É frevo!

 

Ele tem cerca de 100 anos de idade, é natural do Recife e faz qualquer um se mexer. Agora, no Carnaval, queima montes de calorias. Tem gente dizendo que pode até virar a primeira dança clássica brasileira

Música ou dança, o que veio primeiro?

Quando alguém fala em dança, música ou Carnaval brasileiro, todo mundo pensa logo no samba. Mas o frevo, nascido em Pernambuco, mais precisamente no Recife, não só é igualmente brasileiro como também explode no Carnaval. A grande diferença é que, ao contrário do samba, não se espalhou pelo país.

Claro que brasileiros de todos os cantos reconhecem o ritmo quando o ouvem. Afinal, cantores conhecidos, como Caetano Veloso ou Moraes Moreira, já gravaram frevos que ficaram famosos nacionalmente. Muitos também são capazes de identificar – ainda que para alguns seja impossível botar em prática – os passos que acompanham esse tipo de música. Mas tocar, cantar e dançar frevo é coisa de pernambucano. Uma pena, na opinião do músico e bailarino também de Pernambuco Antônio Nóbrega, que defende a possibilidade de se usar o frevo como base para o desenvolvimento de uma dança clássica genuinamente brasileira. Algo para ser ensinado nas academias, ao lado do conhecido clássico europeu e do jazz. De certo modo, Nóbrega já vem fazendo algo para isso. Seu espetáculo de música e dança Figural que abriu com sucesso a 7ª Bienal da Dança de Lion, na França, em setembro do ano passado, é completamente influenciado pelo frevo.

Saltos e piruetas

Mas por que o papel de gerar esse produto artístico nacional não poderia ser do samba? “Porque o samba não é uma dança”, justifica Nóbrega. “É basicamente um passo, ao qual podem ser acrescidos adornos.” Opiniões à parte, o certo é que a coreografia do frevo não padece dessa carência. São cerca de 120 passos diferentes. Muitos tão acrobáticos quanto aquelas piruetas nas quais o russo Mikhail Baryshnikov é craque. Segundo o compositor erudito brasileiro César Guerra Peixe (1914-1994), trata-se de um gênero único, pois o dançarino dança a orquestração. Por isso mesmo, para compor um frevo é preciso conhecer os papéis dos vários instrumentos numa orquestra, principalmente os dos metais.

As primeiras composições, não por acaso, foram de mestres de bandas, como José Lourenço da Silva, o Zuzinha. É que o frevo nasceu da competição entre bandas marciais (veja o quadro ao lado). Cada uma com seu grupo de capoeiras, leões-de-chácara cheios de ginga, à frente, elas foram moldando as marchas militares à cadência da luta-dança, dando origem à nova música. “O nascimento do frevo não tem data específica”, avisa o historiador Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife. “Ele foi nascendo aos poucos, resultado de uma sincronização entre música e dança.”

Levado para o Rio, não empolgou

Por volta de 1880 começaram a surgir as primeiras sociedades carnavalescas do Recife. Eram os chamados “clubes pedestres”. Compostos por populares, eles se apresentavam assim mesmo: a pé. A aristocracia ficava nos clubes fechados. Quando os capoeiras eram reprimidos à frente das bandas marciais (veja no quadro acima), se refugiavam nos desfiles dessas agremiações e passavam a defender seus estandartes.

As orquestras desses clubes tocavam polca, maxixe, tango, marchas. E também foram influenciadas pelos passos da capoeira. Quando nasceu, em 1889, é provável que o Clube Vassourinhas já tocasse o frevo. Depois o gênero evoluiu, adquirindo uma personalidade ainda mais marcante. Quem ouvia essa música nova tentava encontrar paralelos. Em visita a Recife, em 1942, o cineasta americano Orson Welles teria chegado a achá-la parecida com a italiana tarantela. Especialistas negam a semelhança.

Difícil de identificar, o frevo era também duro de imitar. Bem que se tentou, várias vezes, levá-lo para o Rio, mas não deu certo. “Frevo não é espetáculo, que nem as escolas de samba, mas participação do povo”, explicou o estudioso Valdemar de Oliveira no livro Frevo, Capoeira e Passo. “Se não há povo participante em quantidade e, sobretudo, em qualidade, que lhe dê corpo e alma, desfilará um ajuntamento de virtuosi, ou pseudo-virtuosi, não frevo.”

Malabarismo na rua não é pra qualquer um

Se é importante conhecer bem música para compor o frevo, parece ser necessário ainda algo mais para tocá-lo bem. Valdemar de Oliveira reclama que só quando a Federação Carnavalesca Pernambucana resolveu mandar o maestro Zuzinha ao Rio, para ensaiar as bandas cariocas encarregadas de gravar as composições premiadas no Carnaval, os resultados ficaram melhores. Antes, as notas vinham corretas, ele conta, mas o andamento era errado e o ritmo, frouxo.

Talvez haja um pouco de bairrismo na avaliação. Mais aberto, Francisco Nascimento da Silva, 60 anos, o Nascimento do Passo, resolveu até abrir uma escola em Recife para ensinar a dança a turistas ou mesmo a moradores mais duros de cintura. “Em um mês qualquer um pode se tornar um bom dançarino”, exagera. Talvez a generosidade venha do fato de que ele não é pernambucano. Veio, menino, do Amazonas. Cá para nós, um mês de aulas deve dar apenas para passar o Carnaval sem vexame, arriscando uns vinte dos 120 passos conhecidos.

A maioria dos 150 000 turistas que já devem estar arrumando as malas para o Recife, no entanto, só vai contar mesmo é com a cara, a coragem e a animação. Mas esta última, o frevo garante. Para se ter uma idéia do frisson que causa, vale lembrar uma história antiga, de 1950. Nesse ano, a caminho do Rio, o Vassourinhas, com uma orquestra incrementada de 65 músicos, fez uma escala em Salvador, onde foi convidado a mostrar o frevo. O que aconteceu então foi uma loucura. Desacostumada da regra – implícita em Pernambuco – de respeitar a orquestra, a multidão atropelou tudo o que havia pela frente. O resultado foram narizes quebrados. Além de uma grande idéia. Naquele mesmo ano, dois baianos, os famosos Dodô e Osmar, mais o engenheiro Demís-tocles, montaram um sistema de amplificação de som num carro velho (fubica) e saíram pelas ruas tocando o repertório do Vassourinhas. No ano seguinte, num caminhão iluminado, com dois geradores e oito alto-falantes, nascia o trio elétrico. Um resultado feliz, que inventou um frevo diferente, até hoje tocado na folia baiana. E que foi repassado para o resto do país em 1979, na música Vassourinha elétrica, de Moraes Moreira. Aí vai um trecho da letra para você:

“Varre, varre, varre Vassourinhas / Varreu um dia as ruas da Bahia / (…) / Abriu alas e caminho pra depois passar / O trio de Armandinho, Dodô e Osmar / E o frevo que é pernambucano / Sofreu ao chegar na Bahia / Um toque, um sotaque baiano / Pintou uma nova energia / Desde o tempo da velha fubica / Parado é que ninguém mais fica / É o frevo, é o trio, é o povo / (…) / Sempre juntos, fazendo o mais novo Carnaval do Brasil”.

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