Juventude no Brasil

 

 

Embora seja impossível definir um conceito único de juventude, já que ele é determinado culturalmente, essa etapa de vida caracteriza-se em geral por ser criadora, renovando concepções culturais e políticas. Nos últimos anos, a juventude no Brasil tem mostrado que, apesar dos avanços socioeconômicos obtidos durante as últimas décadas, há ainda muitos desafios a serem enfrentados, como uma educação que promova o desenvolvimento integral dos jovens e o combate à violência contra a juventude. Este especial busca levantar alguns aspectos ressaltados pelos jovens em relação a esses desafios, por meio de pesquisas e análises de especialistas.

Melhoria na educação e combate à violência: desafios para garantir o desenvolvimento integral dos jovens no Brasil

Após 25 anos da retomada da democracia no país, o Brasil tem conquistado avanços socioeconômicos consideráveis: a inflação foi controlada e políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, foram estabelecidas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 1995 e 2008, 12,8 milhões de brasileiros saíram da condição de pobreza absoluta (caracterizada pela renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo por mês). Em relação ao trabalho e ao emprego, dados divulgados em abril pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a taxa de desemprego no país diminuiu, passando de 7,4%, em 2012, a 7,1%, em 2013.

Em paralelo a esse contexto, manifestações promovidas e fortalecidas por jovens mostram uma realidade não tão condizente com as informações mostradas pelos indicadores socioeconômicos. Desde o ano passado, milhares de jovens realizaram manifestações, em formas e ocasiões distintas, por transformações sociais e políticas, que incluem o direito à cidade. A questão posta é a seguinte: Por que, em meio a um Brasil com uma economia mais consolidada, com programas sociais que diminuem a pobreza e a miséria, grande parte da juventude brasileira reivindica direitos e mudanças?

Juventude e o direto à cidade

Diversas manifestações organizadas por
jovens de metrópoles brasileiras, como
São Paulo e Rio de Janeiro, mostraram que
a juventude quer ter cada vez mais o
direito à cidade.

As juventudes

Para entender os motivos pelos quais os jovens reivindicam transformações é preciso, primeiramente, refletir sobre o que é a juventude e como ela se situa no cenário brasileiro. As visões da sociedade sobre os jovens são múltiplas e, muitas vezes, contraditórias e sobrepostas.

O que muitos pensadores e especialistas no assunto concordam é que juventude é um conceito criado culturalmente. “A literatura sobre o tema da identidade juvenil mostra, em geral, a impossibilidade de uma definição concreta e estável sobre seu significado.

Cada época e sociedade impõem a essa etapa da vida fronteiras culturais e sociais que definem determinadas tarefas e limitações a esse grupo da população”, diz o relatório La juventud em Iberoamérica: tendencias y urgencias, publicado em 2004 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Em seu estudo Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais, a socióloga e coordenadora-geral de Políticas Setoriais da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), Helena Wendel Abramo, afirma que “a noção mais geral e usual do termo juventude se refere a uma faixa de idade, um período de vida, em que se completa o desenvolvimento físico de um indivíduo e ocorre uma série de transformações psicológicas e sociais, quando este abandona a infância para processar sua entrada no mundo adulto. No entanto, a noção de juventude é socialmente variável. A definição do tempo de duração, dos conteúdos e significados sociais desses processos se modificam de sociedade para sociedade”.

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O Programa Jovens Urbanos, na publicação Marcos conceituais e metodológicos, parte de teorias que concebem a juventude em sua pluralidade, logo, utilizam a expressão “juventudes”. “Diante dessa multiplicidade de significados, interpretações e debates que moldam o conceito juventude, é cada vez mais comum encontrarmos a reivindicação do uso do termo juventudes, que anuncia a necessidade de construir definições que reflitam a variedade de maneiras de viver e perceber a condição juvenil, incorporem a diversidade da realidade dos jovens e se formem a partir da sobreposição das dimensões individuais, sociais, culturais, políticas, econômicas”, descreve o documento.

Se é impossível entender o conceito de juventude como algo único, imutável no tempo e espaço, a faixa etária referente a ela tampouco possui uma única concepção. A ONU, por exemplo, define jovens como aqueles que têm entre 14 e 24 anos. O Estatuto da Juventude, em vigor desde janeiro de 2014, propõe que se considere como jovem as pessoas com idade entre 18 e 29 anos.

Ainda com múltiplas definições de conceito e faixas etárias, as juventudes têm um papel importante na sociedade. De acordo com o artigo O Estatuto da Juventude – Instrumento para o desenvolvimento integral dos jovens, escrito pelo professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Jorge David Barrientos-Parra, “sabe-se que as juventudes destacam-se pelo seu posicionamento diante da vida: por serem criadoras, acabam por renovar concepções artísticas e políticas, negando e opondo-se aos conceitos vigentes”.

Nos últimos anos, os jovens no Brasil têm mostrado que, apesar dos avanços socioeconômicos obtidos durante as últimas décadas, há ainda muitos desafios a serem enfrentados no país, como uma educação que promova o desenvolvimento integral dos jovens e o combate à violência.

 

Desafios: violência e discriminação

De acordo com a Agenda Juventude no Brasil – Pesquisa Nacional sobre Perfil e Opinião de Jovens Brasileiros – 2013, realizada pela Secretaria Nacional de Juventude, entre os temas que mais preocupam os jovens hoje, destaca-se a violência, citada por 43% dos entrevistados.

“Os jovens, de modo geral, não são apenas alvo mais frequente da violência urbana, principalmente nas periferias das cidades, como também são vítimas indiretas da violência que atinge um familiar ou alguém do seu convívio. De acordo com o estudo, 51% dos jovens entrevistados já perderam uma pessoa próxima de forma violenta. Sabe-se que, no Brasil, a violência letal tem cor, renda e território. Assim como a taxa de homicídios revela que a violência atinge muito mais a jovens negros, a experiência de perder alguém próximo também os afeta mais intensamente: entre os mais jovens entrevistados, foram os pretos e pardos os que relataram em maior proporção a experiência de perder alguém próximo de forma violenta: 54% entre pretos e pardos, 45% entre brancos”, diz a pesquisa.

No Mapa da Violência, publicado em 2012, a taxa de homicídios entre crianças e jovens com idades entre 15 e 19 anos cresceu 375,9% nas últimas três décadas. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos países com os maiores índices de homicídio contra essa população, registrando 44,2 casos a cada 100 mil jovens de 15 a 19 anos.

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De acordo com Helena Abramo, a partir desse diagnóstico, o tema da violência se torna uma questão central na formulação de políticas para a juventude. “Na resolução dos conflitos que assolam os jovens brasileiros, foi convocada a 1ª Conferência Nacional de Juventude, que estabeleceu 22 prioridades da Política Nacional de Juventude, sendo a proteção da juventude negra a prioridade número um. Assim, a Secretaria, junto com a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial(Sepir), elaboraram o Plano Juventude Viva, no intuito de enfrentar a violência contra a juventude, especialmente contra os jovens negros. Esse Plano se dá por adesão de estados e municípios, articulando uma série de ações ministeriais na promoção da inclusão de jovens nos territórios mais violentos”, conta.

No município de São Paulo, por exemplo, a adesão ao Plano se deu por meio de uma ação intersetorial, reunindo várias secretárias, mas liderada pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, por meio da Coordenadoria da Juventude.

Educação: no meio do caminho para o desenvolvimento integral

Se a questão da proteção dos jovens negros foi a primeira prioridade da Política Nacional de Juventude, a segunda diz respeito à educação integral. “Destinar parte da verba da educação no ensino básico para o modelo integral e pedagógico dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)”, diz o texto.

Segundo a pesquisa feita pela Secretaria Nacional de Juventude, a educação é o quarto tema que mais preocupa o jovem hoje, sendo citada por cerca de 23% dos entrevistados, ficando atrás de saúde (26%); emprego (34%) e violência (43%).

“O jovem de hoje vive num ambiente mais favorável do que o jovem da década passada. Atualmente, há mais jovens no Ensino Médio e no Ensino Superior; ou seja, houve uma democratização do acesso à educação. Em seis anos (2007 a 2012), dobrou o número de jovens de família de baixa renda com Ensino Médio completo, por exemplo. Ainda é pouco, mas devemos considerar esse aumento, pois em 2006, havia 15%, e hoje temos 30% desses jovens com Ensino Médio completo graças aos investimentos em educação e às políticas públicas de inclusão, como o Enem, o Prouni, as políticas de cotas, entre outros fatores. Conclusão: atualmente temos uma geração de jovens mais escolarizada”, diz Abramo.

De acordo com Raquel Souza, assessora da área de juventude da ONG Ação Educativa, ainda que se tenha avanços nas políticas públicas de educação relacionadas aos jovens, permanecem desafios. “A educação oferecida à juventude materialmente desfavorecida é precária, sem investimentos capazes de criar escolas com materiais e recursos tecnológicos, bibliotecas e laboratórios. A escola parece mais acessível ao jovem, mas pouco interessante, porque há outras experiências que competem diretamente com ela: a rua, os bares, os movimentos juvenis etc.; ou seja, há uma oferta educacional ampla, mas que não é interessante. A juventude não encontra sentido e significado na escola atual”, conta.

Outro fator relatado por Souza é o maior interesse dos jovens em cursar o Ensino Superior, em detrimento da falta de infraestrutura para a escolha da área de formação. “No nosso trabalho, na Ação Educativa, com jovens de Ensino Médio, percebemos que pouco se fala sobre isso. Quando o jovem termina o Ensino Médio, que caminho irá seguir? Esse assunto não faz parte da discussão da escola pública de Ensino Médio no país. E isso é muito grave, pois de acordo com indicadores sobre o tema, há uma inversão quando o jovem completa 18 anos; ou seja, é a idade em que ele começa a se dedicar apenas ao trabalho, diferentemente de quando está na faixa etária entre 15 a 17, período em que apenas estuda, ou trabalha e estuda ao mesmo tempo. A passagem dos 17 para os 18 anos é fundamental, pois marca essa inversão. Por isso, as escolas de Ensino Médio devem enfatizar essa discussão, pois é nesta etapa da vida que o jovem passa por um momento de transição, respondendo aos seus atuais anseios: quais são as universidades públicas do meu estado? O que são cotas raciais? Onde e como procurar emprego? O que são direitos trabalhistas?”, afirma.

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