Humanidade e o Progresso

 

Humanidade e o Progresso

Os últimos séculos foram períodos excepcionais, onde a ciência e técnica surpreenderam e revolucionaram as estruturas sociais, acompanhados de grandes contradições. Os avanços tecnológicos, científicos e sociais cresceram paralelamente com recuos e crises sociais, ecológicas e ético-morais. O mundo sem fronteiras – globalizado – fora construído na construção de outras novas fronteiras, mais sutis – microfísicas diria Foucault – e eficientes.

O progresso faz parte da concepção tradicional de história, que enxerga um caminho unívoco para a humanidade: o caminho da evolução das ciências e tecnologias. Os homens, se libertando das amarras míticas tradicionais da Idade Média, abraçou os paradigmas “evolutivos”, que lhe trouxeram uma aparente superioridade e hegemonia sobre as coisas do mundo, dando-lhe um sentido acabado totalizante.

A visão evolucionista-progressista fora estabelecidas, no século XIX, pelas ideias que suscitaram a partir das concepções biológicas de Charles Darwin, o qual postulou a Teoria da evolução das espécies no livro Origem das espécies – ou “Sobre a origem das espécies através da seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida”. Aplicou-se esta abordagem tanto nas Ciências Humanas – Linguística, Sociologia, Historiologia, Filosofia – quanto na própria natureza espiritual do Homem, abordada em algumas filosofias religiosas.

A política, também enveredou-se por este caminho. Segundo o filósofo político (da época) Thomas Hobbes o Estado-Nação, como organização social, foi o símbolo do progresso.

Posteriormente, muitos teóricos, através de estudos comparativos com povos tradicionais (em especial os ameríndios e os africanos), tentaram demonstrar cientificamente a suposta superioridade da civilização ocidental-europeia, devido ao desenvolvimento técnico-cientifico, e à racionalização (burocrática/administrativa/tecnológica) do poder, até então não identificada em outros povos. Assim, as ditas “Sociedades sem Estados” (Clastres) foram e são relegadas e submetidas ao processo de “civilização” por serem consideradas primitivas e não estarem ‘no caminho do progresso.”

Neste contexto, a racionalidade iluminista concebe ao progresso técnico científico e à racionalidade burocrática a força motriz da evolução da humanidade – projetando estes elementos no mito fundador da modernidade. O mito iluminista é como o mito religioso no sentido de encontrarem “(…)suas raízes nas mesmas necessidades básicas : sobrevivência, auto conservação e medo”( Olgária Matos, 1987).

Até hoje, o mito da modernidade persegue o objetivo de libertação humana e de investir no homem o esclarecimento (o conhecimento e domínio técnico-cientifico) para alcançar a posição de senhores do mundo natural, e porque não social.

Mas, esse processo carrega em si características contraditórias inerentes da racionalidade iluminista. Como a própria história nos mostra, a auto conservação e a libertação do homem estão caminhando junto com a autodestruição e a dominação. Vide acontecimentos dos períodos de Guerras e Pós-guerras: ameaça nuclear, intensificação do aquecimento global, degradação de “recursos” naturais e etc.

Isso faz valer a revelação de Theodor Adorno: (…) “a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal”, perdendo sua totalidade, por meio da separação do sujeito do objeto e limitando-se ao reducionismo técnico e totalitário. Walter Benjamin, grande crítico da modernidade, afirma ainda, ser o progresso fundado na catástrofe. Acentua em sua teoria crítica da história mais o sentido regressivo, principalmente no espírito humano, do que progressivo, constatando, como Karl Marx, o processo de reificação (coisificação) intensiva do ser humano nas relações sociais de produção e o empobrecimento nas experiências humanas , baseado na troca do ser pelo ter.

Ambos reconhecem os avanços das ciências e do conhecimento, mas recusam obstinadamente o mito de um progresso entendido como resultado imanente da dedicação de cientistas nos laboratórios em suas pesquisas para as grandes corporações multilaterais; do aumento da capacidade produtiva; da intensificação da economia globalizada; da criação de redes globais em tempos reais; da falsa noção de dominação sobre a natureza e etc. Benjamin fala de dois perigos do uso da tecnologia no capitalismo: a produção de armamentos e destruição da natureza, e hoje podemos acrescentar o desenvolvimento da biotecnologia e da engenharia genética.

A expressão progresso desperta quase que automaticamente no imaginário social somente os aspectos positivos e uma falsa noção de bem-estar equitativo. Diariamente na mídia são anunciados os fantásticos fenômenos e descobertas da microbiologia, da nanotecnologia, da biogenética, da robótica, da comunicação, juntamente com a promessa de cura para doenças incuráveis, e prolongamento e qualidade de vida. Vislumbrando-nos, inegavelmente, com o espetáculo científico, lembrando da Sociedade do Espetáculo preconizada por Guy Debord.

O importante é observar a ausência de reflexão e de conscientização sobre os riscos reais do tipo de desenvolvimento humano que estamos inseridos, que é ofuscado do imaginário social, quando aliado à racionalidade e à interesses dominantes, conduzindo-nos a um movimento contrário do que esperamos.
Atualmente a mídia constrói em torno do conceito progresso um modelo econômico a ser venerado e seguido. O mercado é sinônimo de progresso, e esta ideia, ao contrário do que se desejava no começo do Iluminismo, o Estado deve ser mínimo. Isto desestabiliza a relação Estado-Sociedade para a fortificação da relação Mercado-Progresso e Sociedade.

Por isso, hoje vivenciamos uma crise de legitimidade institucional e representativa das instituições políticas, que coloca a sociedade civil à deriva de representantes com interesses adversos, alargando ainda mais os problemas ético. O filósofo alemão Jurgüen Habermas no livro Técnica e ciência como ideologia constata que a ideologia do progresso técnico-científico estabeleceu um processo de despolitização da sociedade, enfraquecendo sua função política. A política fora reduzida a responder às necessidades funcionais do sistema socioeconômico dominante.

Assim, seja nos discursos elitista ou de agentes institucionais da política e da economia, o progresso implicará:

– Crescimento físico-material: grandes infra estruturas, aumento na quantidade de produtos produzidos, extensão das áreas de produção;

– Esclarecimento: avanços das ciências naturais – tecnológicas;

– Globalização técnico-cientifico-informacional.

Este é o tripé do ideal neoliberal que fatalmente traz consigo as desigualdades socioeconômicas; mas, fundamentalmente necessária para auto reprodução ideológica e manutenção do atual sistema sócio-político. Dissolve o Estado passa submeter a sociedade aos ditames do mercado, desta forma, o progresso se torna uma verdade-mito, sempre reformulada, a ser prescrevida, transformado em discurso hegemônico.

Há de reconhecer que os novos paradigmas aparecem em função disto, – como o Saber Ambiental-; a ciência e a tecnologia são precárias e insuficientes para abarcar as consequências deletérias para a sociedade e ambiente, que tem como causa primeira as relações de dominação do homem sobre a natureza, como bem adverte Walter Benjamin, dizendo ainda que a libertação do homem deva preceder a libertação da natureza. As transformações, mais éticas, nos usos sociais da ciência e da tecnologia possivelmente levarão às mudanças substantivas nas relações sócio ambientais e de trabalho. Considerando, neste último caso, que a degradação e a intensificação do trabalho é pari passu com o desenvolvimento da tecnologia.

Vê-se que a problemática centra-se não no progresso ou na ciência-tecnológica em si, mas na racionalidade (forma) que é conduzido os processos sociais. O que faz o homem destruir a si mesmo, senão a falta de reflexão e domínio sobre sua razão . Quanto mais razão se evoca, mais desejos e pseudos necessidades são injetados nos indivíduos.

Benjamin coloca a ciência e a tecnologia não como algo a ser tratado somente pelas Ciências Naturais ou tecnológicas, e sim como algo associado, inalienavelmente, às Ciências humanas. A questão progresso versus ambiente é um fato sociológico e histórico, com agentes sociais transformadores no tecido social, e por isso reclama por estudos e reflexões de caráter social-filosófico (principalmente da filosofia moral).

Nessa sociedade, em que o conhecimento visa domínio técnico “como fazer”, em detrimento do saber e do “porque fazer”, dificilmente servirá para guiar a ação moral dos indivíduos.

A conduta ética hoje, parte da necessidade da reflexão sobre os (des) caminhos do progresso, de reforma epistemológica e moral, que reabilite os princípios de responsabilidade.

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