Lógica Jurídica

1. Introdução.

A ideia de lógica é bastante utilizada, através dos termos derivados lógico e ilógico, na linguagem coloquial, visto que é entendida, de maneira geral, por meio do sentido de razoabilidade. Embora essa definição seja considerada demasiada superficial, é correto afirmar que apresenta um elo com o verdadeiro significado de lógica- ciência responsável pelo estudo das leis que norteiam o raciocínio-, pois pretende identificar um caráter racional no que for exposto.
Pode-se subdividir a lógica em lógica material e em formal. O primeiro caso, detentor de um sentido mais lato, preocupa-se com a adequação do raciocínio à realidade, sendo também chamado de metodologia, a qual detém o fito de buscar um método de analise próprio para cada ciência. A segunda subdivisão apresenta um sentido estrito, responsável por determinar a forma correta da estrutura do pensamento, além de representar regras cuja aplicação independe do objeto de estudo analisado.
“A forma lógica acolhe qualquer objeto individual, porque é forma para um objeto qualquer. E o que ingressa no universo das formas lógicas não é o tipo de ser do objeto (sua pertinência a esta ou àquela região material real como objeto físico, biológico, social ou ideal, como um valor ou um número), mas cumprir a função de termo-sujeito e o de termo-predicado- simplificando o problema-, o que significa: o objeto traduzido em uma categoria sintática, reduzidoem linguagem formal, como se no tecido integro do objeto se cortasse somente a capa do logos, desprezando os demais constituintes dele.” 1
Nessa perspectiva, a lógica jurídica- “ciência das leis e das operações formais do pensamento jurídico ou a reflexão crítica sobre a validade desse pensamento” 2- não se trata de um ramo específico da lógica, e sim, de uma aplicação geral desta na ciência do Direito. O questionamento da relação entre lógica e sua aplicação no Direito inicia-se através das consequências causadas pela decisão de aplicar o sentido material ou formal no estudo jurídico.
Utilizar o sentido lato da lógica no âmbito do direito poderá tolher o uso dos conhecimentos formais no estudo dessas ciências. Em contrapartida, aplicar uma visão estrita irá afastar a estrutura formal do valor material do objeto de análise, além de reduzir a simples silogismos as estruturas argumentativas jurídicas.
“O material de que se vale a lógica é, ainda, formal: um termo(…) é material relativamente à forma de uma preposição, que o tem como constituinte seu. Uma proposição é matéria relativamente a forma-de-argumento em que entra como componente: um silogismo consta de preposições e estas de termos. O formal reside, no silogismo, na interconexão entre as proposições.” 3
Outro ponto pertinente na nossa análise em relação à lógica jurídica deve-se ao fato de seu sistema ser constituído de normas, e não de proposições-típicas da lógica formal. Desse modo, há, entre elas, uma diferença substancial, visto que norma refere-se aos imperativos propostos pelo Estado, enquanto que as proposições, nesse estudo as jurídicas, dizem respeito à estrutura lógica da norma.
Há, segundo Fábio Ulhoa Coelho, a necessidade de utilizar os princípios básicos da lógica no direito e na ciência jurídica, com o fito de garantir-lhes unidade, consistência e completude, isto é, ligação das ideias, respeito ao principio da não contradição e ao do terceiro excluído, respectivamente.4 Nessa perspectiva, é necessário analisarmos até que ponto a lógica fundamental supre as complexas necessidades da estrutura da argumentação jurídica e da ciência do direito.

2. Silogística e silogismo judiciário.

Aristóteles foi responsável por criar a sistematização das regras do pensamento lógico formal, o qual detém, como âmago, o silogismo. A lógica formal é fundamentada por meio do raciocínio como inferência, isto é, o ato de tirar conclusões de proposições anteriores, com o intento de chegar a uma conclusão final, formando, pois, um conjunto de proposições encadeadas que originam um argumento fundamentado em um conhecimento imediato, o qual denominamos silogismo.5
Incluir os conceitos jurídicos no sistema do silogismo judiciário remete às conclusões silogísticas- consideradas válidas ou invalidas-, as quais são inferidas, por meio do termo médio, dapremissa maior e da premissa menor. Devido ao fato de pertencer à lógica formal, embora não seja o único ponto observado, a organização da estrutura tem uma importância bastante relevante, pois será a diretriz para obter a conclusão.
Na montagem da estrutura, além de utilizarmos as premissas e o termo médio, há a presença de conectivos que quantificarão as premissas- a, i, e, o- e determinarão o encadeamento necessário para se chegar a uma conclusão. Assim, os modos de conclusão são definidos pela relação desses conectivos quantitativos, a exemplo dos modos barbara ( aaa), ferio (eio), darii (aii) e celarent (eae).

3. O cálculo lógico.

Como foi citada no tópico anterior, a teoria do silogismo não representa uma teoria de caráter estritamente lógico. Deve haver, portanto, na fundamentação do argumento não apenas a justificação interna- resultado direto da lógica da estrutura existente entre as proposições- mas também a justificação externa, a qual corresponde ao caráter material das premissas, atestando sua veracidade, sua aceitação. 6
No tocante às estruturas que levam ao desencadeamento das conclusões, deve-se salientar a diferença entre a lógica formal tradicional e a moderna, visto que esta utiliza uma linguagem simbólica- garantidora de um significado fixo- que permite combinar sinais operatórios, com o fito de obter a conclusão. Esse processo, denominado formalização, engloba não apenas a conversão daspremissas em símbolos, mas também, norteia, através de regras operatórias, a estrutura de reorganização a qual permite concluir sem precisar recorrer ao significado da expressão simbólica.
Segundo Lourival Vilanova, essa linguagem formalizada se faz necessária, porque ela explicita, imediatamente, a forma; facilitando, pois, a transformação de uma estrutura formal em outra estrutura, fato que caracteriza a linguagem lógica como um sistema nomológico, isto é, sistema fundamentado na derivação dedutiva das proposições situadas no interior do sistema.7
Esse conceito moderno de formalização da linguagem jurídica proporciona, de maneira geral, a conversão desta em cálculo, através, principalmente, da lógica proposicional e dos predicados.

3.1. O Cálculo proposicional.

O cálculo proposicional é constituído pelas proposições (simbolizados por letras minúsculas) e pelos juntores, os quais realizam o papel de correlacionar as premissas para garantir-lhes uma compreensão. Desse modo, o processo consiste em atribuir o valor “verdade” ou “falsidade” às proposições e inferir o sentido da ligação existente entre elas.
Embora seja necessária a compreensão do valor dos juntores para haver a conversão da linguagem jurídica para o cálculo proposicional, não pode haver uma conceituação, e sim, uma correlação desses conectivos baseada na linguagem natural. Isso se deve ao fato de sua definição originar não do valor do juntorem si, mas da relação entre as proposições, isto é, do valor de verdade da expressão total.
Dessa maneira, pode-se concluir que definir os juntores lógicos baseado na validade das estruturas como um todo, só é eficaz quando não é levado em consideração o sentido material, significado, das premissas, e sim, a correlação estrutural lógica. Da mesma forma, que os conectivos do cálculo proposicional não podem ser amplamente conceituados pela linguagem natural, há, também, conjunções integrantes desta que não podem ter seu valor convertido em uma linguagem formal ou simbólica.
È possível evidenciar, portanto, a ausência de uma eficácia plena desse cálculo no âmbito da linguagem natural, com a qual o direito e as ciências jurídicas trabalham, visto que esse modelo formal está mais relacionado com o valor de verdade das construções do que com o real significado que a proposição almeja transmitir.

3.2. O cálculo de predicados.

O cálculo de predicados, ao contrário do proposicional, favorece a formalização dos princípios e normas jurídicas, uma vez que possui um maior poder de expressividade, através de juntores quantificadores, os quais garantem uma maior diferenciação entre frases gerais e singulares.
Nessa perspectiva, há uma maior consistência nos argumentos sistematizados pelo cálculo de predicados, haja vista o fato deles não se limitarem ao sentido de verdade da expressão total e, devido à predicação-associada aos termos quantificadores- de deterem uma maior abrangência no âmbito da expressão e, ao mesmo tempo, no da especificidade- no tocante à agudeza da aplicação das normas.

4. A eficiência da lógica no direito.

Como foi mencionado na parte introdutória desse texto, existem bastantes questionamentos acerca da utilização da lógica tradicional no campo de ação da ciência jurídica e do direito, mesmo que sua utilização tenha sido e seja empregada nesses âmbitos. Segundo Luis Recasens Siches, “(…) a lógica tradicional é inadequada, pelo menos em parte, para nos iluminar na interpretação dos conteúdos dos preceitos jurídicos”8.
Em contrapartida, Robert Alexy defende a aplicação da lógica no direito, com o fito de criar um procedimento de analise sólido, o qual serviria como diretriz para possibilitar uma melhor compreensão dos argumentos; contribuindo, portanto, para o avanço da ciência do direito.9
Para obtermos uma melhor compreensão da ação da lógica no campo das ciências jurídicas e do direito, é, pois, necessário analisar a distinção existente entre a estrutura formalizada e a lógica como um sistema de regras formuladas na linguagem natural.

4.1. A formalização dos princípios jurídicos.

O ato de formalizar os princípios jurídicos, objetiva superar, através da aquisição de decisões por meio do cálculo, problemas pertencentes à aplicação da linguagem, a exemplo da ambiguidade e vagueza das frasesformuladas. Nesse sentido, ao aplicar a formalização, será analisado todos esses pontos falhos da argumentação e, devido ao fato de a simbologia deter um sentido fixo, haverá um maior rigor quanto a sua interpretação.
Conquanto haja pontos positivos em sua utilização, a formalização de normas jurídicas pode gerar questionamentos em relação às implicações jurídicas teóricas ou à dificuldade de aplicar as técnicas da formalização.
Em relação ao aspecto jurídico teórico, podemos contrapor, por exemplo, o uso do conectivo de implicação, para o uso de fundamentos condicionais da norma, uma vez que esse juntor apresenta ambiguidade. Segundo Ulrich Klug, a implicação distingue-se em: “implicação extensiva (sempre que…então), intensiva( apenas se…então) e recíproca( se e apenas se…então).”10 Dessa maneira, é necessária a utilização de outros conectores simbólicos para garantir o correto entendimento da preposição.
Conquanto seja evidenciada essa falha no uso não só da implicação, mas também da disjunção- “ou” com valor inclusivo, ou com valor exclusivo-, esse fato não representa um motivo substancial para que a formalização seja refutada. Isso ocorre, uma vez que não se pode considerar a formalização como uma tradução da linguagem natural, e sim, uma substituição, durante a qual não se leva em consideração toda estrutura semântica da preposição, mas alguns aspectos principais. Embora apresente distorções, issonão significa que sua aplicação seja inválida, pois há, também, uma contribuição considerável no campo da organização da estrutura do argumento.
Uma das subdivisões da lógica jurídica é denominada analítica jurídica. Esse subgrupo refere-se ao estudo das proposições normativas, no tocante a sua validade e sua aplicação formal. A lógica oriunda da argumentação normativa, baseadas nos valores de validade e de invalidade, é denominada deôntica, a qual é enunciada pelo termo “dever ser”.11
Quando a formalização atinge o âmbito das normas jurídicas individuais, é possível evidenciarmos contradições, isto é, há o desrespeito em relação ao principio aristotélico da não-contradição; há, portanto, um rompimento com os princípios dos próprios valores formais. Para haver uma reversão desse quadro, é preciso formalizar apenas os axiomas ou acrescentar à proposição formalizada uma cláusula de cautela, assim, a interpretação será realizada, de fato, valendo-se dessa cláusula, e não, da formalização.
A problemática mais pertinente no tocante à dúvida sobre a aplicabilidade da lógica no âmbito do direito refere-se ao fato deste trabalhar com normas. Nesse sentido, surge um hiato entre a lógica e o direito, visto que, enquanto a lógica é fundamentada em um caráter dedutivo, o qual pressupõe a veracidade das premissas, a norma não possui esse valor de verdade.
Esse caso remete ao dilema exposto pelo filósofo dinamarquês JorgenJorgensen, o qual dizia que para resolver o impasse há duas soluções: ou deve-se apreciar de outra maneira a relação entre norma e o domínio lógico formal, ou será preciso rever o conceito de não poder aplicar valor de verdade à norma.
O filósofo Neil MacCormick defende essa segunda solução ao afirmar: “eu acho que é simplesmente falso continuar duvidando ou negando a possibilidade de verdade nas formulações da norma”. 12 Desse modo, ele procura afirmar a possibilidade de haver um valor de verdade para a norma, ao considerar como verdadeiro a correta enunciação do conteúdo de uma norma jurídica válida em um determinado sistema jurídico e em um determinado momento.13
Outro defensor da segunda solução foi Jürgen Rödig, o qual fundamentou sua defesa na Teoria semântica da verdade de Tarski. Essa teoria afirma que a verdade não depende da correlação estável entre frases e fatos, e sim, da harmonia entre uma frase dotada de um objeto linguístico(x) e outra de um objeto metalinguístico(y), que respeita a seguinte estrutura: “Z” é verdadeiro se, e somente se, Z é verdadeiro, sendo (“Z” é verdadeiro) corresponde a x e (se, e somente se, Z é verdadeiro) a y. Assim, a própria estrutura da frase garante sua veracidade.
A crítica baseia-se na diferença entre proposições e norma para poder contestar o que foi por Rödig exposto, embora a sua concepção pareça possível de ser realizada. Nessa perspectiva, a formalização de normas eprincípios jurídicos deveria ser realizada tanto no cálculo de predicados quanto no sistema deôntico, contudo, há ainda a presença dos paradoxos e de resultados não condizentes com o objetivo.

4.2. A axiomatização de princípios jurídicos.

Segundo o dicionário Aurélio, axioma consiste em uma “proposição que se admite como verdadeira porque dela se podem deduzir as proposições de uma teoria ou de um sistema lógico ou matemático”14. Outra característica fundamental da axiomatização é deter, como requisito, a ausência de contradição. Embora seja possível concluir que submeter proposições e normas jurídicas seja sempre possível, há críticas em relação à possibilidade de haver um processo de dogmatização do direito, isto é, favorecer o surgimento de conceitos inquestionáveis nas ciências jurídicas.
Conquanto, esse receio não possui, hoje, um respaldo forte, visto que não é mais posto em evidência o caráter incontestável do conteúdo do axioma. Em razão disso, a escolha de preposições para serem submetidas à axiomatização refere-se muito mais a uma questão de conveniência do que de conteúdo. Outra consequência de uma implantação eficaz da axiomatização seria uma maior força por parte da área jurídica submetida a esse processo, isto é, poderá ocorrer uma resistência caso queiram alterar algo em sua estrutura.

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O jurista italiano Luigi Farrajoli criou, com o escopo de permitir um avanço dos direitosindividuais perante o Estado, reduzindo a ação deste no âmbito penal, o modelo garantista, o qual é fundamentado em dez axiomas. Em relação a essa organização Farrajoli afirma:
“Os axiomas garantistas- formulados pelas implicações em cada termo da série aqui convencionada e os termos posteriores- não expressão proposições assertivas, mas proposições prescritivas; não descrevem o que ocorre, mas prescrevem o que deva ocorrer; não enunciam as condições que um sistema penal efetivamente satisfaz, mas as que deva satisfazer em adesão aos seus princípios normativos internos e/ou a parâmetros de justificação externa. Trata-se, em outras palavras, de implicações deônticas, normativas ou de dever se, cuja conjunção nos diversos sistemas, que aqui se tornaram axiomatizados, dará vida a modelos deônticos, normativos ou axiológicos 15.”
Nessa perspectiva, Farrajoli visa estabelecer, ao utilizar axiomas, um norteamento substancial; garantindo, portanto, uma maior força para a defesa de sua teoria.
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È possível haver uma relação entre a possibilidade de se axiomatizar uma ciência jurídica e seu caráter de neutralidade, isto é, só poder existir a axiomatização caso o objeto a ser submetido a esse processo seja desprovido de valoração. Conquanto, essa teoria encontra falhas, visto que submeter proposições valorativas à axiomatização, aplicando a regra de transitividade, irá torná-las axiomas.
Considerar a axiomatização dodireito como motivo para o surgimento de uma jurisprudência de conceitos estritamente lógica provém do antigo conceito corrente de axiomatização, e não do atual teórico-cientifico. Os conceitos jurídicos sujeitos ao processo de axiomatizar são postos, de forma arbitrária, em uma lista de proposições. A determinação das normas dessa lista não é determinada pela axiomatização, mas são por ela ordenadas e pela tópica selecionadas.

4.3. Lógica formal e natural no saber jurídico.

A diferença primordial entre lógica natural e formal reside no fato de a primeira ser baseada no sentido comum, em uma visão de razoabilidade na conexão dos fatos, enquanto a segunda demanda um rigor cientifico. Conquanto, há teorias que negam a utilização estrita da lógica formal, por considerá-la incompleta, é o que ocorre na Teoria da Lógica do Razoável do filósofo do Direito Luis Recasens Siches.
“(…)a lógica tradicional ou físico-matemática não é adequada para tratar a vida humana nem seus problemas práticos, por conseguinte, muito menos para as necessidades jurídicas, entre as quais se apresenta a interpretação do Direito. (…) deve-se empregar um tipo diferente de logos, que tenha tanto respaldo como a lógica tradicional, se não superior a esta: deve-se trabalhar o logos do humano, a lógica do razoável, a qual é razão tanto quanto a lógica do racional, mas diferente desta.”16
Para Siches, a lógica formal não deveria ser negada,pois ela não está errada, e sim, incompleta, sendo integrante da lógica do razoável. Gustav Radbruch exemplifica bem o erro em se aplicar apenas a lógica formal como medida de interpretação das normas ao citar que em uma estação ferroviária na Polônia havia uma placa com o seguinte dizer: Proibida a passagem para a plataforma com cães. Nesse sentido, uma pessoa que passeava com um urso protestou ao ser retirada do local, afirmando que o que era proibido era andar na plataforma com cães. È evidente que ao utilizarmos o princípio estrito da lógica formal garantiremos que o dono do urso está com a razão, pois não há como incluir os ursos no conceito de cachorro.17 Assim, evidencia-se a razão de utilizar uma lógica que englobe mais do que os conceitos da lógica tradicional.
Um ponto importante que devemos salientar refere-se à aplicação indevida do termo lógico a questões jurídicas. Isso ocorre devido à ausência de uma formação cientifica por parte do individuo, assim, o sentido de lógica é utilizado como integrante do senso comum, da relação de harmonia, uma correlação de ideias simples que não implica no uso da lógica tradicional.
Na estrutura de uma proposição jurídica, saber se o que é dito tem aceitabilidade ou não, advém do campo do direito positivo, através da analogia com os axiomas, e não de uma consideração errônea de correlacionar a lógica formal às questões de conteúdo de uma norma. Essa oposição aplica-setambém ao uso do silogismo judiciário, pois o uso preponderante da estrutura lógica não pode ser usado como garantia de aceitação no âmbito jurídico.
Devemos analisar, portanto, o modo como as normas são impostas, se elas devem ser de fato categóricas ou detentoras de cláusulas de cautela, as quais enfraquecem a aplicação absoluta da normas lógicas gerais.
Com o intento de satisfazer o principio da universabilidade, o qual detém o escopo de garantir um tratamento igual para todos, é aplicada as normas jurídicas como normas lógicas gerais. Dessa maneira, o que for explicitado na norma, deve ser cumprido, com o intento de atingir esse fim. Conquanto, deve-se salientar que embora a norma possa afirmar, por exemplo, que “Todo assassino deve ser preso”, há casos onde isso não pode ser aplicado, a exemplo do fato de o assassino ser uma criança. Esse fato demostra a insuficiência da utilização de normas lógicas gerais como meio de fundamentação das decisões jurídicas. Assim, pode-se evidenciar a fragilidade de decisões jurídicas pautadas em cálculo de predicados.
No tocante às regras jurídicas, um assassino X não é punido porque todos os assassinos são punidos. X é punido porque lesou uma regra de conduta que tem como consequência jurídica a prisão.
Conclui-se que a subsunção jurídica fundamentada por silogismos não reproduz, de forma adequada, a estrutura da fundamentação jurídica, fato o qual não exclui apossibilidade de haver respeito às regras lógicas dentro da argumentação jurídica. Assim, é possível evidenciar certas regras da lógica atuando de forma obrigatória em algumas áreas das ciências jurídicas, a exemplo do principio da não-contradição, e, principalmente, no âmbito da argumentação.

5. Possibilidades de fundamentação lógica: ontológica e dialógica

A classificação da fundamentação da lógica é estruturada em dois grupos: o ontológico e o dialógico. O primeiro refere-se às leis lógicas fixadas no âmbito do objeto, enquanto o segundo encontra-se no domínio da compreensão intersubjectiva, referindo-se, pois, aos diálogos racionais.
A priori deve-se salienta o conceito de ontologia como o estudo daquilo que há, isto é, o estudo do ser enquanto ser. Existe a defesa de que a lógica clássica é fundamentada na ontologia de um mundo pronto, nesse sentido, no tocante ao âmbito jurídico, o direito já existiria a priori, sendo tudo regulado pela lei.
No caso da dialógica, sua fundamentação estabelece a correlação entre conteúdo e diálogo atreladas à interação entre sujeitos, para que sejam dotadas de um caráter de verdade ou falsidade.

6. Obrigatoriedade da lógica na argumentação jurídica.

O objetivo primordial da aplicação das normas jurídicas na sociedade é de garantir um equilíbrio das relações sociais, devido às divergências entre os indivíduos. Essas divergências existem não apenas na convivência social, mastambém na própria formulação e aplicação das normas. Dessa maneira, a importância da lógica formal é indispensável para a organização do discurso racional, de grande importância para a concatenação de ideias e das próprias normas.
Desse modo, Robert Alexy ressalta a importância do discurso jurídico ao afirmar que:
“[…] a necessidade do discurso jurídico surge da debilidade das regras e formas do discurso prático geral, que definem um procedimento de decisão que, em numerosos casos não leva a nenhum resultado e que, se leva a algum resultado, não garante nenhuma segurança definitiva”18.

Pode-se, dessa maneira, evidenciar a importância do ato de argumentar- tecer e expor argumentos-, o qual engloba não apenas a descrição dos argumentos que serão utilizados para dar respaldo ao que se pretende, mas também um encadeamento de questionamentos.19
Deve haver, portanto, uma participação de fundamental importância da lógica no âmbito da argumentação e do discurso jurídico, uma vez que, embora ela não seja adequada para o desenvolvimento da ciência jurídica, por não ter a capacidade de englobar todas as particularidades do direito sem contradição, seu uso é imprescindível para a formação do encadeamento do ato de argumentar.

7. Conclusão.

O intento de transformar o direito em uma ciência detentora de métodos de aplicação mais pragmáticos levou bastantes teóricos a tentar introduzir nessa ciência osmecanismos da lógica tradicional. No decorrer da história, à medida que mudavam as novas visões em relação à logica, surgiam novas tentativas de logificar as ciências jurídicas.
Do silogismo aristotélico até as teorias modernas de cálculo lógico – cálculo proposicional e de predicados-, o qual surge através da formalização, não houve uma adequação eficaz dos princípios e normas jurídicas aos diversos meios de constituir um logicismo formal. Segundo Chaim Perelman, esse fato é suficiente para “salientar a insuficiência, no direito, de um raciocínio puramente formal que se contentaria em controlar a correção das inferências, sem fazer um juízo de valor da conclusão” 20.
Embora na organização estrutural das ciências jurídicas haja muita controvérsias no tocante à formalização, devemos salientar a importância da lógica em um âmbito de fundamental importância para o fazer do Direito, a argumentação. Desse modo, os métodos formais servem para concatenar os argumentos e as normas, com o fito de proporcionar unidade às ciências jurídicas.

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