Há 200 anos, doença de Parkinson era descrita pela primeira vez

 

Conheça a história maluca do médico que descobriu fósseis, organizou uma emboscada para matar o rei e publicou os registros iniciais da enfermidade

Dia Mundial de Conscientização da Doença de Parkinson

O problema é marcado pela diminuição na quantidade de dopamina no cérebro, substância que controla nossos movimentos (Ilustração: Erika Onodera/SAÚDE é Vital)

A vida de James Parkinson foi tudo, menos tediosa. Nascido em 1755 numa família de classe média alta em Londres, na Inglaterra, ele se formou médico e trabalhou como clínico-geral durante muito tempo. Porém, seus primeiros anos de carreira são marcados mais por sua militância política do que sua atuação profissional. Inspirado pelas ideias da Revolução Francesa que acabara de ocorrer, ele publicou mais de vinte panfletos exigindo mudanças drásticas na sociedade e na política britânica. Utilizando o pseudônimo de Old Hubert (O Velho Hubert), defendia a presença popular no parlamento e o voto universal.

De seus anos rebeldes, um episódio chama atenção: há suspeitas de que ele tenha participado de uma conspiração para matar o Rei George III, conhecido como “louco” nas rodas de conversa. O plano era atingir o monarca com um dardo envenenado, provocando uma convulsão social capaz de abalar a sociedade. O estratagema não foi para frente, até porque muitos dos insurgentes foram presos ou degredados para a Austrália, uma então colônia inglesa. Apesar de ser convocado para averiguações, nosso personagem saiu ileso.

Uma das raras imagens do médico inglês James Parkinson  Uma das raras imagens do médico inglês James Parkinson

Uma das raras imagens do médico inglês James Parkinson (Wikimedia Commons/)

Em sua área de formação, o doutor James foi o primeiro a identificar a apendicite — a inflamação daquele rabicho que fica na extremidade do intestino grosso — como potencialmente mortal caso não fosse tratada rapidamente. Alguns anos depois, Parkinson escreveu um artigo intitulado An Essay on The Shaking Palsy, algo como “Um Ensaio sobre a Paralisia Agitante”, em que descreve as características de seis pacientes que apresentavam como sintoma uma tremedeira constante.

Esse foi o primeiro documento da história da medicina a abordar a doença que leva seu sobrenome — inclusive, os critérios de diagnóstico pouco se alteraram de lá para cá. O texto científico foi publicado no dia 11 de abril de 1817, há exatos 200 anos — pelo trabalho pioneiro, hoje é comemorado o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença de Parkinson.

Primeira página do primeiro artigo que caracterizou a doença de Parkinson  A capa do primeiro artigo que caracterizou a doença de Parkinson

A capa do primeiro artigo que caracterizou a doença de Parkinson (Wikimedia Commons/Divulgação)

Você acha que o médico inglês passou toda a sua vida sem receber os méritos pelo seus esforços? Bem, a resposta para essa pergunta é sim e não. James ganhou uma medalha de ouro do Colégio Real de Cirurgiões, uma das instituições mais reputadas da Grã-Bretanha. Mas a homenagem, infelizmente, nada tinha a ver com seu artigo sobre a enfermidade. A honraria foi concedida por conta de seu trabalho como paleontólogo e geólogo.

É que ele tinha um interesse especial por criaturas do passado e publicou estudos sobre “hienas que tinham o tamanho de um urso” e “animais marinhos enormes”. Quando Charles Darwin ainda estava na escolinha e a Teoria da Evolução nem passava por sua cabeça, Parkinson já havia fundado a Sociedade Geológica de Londres. Aliás, sua fama científica enquanto esteve vivo foi mais relacionada a seu hobby na história natural do que propriamente no ofício da medicina.

Ilustração de um megatério, criatura gigantesca que viveu há 20 mil anos, feita por James Parkinson para seu livro "Restos Orgânicos de um Mundo Antigo"  Ilustração de um megatério, criatura gigantesca que viveu há 20 mil anos, feita por James Parkinson para seu livro “Restos Orgânicos de um Mundo Antigo”

Ilustração de um megatério, criatura gigantesca que viveu há 20 mil anos, feita por James Parkinson para seu livro “Restos Orgânicos de um Mundo Antigo” (Wikimedia Commons/Divulgação)

O ensaio original de James, então, passou praticamente despercebido pela sociedade. Ele morreu aos 69 anos, após um acidente vascular cerebral. O médico e seu artigo só foram lembrados pra valer cinco décadas depois, quando o neurologista francês Jean-Martin Charcot resolveu pesquisar a “paralisia agitante” e renomeou o quadro para doença de Parkinson, como é conhecida nos dias de hoje.

Dois séculos depois…

Passados 200 anos de tantas aventuras, o conhecimento sobre a condição avançou bastante. Sabe-se, por exemplo, que o quadro está ligado à morte de células do cérebro responsáveis por produzir a dopamina, um neurotransmissor que controla nossos movimentos. Também são aceitos dois tipos distintos do problema: o primeiro, caracterizado pela tremedeira, e um segundo, marcado pela rigidez muscular progressiva.

O tratamento atual inclui drogas que tentam estancar a perda de dopamina na massa cinzenta. Além disso, psicoterapia e fisioterapia auxiliam tremendamente. Há casos em que é possível instalar eletrodos na cabeça que estimulam a função motora. Dispositivos como luvas que limitam os chacoalhões nas mãos e colheres que compensam a falta de estabilidade ajudam. Veja mais detalhes sobre a doença nesse vídeo que fizemos para a série “SAÚDE em 90 Segundos”:

Mas ainda é pouco. Com o tempo, as terapias deixam de funcionar e não há muita coisa que possa ser feita para aliviar o sofrimento do paciente. Existem diversas pesquisas de novos medicamentos, mas nada que esteja perto de revolucionar o panorama atual. Uma das grandes apostas está em descobrir o Parkinson em seus estágios iniciais, antes de os sintomas aparecerem. Isso envolveria testes genéticos, especialmente aplicados a indivíduos com histórico familiar da condição.

 

Eu acompanhei a doença de perto. Meu avô Manoel Gomes foi diagnosticado com a enfermidade em 2003, aos 75 anos, após levar um tombo na rua enquanto voltávamos para casa de umas compras no supermercado. Ele não tremia, mas sofria com o enrijecimento nas pernas e andava bem devagar. Os dias em que, porventura, não tomava aquele remédio que aumenta a disponibilidade de dopamina no cérebro, simplesmente não conseguia parar de pé. Ele faleceu dois anos depois em decorrência de outras causas — felizmente, o quadro não tinha progredido a ponto de acometer outras de suas funções corporais.

Essa minha história particular é apenas uma de um universo de 4 milhões de pessoas que vivem no mundo com a mesma doença e precisam enfrentar, dia a dia, todos os seus desafios. Ter um data para homenagear e falar sobre o tema é mais do que justo e necessário.

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