processo gigantesco de educação, e não apenas a educação entendida no sentido da transmissão do conhecimento, mas no sentido da formação da cidadania[2].

A Educação é um conjunto de ações objetivando o desenvolvimento do indivíduo para a sociedade, onde, através da difusão do conhecimento empírico, técnico e racional, aquele melhor se interage e contribui para evolução social da coletividade, assim, os entes estatais em suas competências originárias e derivadas têm o dever de difundir a educação como um todo.

Não está limitada, pela Carta Constitucional ou outra norma suplementar a competência exclusiva e restrita de cada ente da federação. União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, têmdefinidas as suas prioridades e competências, mas, dentro de suas necessidades locais e peculiares podem atuar em áreas distintas da Educação, como, o ensino superior ser da órbita de difusão da União, podem os municípios atuar na sua disponibilidade ao cidadão.

Contudo essa faculdade de absorção de outras competências de oferta do ensino, não lhe permite a compensação ou financiamento pelo outro ente originário, o que, diante de nossa extensão territorial e intercorrências da gestão descentraliza é um entrave à oferta adequada do ensino, em todos os seus níveis, a população brasileira. Que não se limita a competência funcional, mas de financiamento do setor.

2. DIRETRIZES PRINCIPIOLÓGICAS ATINENTES À EDUCAÇÃO

Os princípios transmitem a ideia de condão do núcleo do próprio ordenamento jurídico, Como vigas mestras de um dado sistema, funcionam como bússolas para as normas jurídicas, de modo que se estás apresentarem preceitos que se desviam do rumo indicado, imediatamente estes seus preceitos tornar-se-ão inválidos, assim consiste em disposições fundamentais que se irradiam sobre as normas jurídicas (independente de sua espécie), compenso-lhes o espírito e o servindo de critério para uma exata compreensão. A irradiação do seu núcleo ocorre por força da abstração e alcança todas as demais normas jurídicas, moldando-as conforme as suas diretrizes de comando.[3]

É inegável que as normas constitucionais que norteiam o direito à educação, encontram-se alicerçadas nos princípios. Fato este que se encontra notório ao analisar o artigo 208, inciso I da Constituição Federal, que estabelece o ensino fundamental obrigatório e gratuito, ao mesmo tempo em que o parágrafo primeiro o proclama direito público subjetivo, garantindo assim a sua aplicação imediata, bem como a incontestável tutela jurisdicional.

José Joaquim Gomes Canotilho, jurista português, ao definir princípios, afirma (CANOTILHO1999.p.1177):

“(…) princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de “tudo” ou “nada”; impõem a otimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fática ou jurídica”.

A educação, que se encontra inserida no rol dos direitos sociais ou de segunda grandeza, por sua natureza positiva, confere ao Estado uma obrigação de fazer, ao mesmo tempo, por estar fundamentada em princípios, não estabelece uma norma semelhante à regra, definindo condutas bem como suas consequências.  O que se tem é uma norma quepor um lado não define o tratamento jurídico a ser aplicado a um caso concreto, por outro devido a sua amplitude, confere um vasto leque de alternativa para soluções de conflitos, tendo por base a ponderação de valores; constituindo este o meio mais adequado na luta do judiciário para solucionar os conflitos vivenciados pela sociedade. Neste sentido, Canotilho expõe que “consequentemente, os princípios ao constituírem exigência de otimização, permitem o balanceamento dos valores e interesses (não obedecem, como regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes”[4].

2.1 PINCÍPIOS REGULADORES DO ENSINO

2.1.1 Dignidade da Pessoa Humana

Ao se falar em princípios que regem a educação, não se pode deixar de abordar o princípio basilar do Estado Democrático de direito, o princípio da dignidade da pessoa humana, que são verdadeiros vetores de onde jorram todos os outros princípios que norteiam o direito à educação.

Ao se falar que todo ser humano é sujeito de direito e deveres, que vivendo em comunidade possui o direito de uma subsistência digna, o Estado assume o dever de garantir o mínimo indispensável à subsistência humana e não sub-humana. Neste sentido, o direito à educação integra esta parcela mínima indispensável à sobrevivência do homem.

Ao viabilizar uma educação de qualidade a todos os seus cidadãos o Estado está proporcionando que todo sem qualquer discriminação seja merecedor de uma vida digna, diminuído as desigualdades sociais, origem de tantas mazelas que atormentam o povo, ao mesmo tempo em que atribui capacidade aos seus cidadãos de reivindicar os seus direitos, o que só se torna possível graças ao conhecimento do mesmo.

A dignidade da pessoa humana tal como educação, representa a própria subsistência da espécie, a vida, a liberdade.

2.1.2 Igualdade de Condições para o Acesso e Permanência Escolar

Tal princípio encontra tipificado no preâmbulo da Carta Magna e nos art. 3º, incisos I e IV e 5º, caput, que ao ser transportando para o inciso I do art. 206 não perdeu a sua natureza jurídica, uma vez que o mesmo estabelece que a educação como dever do Estado, deve ser fornecida a todos, e não a uma parcela da sociedade. Isto significa dizer que as condições de acesso à escola, bem como a permanência deve ser igualitária, sem qualquer descriminalização, seja ela de cor, raça, sexo idade, condições financeira ou religiosa.

Mas, esse princípio encontra-se mitigado no próprio texto constitucional ao definir competências próprias nos níveis funcionais da educação, pois, cada ente, se limita a sua funcionalidade, restringindo a atuação no nível seguinte, causando, assim, uma falta de oportunidade ao acesso regular à educação, como um todo.

O Município se limita ao ensino fundamental, se na maioria dos casos, o Estado não se fizer presente com o ensino médio, ficarão impedidos do direito os cidadãos à continuidade educacional, assim como, da União com o ensino superior, pois, a falta de compensação ou interação de financiamento das atividades, extra competências primárias, desestimula as ações de gestão.

2.1.3 Liberdades de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamentos, a arte e o saber

Ao tratar dos direitos fundamentais e individuais no art. 5º, a Constituição estabelece a liberdade geral como um de seus valores básico, ao estabelecer a inviolabilidade, a livre manifestação de pensamento, a liberdade de consciência, a vedação ao anonimato e a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

A Constituição, ao prescrever no inciso I do art. 206, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar pensamentos, a arte e o saber, ela está ratificando os valores básicos de um Estado Democrático de Direito.

Mas, não devemos esquecer as limitações desta liberdade, pois, se vinculam a normas gerais da educação, a liberdade está no que a lei autoriza, aplicando-se o princípio da legalidade que é matriz da administração pública, pois, se o ensino é obrigação do Estado, rege-se por suas normas.

Assim, ensinar, o conteúdo e finalidade é dentro do que a lei determina; o modo, a técnica tem-se a liberdade, desde que alcance os fins educacionais curriculares.

2.1.4 Pluralismo de Ideias e de Concepções Pedagógicas e Coexistência de Instituições Públicas e Privadas de Ensino

O presente princípio encontra alicerçado na diversidade. Em face do pluralismo político (art, 1º, inciso I), sob o qual encontra fundamentado o Estado Democrático de Direito, significa que não cabe ao Estado impor um único modelo a ser aplicado no processo de ensino.

Não existe uma forma pré-estabelecida no processo de aprendizagem, pois o mesmo deve obedecer à realidades regionais e ideológicas de cada escola, a qual buscará a forma mais adequada de ministrar as aulas tendo em foco o aluno, buscando integrar a família e a comunidade neste processo contínuo de aprendizagem.

Por este princípio, o Estado autoriza, delega ao particular a substituí-lo na atividade, obedecendo às regras instituídas, deixando com liberdade controlada o ressarcimento de seus custos, como uma forma de disponibilizar a coletividade oportunidades de acesso aos níveis educacionais, fazendo e mantendo a educação como atividade estatal.

2.1.5 Gratuidade do Ensino Público em Estabelecimentos Oficiais

A inclusão do princípio da gratuidade da educação no rol dos princípios constitucionais veda qualquer possibilidade de que um projeto de lei venha a estipular que o ensino público deva ser pago. Neste contexto encontra incluso o ensino fundamental, médio e superior.

Preleciona o magistral constitucionalista José Afonso da Silva:

“ (…) onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantenedora deverá tomar providência no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito”[5].

A Educação é dever do Estado, assim, não poderá remunerar-se dele, tem que cumprir sua obrigação constitucional de fazer.

Assim, gera a controvérsia no pagamento de despesas educacionais, pois, se é seu dever, e, o particular exerce o papel do Estado, diante da possibilidade de mercado, é porque aquele não se faz presente, assim, vindo outro a supri-lo, e, por este princípio deveria o Estado ressarcir tais despesas, não o cidadão, o que o leva a pagar pelo mesmo direito, ao Estado pelos tributos, ao particular pelas mensalidades.

2.1.6 Valorização dos Profissionais de Educação Escolar

Fica definido que o ingresso no serviço público ocorrerá via concurso de provas e títulos, que é uma disposição constitucional inafastável de acesso aos cargos públicos.

A valorização do professor fica estipulada como princípio constitucional, garantindo que o magistério público se organize em plano de carreira, impossibilitando desta forma que o quadro seja composto de forma isolada.

São mecanismos que possam propiciar ao profissional de educação maior empenho e melhor produção do ensino, através de melhorias salariais e de incentivos na continuidade da carreira do magistério, inclusive, atualmente, com a instituição de piso nacional de salário para o professor.

2.1.7 Gestão Democrática do Ensino Público

Este princípio deriva dos princípios do Estado Democrático de Direito, que vem especificado no art. 1º da Constituição Federal, tais como: soberania popular, cidadania e pluralismo político.

Pois a educação como dever do Estado deve estar centrado na democracia, ou seja, uma gestão escolar que envolva a comunidade escolar, não somente no processo de escolha dos seus dirigentes através de eleição, mas em toda administração, financeira e pedagógica. O processo educacional não pode vir de cima para baixo, uma vez que se concretiza com a participação de todos os entes envolvidos, participando efetivamente da gestão escolar.

Este princípio tem dois sentidos objetivos: integrar e trazer para a escola a população, pois, assim todos poderão usufruir, direta ou indiretamente, deste direito; exercer o controle social da atividade, na sua qualidade, gestão e finalidades.

2.1.8 Garantia de Padrão de Qualidade

É incontestável o fato de que nada adiantaria prescrever a educação como um direito de todos e ao mesmo tempo dever do Estado, sem a garantia que fosse assegurado um padrão de qualidade. A qualidade é que garante que os objetivos da educação serão alcançados, possibilitando o pleno desenvolvimento da pessoa humana, viabilizado a sua inserção no mercado de trabalho e acima de tudo o pleno exercício da cidadania.

Ao fornecer uma educação de qualidade o Estado está erradicando a pobreza, combatendo as desigualdades sociais, a marginalidade, pois fornece aos seus cidadãos a oportunidade de transformar toda uma sociedade, e simultaneamente atingindo os objetivos do art. 3º da CF.

É incompreensível o Estado em nível de ensino superior ser detentor das melhores universidades do País, cumprindo assim o princípio constitucional da garantia de padrão de qualidade, enquanto que no ensino fundamental e médio deixa tanto a desejar. Ocasionando aos alunos de escola pública, que necessitam da universidade federal, pela impossibilidade de arcar com as despesas, enorme dificuldade de ingresso; sendo que a maioria dos alunos destas instituições vem de escolas particulares, o que constitui uma contradição.

Ocorrendo a violação do princípio constitucional, uma vez que alunos de escolas públicas acabam tendo que se valer de faculdades particulares, isto quando não param de estudar, acarretando o aumento das desigualdades sociais, o desemprego, a marginalidade, provocando a quebra de outros princípios como o da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana e outros.

O que se verifica é que na grande maioria, alunos de escolas particulares serão universitários de Universidades Federais, ao passo que alunos de escolas públicas serão acadêmicos de faculdades particulares, o que constitui total desrespeito ao principio constitucional da garantia de padrão qualidade, uma vez que a educação pública por ser um processo contínuo a educação básica não pode ser vista como um processo independente do ensino superior.

2.1.9 Piso Salarial para os Profissionais da Educação Escolar Pública

O presente princípio foi introduzido na Constituição Federal pela EC 53/2006, e definiu que a regulamentação ficava a cargo de lei federal, cabendo ao Poder Executivo Federal a iniciativa legislativa. Vindo a ser regulamentado pela Lei 11.738/08 de forma parcial. A Lei prescreve o piso inicial de valor de R$ 950,00 para o profissional federal, com carga horária de 40h mensais com formação em nível médio.

Esta maior participação financeira da União na educação básica, representa um avanço e uma maior valoração do profissional da educação e consequentemente melhor qualidade de ensino, constituindo este o objetivo do princípio.

3. O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

Com a Revolução Francesa no final do século XVIII, foram estabelecidos os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade, como objetivo da luta decorrente da exploração da qual era vitima as classes menos favorecida. É indiscutível que a classificação em três gerações dos direitos fundamentais encontra alicerçada nestes ideais.

Nos direitos de primeira geração está a liberdade, cujos titulares são os indivíduos que se opõem ao ente estatal criando limites para a sua atuação, originando para o Estado uma obrigação negativa, de não fazer.

Ao inverso nos direitos de segunda geração o direito social, cultural e econômico, estipula ao Estado uma ação positiva, gerando uma obrigação de fazer, objetivo diminuir a desigualdades sociais e fornecer melhor condições de vida, como preceitua o princípio da igualdade.

Os Direitos Sociais são conceituados por Alexandre de Morais, como:

“(…) direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas de observância obrigatória em um Estado Democrático de direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficiente, visando à concretização da igualdade social e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal”.

Neste contexto, o direito a educação se encontra inserido no rol dos direitos sociais ou de segunda geração.

A fraternidade ou solidariedade, diz respeito aos direitos de terceira geração, onde o indivíduo deixa de ser o titular de direito, passando os grupos humanos como a família, a sociedade, a coletividade a ser detentora deste direito.

No que tange à educação, parte da doutrina diverge se seria ou não um direito fundamental, reconhecendo apenas como tal: a vida, igualdade, liberdade, segurança e propriedade. Não constituindo este o posicionamento doutrinário majoritário, que entende que todos os direitos vinculados diretamente a um daqueles cinco, constantes do artigo 5º, caputda Carta brasileira, são também fundamentais. Quaisquer outros direitos seriam, assim, componentes do quadro de direitos constitucionais, mas sem a adjetivação de fundamental[6].

Tendo por norte a intrínseca ligação do direito a educação com a igualdade, à liberdade, isto sem mencionar a sua relação com o principio da dignidade da pessoa humana, é incontestável o fato de que a educação faz parte dos direitos fundamentais. São considerados fundamentais aqueles direitos inerentes à pessoa humana pelo simples fato de ser considerada como tal, trazendo consigo os atributos da tendência à universalidade, da imprescritibilidade e da inalienabilidade[7].

Na Constituição Federal a relevância do direito à educação é tão grande que o ilustre professor José Afonso da Silva, que pouco adentra no tema direito fundamental, afirma:

“O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combina com o art. 6º, eleva a educação ao nível dos direitos fundamentais do homem, Aí se afirma que a educação é direito de todos, com o que esse direito e informado pelo principio da universalidade”.

Tal posicionamento justifica-se pelo fato de os direitos sociais receberem, em nosso ordenamento, uma garantia tão elevada e reforçada que lhes legitima a inserção no mesmo âmbito conceitual da expressão direitos e garantias individuais do art. 60. Fruem, por conseguinte, uma intangibilidade que os coloca inteiramente além do alcance do poder constituinte ordinário, ou seja, aquele poder constituinte derivado, limitado e de segundo grau,

contido no interior do próprio ordenamento jurídico[8].

É possível, pois afirmar que no que concerne o direito a educação, a sua aplicação deve ser imediata, fato este decorrente de sua natureza jurídica prescrita no artigo 208 da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 208. Parágrafo primeiro: O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.”

É possível, pois afirmar ser a educação direito subjetivo, porque é uma faculdade de as pessoas exigirem que alguém faça algo, e público pela sua atribuição aos indivíduos como “plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, ou seja, exigível judicialmente, caso não seja prestado espontaneamente”[9].

O direito público subjetivo, podendo, portanto ser definido como a livre manifestação de vontade, reconhecida e tutelada pelo ordenamento jurídico, que recai sob o indivíduo em decorrência da prática ou não de determinados atos. O que possibilita àquele que tem o direito a educação negligenciado, violados, meios para torná-los exigíveis podendo inclusive se utilizar do judiciário para resguardá-los.

O que se constata que a Carta Máxima ao proclamar a educação como um direito fundamental de natureza social, faz com que a sua abrangência ultrapasse a esfera do interesse individual, deixando de priorizar o indivíduo, para buscar proteger o bem comum, ou seja, o interesse coletivo, acarretando ao Estado o dever objetivo de torná-los realidade.

É notório, pois que se no plano subjetivo, o interesse tutelado é o individual que busca proteger o direito do titular em ter acesso à educação, e assim se inserir no mundo de forma digna. Entretanto, no plano objetivo é que há a concretização, pois na sociedade é que se encontra os seus maiores reflexos, uma vez que a  educação constitui o mecanismo essencial ao desenvolvimento do País.

Daí a afirmação que a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência a comunidade. O caráter da comunidade se imprime em cada um de seus membros e é no homem que se manifesta como fonte de toda ação e de todo comportamento. Em nem uma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio sentir, cada nova geração. A estrutura de toda a sociedade assenta nas leis e normas escritas que unem seus membros[10].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Selma Garrido Pimenta “a educação é um processo de humanização que ocorre na sociedade humana com a finalidade explícita de tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório e responsáveis por levá-lo adiante”.

Com base nessa premissa, verifica-se que a qualidade da educação de uma sociedade é premissa indispensável para o seu desenvolvimento.

O direito à educação deve ser vislumbrado como condição essencial para uma vida digna, como direito fundamental que é, baseia-se diretamente no princípio da dignidade humana e a sua efetivação constitui condição essencial para o alcance da justiça social.

A Constituição de 1988 concede a todos o direito a uma educação plena e de qualidade. No plano infraconstitucional a legislação por meio de diversos instrumentos normativos resguarda a concretização desses direitos. Entretanto, o panorama que se vislumbra no cotidiano das instituições de ensino brasileiro se mostra completamente diverso do desenhado pela legislação, pois a mera existência desse aparato jurídico não assegura a sua aplicação.

Para que haja uma efetivação do direito à educação mostra-se indispensável uma ação responsável e compromissada dos administradores públicos, acompanhada de uma atuação fiscalizatória do Poder Legislativo e da intervenção do Judiciário sempre que se mostre necessário.

Inexistem, entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, efetivos mecanismos para garantia de que uma responsável gestão da educação já concretizada, da mesma forma que faltam métodos eficazes de responsabilização dos gestores públicos por sua inércia, falta de comprometimento ou até mesmo desonestidade na área da educação.

Mostra-se indispensável que a má atuação do Poder Público com a efetivação desse importante direito fundamental seja objeto de medidas capazes de modificar a atual conjuntura e propiciar à população um ensino de qualidade, nos moldes fixados pelos preceitos constitucionais.

Sanções administrativas que se restrinjam à interrupção de repasses ou restituição de dinheiro público desviado, não resolvem o cerne do problema, é indispensável o desenvolvimento de mecanismos jurídicos que obriguem o gestor público a respeitar a legislação e cumprir as obrigações constitucionais.

Por essa perspectiva mostra-se indispensável o controle judicial de políticas públicas como forma de proporcionar a efetivação dos direitos resguardados constitucionalmente. Essa judicialização da educação representa uma possibilidade efetiva de transformação do legal no real, principalmente no atinente a diminuição das deficiências e desigualdades da sociedade.

Não pode esse controle judicial ser considerado uma ingerência do Judiciário nas atribuições do Poder Administrativo, pelo contrário, essa imposição de comandos do Judiciário só será possível na inércia do Poder Público ou quando do descumprimento dos preceitos constitucionais, como forma de proporcionar a efetividade do direito dos cidadãos.

O acesso a uma educação digna, como um direito social e público subjetivo, decorre de ações e medidas no âmbito político e administrativo, que protejam o processo educacional e assim possibilitem a cada pessoa humana a efetivação de seus direitos constitucionalmente resguardados e proporcionem o desenvolvimento do país, principalmente no que diz respeito à diminuição das deficiências e desigualdades da sociedade.

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