ESCRAVOCRATAS, ABOLICIONISTAS E O TERROR NEGRO.

CENTRO DE ENSINO UNIFICADO DE BRASÍLIA – CEUB

FACULDADE DE FILOSOFIA – FAFI

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA – HISTÓRIA DO BRASIL II

PROFESSOR – DELMO

ESCRAVOCRATAS, ABOLICIONISTAS E O TERROR NEGRO.

Por:

CRISTIANA MORENO CARLOS

EDSON DE OLIVEIRA CARDOSO

ÍNDICE

INTRODUÇÃO…………………………………………..03

ESCRAVOCRATAS……………………………………05

ABOLICIONISTAS………………………………………08

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………….11

BIBLIOGRAFIA…………………………………………..12

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas do século XIX o Brasil passou por profundas mudanças a nível econômico e social. O progresso contínuo da produção cafeeira para o mercado exportador gerou um aumento significativo da renda nacional o que contribuiu para o florescimento da indústria manufaturada e também para o desenvolvimento urbano. Por outro lado, as pressões inglesas para o fim do tráfico de escravos, e a vinda de imigrantes europeus, fez surgir grupos interessados na liberação da mão- de- obra escrava, visto que esta representava entraves ao modelo econômico capitalista. Dentro dessa perspectiva o movimento abolicionista toma força, e passa a ser o motivo de debates inflamados e lutas aguerridas motivadas por dois segmentos específicos: os escravocratas e os abolicionistas. Todos dois tinham argumentos e ideais com sentidos diferenciados, mas em um ponto pensavam iguais, temiam a participação do escravo ao progresso de libertação. O temor de que a participação do negro pudesse desencadear uma revolta sanguinária, trouxe a necessidade de deixar a margem do progresso justamente aqueles que eram os maiores interessados no mesmo.

O presente estudo tem como meta analisar os argumentos contra ou a favor da abolição defendidos pelos dois segmentos citados, e perceber dentro desses argumentos o medo existente caso os escravos tomassem as rédeas do processo. Será abordado também a atuação de uma pequena facção de abolicionistas que tomaram atitudes radicais destoando-se, desta forma, dos outros segmentos. Esta facção ao se unir com os negros escravos colocaram em “cheque” as últimas resistências ao fim do escravismo. Durante o trabalho, algumas pessoas serão citadas pela sua participação no movimento, entretanto, a figura de Luís Gama terá um destaque especial , devido a sua condição de ex-escravo que lutou durante toda a vida pela libertação dos seus irmãos. A atuação desse personagem derruba a tese de que o negro foi um agente passivo da sua libertação. O negro lutou tanto dentro da lei como fora dela, se a historiografia nega essa atuação isso deve à necessidade de mostrar que a abolição foi um gesto magnânimo de uma elite letrada, humana e branca, procurando dessa forma esquecer que a abolição é apenas uma remodelagem de um sistema opressor que teve início no século XVI e que até hoje não conheceu o seu fim.

Desde a Lei Eusébio de Queiros, que estabelecia medidas para a repressão do tráfico de escravos, até 1888 quando foi promulgada a lei áurea correram 38 anos. Durante esse tempo outras leis, que serão abordadas mais à frente foram feitas. Entretanto todas elas tinham um caráter paliativo, isso representa que foram os membros moderados e conservadores que conduziram esse processo. Por outro lado, isso não diminuiu o papel dos abolicionistas que, sem sombra de dúvidas, tiveram uma presença ativa , guerreira e sempre com espírito de luta.

ESCRAVOCRATAS

Devido as pressões inglesas o tráfico de escravos foi proibido no Brasil, a partir de 1850 todos os negros que chegassem nos portos brasileiros estavam automaticamente “livres”. Essa lei, apesar do avanço, não atingia a classe escravocrata devido ao grande número de escravos já existente internamente. Essa classe era representada principalmente pelos grandes fazendeiros da região sudeste, que tinham no café a sua estrutura econômica. No Nordeste as crises e secas ocorridas durante a Segunda metade do século, torna a mão- de-obra escrava altamente prejudicial e por isso começa a desenvolver um intenso tráfico interno no sentido norte-sul.

A década de 60 representa a retomada da luta abolicionista. As pressões internacionais, a guerra civil americana, o idealismo dos jovens universitários pressionam o império para uma tomada de atitude, e esse responde com a promulgação da Lei do Ventre Livres em 1871.

O sentido moderado dessa lei está explicito no artigo 1 , inciso 1º , quando diz que: “os ditos filhos menores ficarão em poder e sob autoridade dos senhores de suas mães , os quis terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho dos escravos a esta idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei…” ( HISTORIA DOCUMENTAL DO BRASIL. Terezinha de Castro. Record pág. 216).

O grande romancista e escravocrata José de Alencar, afirmou que a liberdade dos filhos das escravas agredia o direito da prosperidade, pois o mesmo era garantido em toda a sua plenitude pela constituição do império e respeitado por todas leis existentes[1] . Almeida Prado achava que o projeto era de inspiração comunista. Apesar dessas vozes contrárias, não se pode negar que tal lei foi uma vitória escravocrata, visto que o Estado indenizaria a classe senhorial, caracterizando assim, o direito de propriedade tão defendido e por outro lado, garantiria mais uma sobre – vida do regime servil.

Os escravocratas passaram a pregar que com as duas leis já promulgadas, não teria mais sentido novas discussões sobre o fim da escravidão. Para eles a escravidão acabaria naturalmente em decorrência do fim do tráfico e da liberdade concedida aos filhos das escravas. Também afirmavam que a escravidão era um mal necessário, e o braço negro, por enquanto, insubstituível. O cativo desfrutava de condição melhor que o trabalhador livre, gozando de alimentação, vestimenta e proteção do senhor, nunca sendo abandonado na enfermidade ou na velhice. Essa visão idílica é repetida por Arthur Ramos quando afirma que a vida do negro foi até um certo ponto amenizada pela ternura com que ele foi recebido pelos senhores e sinhás[2] .

Esse novo discurso esconde o temor de que a abolição desorganizasse a economia com a queda da produção cafeeira e gerasse uma instabilidade política que poderia resultar em um levante civil, ou pior, uma revolução negra.

Os escravocratas sabiam que a abolição viria, porém, procuraram de todas as formas protelar esse fim. Tinham do seu lado a grande imprensa, o dinheiro e de certa forma a atitude dúbia do governo e do imperador. Eles conseguiram mais uma vitória com a Lei dos Sexagenários. Primeiro porque eram poucos os escravos que chegavam aos 60 anos de idade, e em segundo por aqueles que atingiam esta faixa etária já não produziam nada, portanto, isso representava, no fundo, um encargo a menos para os escravocratas.

Entretanto, a década de 80 trouxe núvens negras no horizonte. O movimento abolicionista recrusdeceu. Pronunciamentos incendiários exaltaram os corações, grupos abolicionistas organizavam fugas, escravos incendiavam fazendas e matavam fazendeiros, e o golpe mortal, o exército se negava a perseguir escravos fujões. Os proprietários tentaram reagir, montaram milícias, entraram com processos contra os abolicionistas, contrataram capangas para assassinarem agentes incitadores, porém tudo foi em vão.

Nesse quadro surgiu um grupo, os emancipacionistas, que dotados de uma visão mais ampla que os escravocratas, perceberam que era impossível deter o “rolo compressor” abolicionista, portanto, esse grupo passou a lutar para que o direito sobre a propriedade fosse reconhecido e que fosse pago uma indenização para compensar as “perdas” dos proprietários. Entretanto, a comoção social era imensa, as agitações urbanas e rurais atingiram tal nível que os proprietários passaram a ver somente duas saídas: aceitar a abolição como o trono queria, ou corriam o risco de ver a abolição sendo feita pelos próprios escravos, através de medidas radicais, como a invasão de terras senhoriais. Não é preciso dizer qual foi a escolha.

Enfim, mudaram a superfície conservaram a essência. A economia continuou a funcionar sem prejuízo para as elites. E essas conduziram o processo abolicionista mais ou menos como queriam, porém não há como negar que o terror negro estremeceu as bases de uma estrutura de quase quatro séculos de duração.

ABOLICIONISTAS

Em 1821, no livro Memória[3], Maciel da costa dizia que a escravidão ofendia o direito do homem e punha em risco a segurança do Estado ao Provocar tensões irremediáveis entre senhores e cativos. No final da década de 60 surgiu um ardente grupo de abolicionistas, que de maneira legal ou não, vão ter influência marcante no processo de superação da mão-de-obra servil, e suas idéias são mais ou menos parecidas com as de Maciel da Costa. Um desses representantes, Joaquim Nabuco, condensou de maneira geral o pensamento dos seus membros. Para eles a escravidão era danosa à nação, porque “impossibilitava o seu progresso material, corrompe-lhe o caráter, desmoraliza-lhe os elementos constitutivos tira-lhe a energia e a resolução, rebaixa a política[4]” e também impede a imigração, desonra o trabalho manual, retarda a aparição das indústrias, desvia os capitais de deu curso natural, afasta as máquinas, excita o ódio entre as classes, etc… Para Joaquim Nabuco os escravos mesmo no útero, já apanhavam através das surras que suas mães levavam. As idéias desse grupo mostravam preocupações econômicas e sociais, e também uma vontade de humanizar aqueles que sempre foram vistos como inferiores. Apesar do ímpeto com que se dedicaram a causa, eles tiveram a princípio uma atitude moderada, sempre agindo dentro das regras estabelecidas, e isso, de certa forma foi fundamental para uma acomodação com a proclamação da Lei do Ventre Livre, visto que, num primeiro instante os abolicionistas enxergaram nessa lei uma vitória.

Dentro desse grupo surgiram pessoas de grande bravura e força de vontade, entre os quais podemos citar, além de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, Rui Barbosa e Luís Gama, que por sua condição de ex – escravo, merece uma abordagem em especial.

No dia 24 de Agosto de 1882, morreu Luís Gama, Raul Pompéia fez a seguinte descrição sobre o enterro: “Na necrópole do consolação, já aos primeiros raios da lua, comprimia-se uma multidão imensa no qual se misturavam, confundidos e irmanados na mesma dor, todos os elementos da população, desde pobres escravos e libertos, até os mais graduados representantes do mundo social. Na profunda tristeza daquela massa humana, onde muitos soluçavam, naquele lugar, àquela hora, tinha-se a trágica impressão de que qualquer coisa de encerrado e atrozmente irreparável…”( A Abolição da Escravidão. Suely R. R. de Queiroz. Brasiliense SP, 1981, pág. 59.)

Sumia um dos maiores abolicionistas. Um homem que dedicou toda sua vida à libertação dos seus irmãos. Um homem que nasceu livre, filho de uma negra escrava malê, revolucionária, com um português. Foi vendido como escravo pelo pai, fugiu do cativeiro e passou a se dedicar á advocacia. Em uma carta dirigida para um amigo, Luís Gama afirma que a sua luta consiste em “ … promover processo em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas e auxiliar licitamente, na medida dos meus esforços, alforrias de escravos, porque detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os reis…( ).

( ) … sai para o fóro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes, e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tendo arrancado as garras do crime” ( História Documental do Brasil. Pág. 223/224) Luís Gama conseguiu libertar em torno de 1000 escravos. Pode parecer pouco, mas com certeza os efeitos psicológicos da sua atuação forma imensos, despertando o temor entre os senhores escravistas.

Com a morte de Luís Gama, surge Antônio Bento, advogado rico, porém um abolicionista fanático, que vai dar uma nova face aos movimento: o radicalismo. Ao contrário dos moderados, esse grupo, devido a inflexibilidade dos escravocratas, vai partir para a ação revolucionária. Montam uma vasta rede de proteção ao escravo fujão. Incentivam os incêndios de plantações. Criam um quilombo para servir de abrigo aos escravos. As ações de Antônio Bento são extremadas a ponto de o mesmo chegar a promover a fuga de escravos da fazenda de sua irmã em Rio Claro. A união dos escravos com os radicais deixa em polvorosa a classe escravocrata. A revolução negra é algo inaceitável, portanto, só resta uma saída, aceitar a abolição.

Não resta dúvida de que a atuação dos abolicionistas foi de grande ajuda para acabar com a escravidão, porém, tanto os moderados, quanto os radicais, tinham algo em comum com os escravocratas: o temor de que o negro tomasse frente no processo emancipatório. Um exemplo disso é o que diz Joaquim Nabuco no livro O Abolicionismo: “a propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos. Seria uma covardia, inepta e criminosa, e além disso, um suicídio político para o partido abolicionista, incitar à insurreição ou ao crime, homens sem defesa e que a Lei de Linch, ou a justiça pública, imediatamente haveria de esmagar.” E para justificar tal afirmação ele diz que isso seria “suicídio político porque a nação inteira, vendo uma classe, e é essa a mais influente e poderosa do Estado, exposta à vingança bárbara e selvagem de uma população mantida até hoje ao nível dos animais cujas paixões, quebrando o freio do medo, não conheceriam limites no modo de satisfazer-se, pensaria que a necessidade urgente era salvar a sociedade a todo custo por um exemplo tremendo e este seria o sinal de morte do abolicionismo. “Ou seja, para Nabuco, os negros, bárbaros e selvagens, seriam incapazes de lutar, mas no fundo o medo de Nabuco são as possíveis consequências que pode sofrer a classe poderosa do Estado, da qual ele faz parte, portanto, nada mais correto do que manter as discussões longe das senzalas.

Mesmo entre os radicais, o controle sobre a atuação negra existe. Exemplo é a criação do quilombo de Jabaquara, em são Paulo, par onde se dirigiam os negros fujões. Esse quilombo foi organizado por políticos contrários à escravidão, e o seu líder foi nomeado por esses mesmos políticos, portanto a liderança do quilombo ficou subordinado à ideologia dos abolicionistas, e isso representa que os negros habitantes do mesmo, não tinham nenhum tipo de interferência na administração do quilombo.

Em síntese, se por um lado os abolicionistas desejavam, por questões ideológicas ou pragmáticas o fim da escravidão, por outro, não queriam que os próprios escravos participassem do processo emancipador. Portanto, não resta dúvida de que o processo foi dirigido e controlado pelas elites, e quando as confusões atingiram um nível perigoso, essa promulgaram a abolição “ perdendo dos dedos, mas conservando os anéis”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por que as elites tinham medo de que os negros assumissem o processo abolicionista? A história a responde. Em todos os movimentos, seja na colônia ou império, lá estava a figura negra participando ativamente. Em todas as revoltas comandadas pelos negros, havia um grande grau de organização, desmistificando a visão elitista de que o negro era incapaz. Palmares foi o maior exemplo. O negro nunca aceitou a sua condição, fugas, assassinatos de senhores, motins, rebeliões, sempre fizeram parte da história da escravidão. A abolição geralmente é vista como obra de um grupo específico cheio de sentimentos nobres, porém, aceitar essas visões de maneira tão simplista representa negar toda uma luta de quase quatrocentos anos. O escravo sempre lutou contra a escravidão usando os meios que fossem possíveis, e se não lograram êxito isso se deve a brutal repressão comandada pelos escravocratas e não por incapacidade como pregavam alguns abolicionistas.

O nosso trabalho não visa diminuir o papel dos abolicionistas, afinal, os mesmos forma fundamentais no processo, mas sim, colocar em evidência aquele que lutou e foi também responsável pela Lei Áurea. É evidente que essa lei não libertou de fato o negro, mas mostrou novamente que o negro sempre teve uma atuação ativa na história do Brasil.

BIBLIOGRAFIA

  • Beiguelman, Paula. 1981. A crise do Escravismo e a Grande Imigração. 2ª edição. SP, Brasiliense.
  • Castro de, Therezinha. História Documental do Brasil. SP. Record.
  • Correia de Andrade, Manuel. 1987. Abolição e Reforma Agrária. SP, Ed. Ática.
  • M. Monteiro, Hamilton. 1990. Brasil Império. 2ª Ed. SP, Ed. Ática.
  • Moura, Clóvis. 1989. História do Negro Brasileiro. SP. Ed. Ática.
  • Nabuco, Joaquim. 1938. O Abolicionismo. SP. Ed. Nacional.
  • Ramos, Arthur. 1956. O Negro na Civilização Brasileira. Livraria – Editora da C.E.B.
  • Reis de Queirós, Suely. 1981. A Abolição da Escravidão. SP. Brasiliense.
  1. A Abolição da Escravidão. Suely R. R. de Queiróz. Ed. Brasiliense, 1981, pag. 65.
  2. O Negro na Civilização Brasileira. Arthur Ramos, Ed. Da Casa do Estudante do Brasil. RJ, 1956, pág. 71.
  3. A Abolição da Escravidão, pág. 48.
  4. O Abolicionismo. Joaquim Nabuco, pág. 59.

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