Metabolismo de lipídios

 

Metabolismo de lipídios

Nos 60 a 150g de lipídios ingeridos diariamente, cerca de 90% são constituídos de triacilgliceróis 10% dos lipídeos da dieta correspondem ao colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios e ácidos graxos livres. Desde que os tricialgliceróis são insolúveis em água e as enzimas digestivas são hidrossolúveis, a digestão ocorre na interface lipídeo-água. A área de superfície da interface é aumentada pelos movimentos peristálticos do intestino, combinados à ação emulsificante dos ácidos biliares (ou sais biliares). Os sais biliares são moléculas anfipáticas que atuam na solubilização dos glóbulos de gordura – são derivados do colesterol, conjugados de glicina ou taurina.

O processo de emulsificação dos lipídios ocorre no duodeno. A colecistoquinina, um hormônio peptídico, é produzido em resposta à presença de lipídeos, atuando sobre a vesícula biliar e estimulando a secreção da bile, e atuando ainda sobre as células exócrinas do pâncreas, estimulando a secreção de enzimas. A secretina, outro hormônio peptídico, tem a função de auxiliar na neutralização do pH do conteúdo intestinal, por estimular o pâncreas a secretar uma solução rica em bicarbonato. Sendo assim, os lipídeos são degradados por enzimas pancreáticas que estão sob controle hormonal.

As lipases agem na interface lipídeo-água por ativação interfacial;

A lipase pancreática catalisa a hidrólise de triacilgliceróis nas posições 1 e 3, formando 1,2-diacilgliceróis e 2-acilgliceróis, juntamente com sais de ácidos graxos de Na+ e K+. A ligação à interface lipídeo-água requer a colipase pancreática, que é uma enzima que forma um complexo com a lipase.

Absorção de lipídeos por células da mucosa intestinal;

Ácidos graxos livres, colesterol livre e 2-acilgliceróis formam micelas mistas com os sais biliares que se aproximam do sítio de absorção lipídica, onde atravessam a camada de água e é absorvido. Dentro das células intestinais, os ácidos graxos formam complexos com a proteína intestinal ligadora de ácidos graxos, que aumenta a solubilidade efetiva dos lipídeos e protege a célula dos efeitos detergentes dessas substâncias.

Transporte de lipídeos

Os ácidos graxos são convertidos em triacilglicerol novamente, e organizados em partículas poliprotéicas chamadas quilomicrons, que são liberadas nos vasos linfáticos, por onde serão transportados até os vasos maiores, alcançando outros tecidos. Os triacilgliceróis dos quilomícrons podem ser incorporados aos adipócitos ou serem degradados a ácidos graxos livres e glicerol. A maioria das células pode oxidar ácidos graxos para produzir energia.

A reserva lipídica

Os triacilgliceróis depositados em adipócitos representam a principal reserva do organismo. São depósitos concentrados de energia metabólica pois são altamente reduzidos e anidros. O produto da oxidação completa dos ácidos graxos até CO2 e H2O é 9 kcal/g de gordura, comparado a 4 kcal/g de carboidratos.

Mobilização de lipídeos

Quando há necessidade de energia a partir dos ácidos graxos, a mobilização da gordura inicia-se pela hidrólise de triacilglicerol dos adipócitos, formando ácidos graxos e glicerol. Primeiro a lipase sensível a hormônio promove a remoção do ácido graxo da posição 1 ou 3. Lipases adicionais removem ácidos graxos do mono- ou diacilglicerol, formando glicerol e ácidos graxos livres.

Os ácidos graxos livres movem-se através da membrana celular do adipócito e ligam-se à albumina no plasma, que os transportam aos tecidos, onde os ácidos graxos se difundem para as células e são oxidados para obtenção de energia. O cérebro e outros tecidos nervosos, eritrócitos e medula adrenal não utilizam ácidos graxos plasmáticos para obter energia. O glicerol é transportado até o fígado, onde é fosforilado e utilizado novamente.

Oxidação de ácidos graxos

Após ter sido capturado pela célula, o ácido graxo é convertido no derivado CoA pela acil CoA graxa sintetase (tioquinase) no citosol, formando a acil CoA graxa; Há a necessidade de ATP. Uma vez que a b-oxidação ocorre na matriz mitocondrial, o ácido graxo deve ser transportado através da MMI por um transportador específico denominado carnitina. O processo de transporte é denominado lançadeira da carnitina. Um grupo acil é transferido da coenzima A citosólica à carnitina pela carnitina aciltransferase I, formando acilcarnitina, tal enzima está localizada na superfície externa da MMI. O grupo acilcarnitina é transportado através da membrana à matriz, onde é transferido a outra molécula de coenzima A pela carnitina aciltransferase II, na superfície interna da MMI.

O ácido graxo (acil CoA graxa) deve ser transportado através da MMI por um transportador específico denominado carnitina – o processo de transporte é denominado lançadeira da carnitina. A b-oxidação compreende o catabolismo de ácidos graxos saturados, na qual fragmentos de dois carbonos são sucessivamente removidos da extremidade carboxila da acil CoA graxa, produzindo acetil CoA.

Portanto, a b-oxidação consiste em uma sequência de 4 reações que resultam no encurtamento da cadeia de ácidos graxos em cada 2 carbonos, as etapas incluem uma oxidação que produz FADH2, uma hidratação, uma segunda oxidação que produz NADH e uma clivagem tiolítica que libera uma molécula de acetil CoA, a última reação é irreversível.

As enzimas da b-oxidação:

Acil-CoA desidrogenase, Enoil-CoA hidratase, b-hidroxiacil-CoA desidrogenase, Acil-CoA aciltransferase (tiolase).

Produção de energia pela oxidação de ácidos graxos:

A oxidação de uma molécula de palmitoil CoA

(16C) até CO2 e H2O gera:

8 acetil CoA (cada qual fornece 12 ATP pelo ciclo de Krebs)  96 ATP 7 NADH (cada qual fornece 3 ATP) 21 ATP 7 FADH2 (cada qual fornece 2 ATP) 14 ATP

Saldo final de ATP: 131 ATP, considerando que duas ligações de alta energia são quebradas devido a reação da tioquinase, a energia total é de 129 ATP.

Oxidação dos ácidos graxos com número ímpar de carbonos:

A b-oxidação de um ácido graxo saturado com número ímpar de átomos de C segue as mesmas etapas de reações que os ácidos graxos com número par de átomos de C, até os três carbonos finais (propionil CoA).

O propionil CoA é metabolizado por uma rota de duas etapas:

1º – o propionil CoA é carboxilado, formando metilmalonil CoA. A enzima responsável – a propionil CoA carboxilase – é dependente de biotina, como todas as carboxilases.

2º – os carbonos da metilmalonil CoA são rearranjados, formando succinil CoA, a qual entra no ciclo de Krebs. A enzima responsável é a metilmalonil CoA mutase, que requer vitamina B12 (adenosilcobalamina).

Oxidação de ácidos graxos insaturados:

A oxidação de ácidos graxos insaturados fornece menos energia que a oxidação dos ácidos graxos saturados. Os insaturados são menos reduzidos, e portanto, menos equivalentes redutores podem ser produzidos.

Corpos cetônicos: combustível alternativo para as células.

Mitocôndrias hepáticas podem desviar excesso de acetil CoA para a formação de corpos cetônicos. Os corpos cetônicos: acetoacetato, 3-hidroxibutirato e acetona, eles são transportados pelo sangue aos tecidos periféricos, onde podem ser convertidos novamente a acetil CoA (com exceção da acetona que é eliminada); são importantes fontes de energia para o tecido periférico; são solúveis em solução aquosa.

Degradação do colesterol

A estrutura do colesterol não pode ser metabolizada a CO2 e H2O, o anel esterol intacto pode ser eliminado: pela conversão em ácidos biliares, os quais podem ser reabsorvidos e reutilizados, ou podem ser excretados pela secreção do colesterol na bile, a qual transporta-o ao intestino para eliminação – parte do colesterol é modificada por bactérias intestinais antes da excreção. O colesterol da dieta pode ser absorvido no intestino, fazendo parte dos quilomícrons.

Síntese de colesterol

Todos os átomos de carbono são fornecidos pelo acetato, o NADPH fornece os equivalentes redutores, ocorre no citoplasma com enzimas do citoplasma e do retículo endoplasmático, a rota é dirigida pela hidrólise da ligação tioéster de alta energia do acetil CoA e a ligação fosfato terminal do ATP.

Biossíntese de ácidos graxos

Grande parte dos ácidos graxos utilizados pelo corpo é suprida pela dieta, quantidades excessivas de carboidratos e proteínas obtidas pela dieta podem ser convertidas em ácidos graxos, e armazenados como triacilgliceróis. A síntese de ácidos graxos ocorre principalmente no fígado e glândulas mamárias, e em menor grau, no tecido adiposo e no rim, o processo incorpora os carbonos da acetil CoA na cadeia de ácido graxo em formação, utilizando ATP e NADPH.

A porção acetil da acetil CoA é transportada ao citosol como citrato, produzido pela condensação do oxaloacetato e acetil CoA, primeira reação do ciclo do ácido cítrico, isso ocorre quando a concentração de citrato mitocondrial está elevada, observada quando há alta concentração de ATP e a isocitrato desidrogenase é inibida. O aumento de citrato e ATP favorece a síntese de ácidos graxos, desde que esta via necessita de ambos. O acetil CoA deve ser convertido a malonil CoA. A carboxilação é catalisada pela acetil CoA carboxilase e requer ATP, esta reação é a etapa regulada na síntese de ácidos graxos: ela é inativada pelos produtos, malonil CoA e palmitoil CoA, e ativada pelo citrato, outro mecanismo de regulação é a fosforilação reversível da enzima, que a torna inativa, devido a presença de adrenalina/glucagon

Mecanismo análogo ocorre com a glicogênio sintase, na presença de glucagon, a enzima é fosforilada e inativa, na presença de insulina, a enzima é desfosforilada e ativa.

A síntese dos ácidos graxos: um complexo multienzimático.

Em eucariotos, a sintase dos ácidos graxos consiste de um dímero, sendo que cada monômero possui cada um, sete atividades enzimáticas diferentes, e um domínio que se liga à fosfopanteteína, um derivado do ácido pantotênico, denominada ACP (acyl carrier protein).                                            Em procariotos, este último domínio é uma proteína separada, também denominada proteína transportadora de grupos acil (ACP).

Passos da sintase dos ácidos graxos

1 e 2. Uma molécula de acetato é transferida do acetil CoA ao grupo SH da cisteína da proteína ACP, pela enzima acetil transacilase – Acetil CoA + ACP-SH ? acetil-S-ACP + CoA

3. O ACP liga, a partir do grupo panteteína, uma unidade de malonato (3 carbonos) do malonil CoA na presença da enzima malonil transacilase – Malonil CoA + ACP-Pan-SH ? malonil-S-ACP + CoA.

4. O grupo acetil ataca o grupo malonil, que perde CO2

(adicionado pela acetil CoA carboxilase) na presença da b-cetoacil sintase — Malonil-S-ACP + acetil-S-ACP ? acetoacetil-S-ACP + CO2

5. O grupo cetona é convertido em um álcool pela b-cetoacil — redutase na presença de NADPH acetoacetil-S-ACP + NADPH + H+ ? b-hidroxibutiril-ACP + NADP+.

6. Uma molécula de água é removida para introduzir uma ligação dupla pela enzima b-hidroxiacil desidratase b-hidroxibutiril-ACP ? crotonil-S-ACP + H2O

7. Numa segunda etapa da reação, pela enoil redutase, crotonil-S-ACP + NADPH + H+ ? butiril-S-ACP + NADP+.

O resultado destas 7 etapas é a produção de um composto de quatro carbonos terminais cujos três carbonos terminais são completamente saturados, permanecendo ligados ao ACP. As 7 etapas são repetidas, iniciando pela transferência da cadeia de quatro carbonos do ACP à cadeia lateral de cisteína, a ligação de outra molécula de malonato ao ACP, e a condensação das duas moléculas, com a liberação de CO2, com a redução do carbono beta.

Este ciclo é repetido 7 vezes, a cada vez incorporando uma unidade de dois carbonos do malonil CoA, na cadeia de ácido graxo em formação, o processo é encerrado quando o ácido graxo atinge um comprimento de 16C, produzindo uma molécula saturada de palmitato, pela ação da tioesterase.

Palmitoil-S-ACP + H2O — palmitato + ACP-SH.

A acil-enzima (com 4 carbonos) (porção inferior da figura) volta à via (à direita da figura), ligando-se a cadeia lateral da cisteína, que posteriormente irá se ligar a nova molécula de malonato(em amarelo)

A cada volta, a molécula ganha dois carbonos do malonato, até a formação do palmitato, liberando a enzima livre, são necessárias 7 moléculas de malonato e 1 de acetil-CoA.

A reação global:

8 acetil CoA + 14 NADPH + 14 H+ + 7 ATP > Ácido palmítico + 14 NADP+ + 7 ADP + 7 Pi + 7 H2O

Todos os carbonos vieram do malonil CoA com exceção dos 2 carbonos doados pelo acetil CoA no início da síntese.

Síntese de triacilglicerol:

Uma vez formado, o ácido graxo terá de ser conglomerado em triacilglicerol que constitui a forma de armazenamento de lipídeos nos adipócitos.

A formação do triacilglicerol ocorrerá em 3 etapas: 1) formação do glicerol-3-fosfato, 2) acilação dos dois grupos oxidrila livres do glicerol-3-fosfato e 3) adição do terceiro grupo  acila com formação do triacilglicerol.


Passo 1: 
neste passo é necessária a formação da “matriz” de encaixe dos ácidos graxos para a formação do triglicéride. Isso pode ser feitro de duas formas: 1) Através da fosforilação de uma molécula de glicerol utilizando ATP e sob influencia da enzima glicerol quinase e 2) através da glicose que no processo de glicólise produzirá diidroxiacetona fosfato que sofrerá redução com a contribuição do NADH e da enzima glicerol-3-fosfato desidrogenase formando glicerol – 3 – fosfato.

 

Passo 2: nesse caso dois grupos acila serão adicionados no lugar de dois grupamentos oxidrila do glicerol-3-fosfato. Isso é feito em duas etapas com a liberação de Coenzima A e com a participação da enzima acil transferase. O resultado final será o Acido fosfatídico.


Passo 3:
 o ácido fosfatídico que origina um diacilglicerol terá seu grupo fosfato substituído por outro acil transformando-se em triacilglicerol. Isso ocorre com a participação das enzimas acido fosfatídico fosfatase e acil transferase.

 

Regulação da síntese de triacilglicerol: a síntese é estimulada pela insulina.

 

Regulação da síntese de ácidos graxos:

A síntese de ácidos graxos tem dentre outras funções o armazenamento de gorduras para utilização posterior. Portanto, fica claro que a insulina que é um hormônio que induz armazenamento seja estimuladora da síntese de malonil-CoA e consequentemente de ácidos graxos. Os hormônios glucagon e epinefrina são liberados quando se faz necessário a disponibilidade de energia para as células, portanto é lógico pensar que estes hormônios inibiram a síntese de ácidos graxos. O excesso de ácidos graxos formado fará um feedback negativo na transformação de acetil-CoA em malonil-CoA modulando dessa forma a produção de ácidos graxos. E o citrato (precursor do Acetil CoA) em excesso fará um feedback positivo estimulando a formação de malonil-CoA a partir de Acetil-CoA e, dessa forma, impedirá o acumulo de citrato.

 

Sistema de transporte do Triacilglicerol recém formado no fígado para as células adiposas: o triacilglicerol é lipossolúvel, o que constituiria um grande obstáculo no transporte pelo sangue deste composto. No entanto, o transporte se torna viável pois proteínas são agregadas ao triacilglicerol permitindo que o mesmo consiga fluir no sangue na forma de lipoproteína. Quando esta lipoproteína chega até a célula adiposa surge um novo obstáculo que é a entrada do triacilglicerol no interior desta célula. Para isso, existe uma enzima denominada lipoproteína lípase que realizará a quebra da lipoproteína em ácidos graxos que são lipossolúveis e conseguem difundir pela membrana celular. No interior da célula esses ácidos graxos realizarão novo processo de síntese de triacilglicerol e serão armazenados. Vale ressaltar que a lipoproteína lípase é ativada pela insulina.

 

Oxidação dos ácidos graxos

Quando se faz necessário a disponibilidade de energia pelas células ocorre a utilização do triacilglicerol. Para isso esse triacilglicerol será quebrado em ácidos graxos pela lípase hormônio sensível e esses ácidos graxos poderão então ser utilizados em processos oxidativos que forneceram elétrons para ganho de energia.

A oxidação deverá ocorrer na matriz mitocondrial portanto, é necessário que o ácido graxo seja levado para este local.

 

Transporte do ácido graxo para a matriz mitocondrial:

A molécula de ácido graxo em si não consegue passar a membrana mitocondrial, portanto é necessário que este ácido graxo seja convertido a acil-CoA que se ligará a carnitina formando o complexo acil – carnitina graxo. Na formação deste complexo ocorre a liberação de uma coenzima A. O acil – carnitina graxo então passa a membrana e entra na matriz mitocondrial. Na matriz a carnitina será substituída pela coenzima A e teremos novamente um acil-CoA que poderá então ser oxidado.

 

Beta oxidação dos ácidos graxos (clico de Lynen): este ciclo inicia com a oxidação do palmitoil-CoA por um FADH2 gerando um transfenoil – CoA. Este, por sua vez, será hidratado dando origem a um hidroxiacil – CoA. Este será oxidado pelo NAD+ em cetoacil- CoA. O cetoacil-CoA será clivado em acetil-CoA e em acil-CoA. O acil- Coa reiniciará o ciclo e o acetil CoA será direcionado ao ciclo do ácido cítrico para a produção de NADH e FADH2 a serem utilizados na fosforilação oxidativa para a produção energética.

Vale ainda ressaltar que cada 2 carbonos do ácido graxo é transformado em um Acetil-CoA.

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