Doença de Alzheimer

 

 

Resumo
O artigo apresenta uma revisão sucinta dos aspectos genéticos da doença de Alzheimer e da metodologia empregada. Três genes distintos foram responsabilizados pela afecção até o momento: o da APP – responsável pela substância precursora da b-amilóide, a qual se deposita intensamente no cérebro dos afetados e está associada ao quadro demencial -, o gene da presenilina 1 (PS1) e o da presenilina 2 (PS2), proteínas de membrana celular. O gene da PS1 é responsável por cerca de 40% dos casos familiares e de acometimento precoce da DA . Os genes da ApoE4, da a-2-macroglobulina e da catepsina D, envolvidos no metabolismo da b-amilóide, foram caracterizados como fatores de risco para a DA. O gene da ApoE4 é fator de risco em cerca de 50% dos casos de DA esporádicos e de acometimento tardio. Muitos outros genes foram ainda associados à DA e são apresentados brevemente. São discutidas a conduta – quanto ao aconselhamento genético para familiares de afetados – e a utilização de diagnóstico molecular na predisposição genética à afecção. É apresentado como mecanismo comum às síndromes progeróides genéticas, como a DA, a alteração da atividade dos genes ribossômicos.

Descritores
Doença de Alzheimer; genética; aconselhamento genético

 

Abstract
This paper concisely reviews the genetics of Alzheimer Disease (AD). So far, three different genes have been implicated in AD. Specifically, the gene that codes for APP – the amyloid b precursor protein, which is associated to dementia through intense brain deposition – the presenilin 1 gene (PS1) and the presenilin 2 gene (PS2). Both presenilin genes code for cellular membrane proteins and PS1 are responsible for approximately 40% of the early-onset familial cases. Genes that code for ApoE4, a-2 macroglobulin and cathepsin D, which are all involved in APP metabolism, have been considered as risk factors for AD. The ApoE4 gene is a risk factor in about 50% of the AD sporadic and late-onset cases. Several other genes that have been associated to AD are briefly discussed. Different strategies for genetic counseling of relatives are considered, and finally, ribosomal gene alterations are discussed as possible mechanisms underlying genetic progeroid syndromes such as AD.

Keywords
Alzheimer disease; genetics; genetic counseling

 

 

Introdução

A doença de Alzheimer (DA), caracterizada pelo neuropatologista alemão Alois Alzheimer em 1907, é uma afecção neurodegenerativa progressiva e irreversível de aparecimento insidioso, que acarreta perda da memória e diversos distúrbios cognitivos. Em geral, a DA de acometimento tardio, de incidência ao redor de 60 anos de idade, ocorre de forma esporádica, enquanto que a DA de acometimento precoce, de incidência ao redor de 40 anos, mostra recorrência familiar. A DA de acometimento tardio e a DA de acometimento precoce são uma mesma e indistinguível unidade clínica e nosológica.1

À medida que a expectativa de vida torna-se mais elevada, especialmente em países desenvolvidos, tem-se observado um aumento da prevalência da DA. Essa afecção representa cerca de 50% dos casos de demência nos EUA e na Grã-Bretanha e se estima que corresponda à quarta causa de morte de idosos nestes países.2

Do ponto de vista neuropatológico, observa-se no cérebro de indivíduos com DA atrofia cortical difusa, a presença de grande número de placas senis e novelos neurofibilares, degenerações grânulo-vacuolares e perda neuronal. Verifica-se ainda um acúmulo da proteína b-amilóide nas placas senis e da microtubulina tau nos novelos neurofibrilares. Acredita-se que a concentração das placas senis esteja correlacionada ao grau de demência nos afetados. Transtornos da transmissão da acetilcolina e acetiltransferases ocorrem freqüentemente nos indivíduos afetados.3

As alterações observadas nos cérebros dos afetados podem também ser encontradas em idosos sadios, porém não conjuntamente e em tal intensidade. O curso da doença varia entre 5 e 10 anos e a redução da expectativa de vida situa-se ao redor de 50%.1

 

Hipóteses etiológicas

O fator genético é considerado atualmente como preponderante na etiopatogenia da DA entre diversos fatores relacionados. Além do componente genético, foram apontados como agentes etiológicos, a toxicidade a agentes infecciosos, ao alumínio, a radicais livres de oxigênio, a aminoácidos neurotóxicos e a ocorrência de danos em microtúbulos e proteínas associadas.4,5 É interessante ainda salientar que estes agentes podem ainda atuar por dano direto no material genético, levando a uma mutação somática nos tecidos.

 

A genética e a hereditariedade da doença de Alzheimer

Cerca de um terço dos casos de DA apresentam familiaridade e comportam-se de acordo com um padrão de herança monogênica autossômica dominante. Estes casos em geral, são de acometimento precoce e famílias extensas têm sido periodicamente estudadas.

A herança autossômica dominante, como se sabe, é aquela em que o afetado é heterozigoto para o gene dominante mutado (Aa), uma vez que o gene A é bastante raro na população e quase nunca serão encontrados afetados com o genótipo AA. Os afetados (Aa) têm 50% de chance de ter filhos (Aa) também afetados pela doença. A figura 1 ilustra uma genealogia de herança autossômica dominante, onde se verifica que afetados (A-) em geral são filhos de afetados (A-), a doença aparece em todas as gerações e homens e mulheres são igualmente afetados.Uma intrigante associação entre a DA e a síndrome de Down levou à descoberta do primeiro gene da DA no cromossomo 21, que é o cromossomo extra, envolvido na síndrome de Down. Indivíduos com síndrome de Down apresentam envelhecimento prematuro e praticamente todos apresentam doença de Alzheimer, clínica e neuropatologicamente confirmada, entre 40 e 50 anos de idade.6

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Este primeiro gene a ser identificado na DA revelou-se surpreendentemente como o responsável pela proteína precursora da b-amilóide (APP), a qual, como já mencionado, deposita-se intensamente nas placas senis dos cérebros de afetados. Estudos de ligação e de associação da DA com marcadores genéticos moleculares, que são fragmentos de DNA conhecidos e já mapeados nos cromossomos, têm revelado, até o momento, pelo menos 5 ou 6 genes envolvidos no aparecimento desta afecção, os quais podem ser verificados na tabela 1.7-12

rationale dos estudos ou da análise de ligação genética com marcadores conhecidos de DNA decorre do comportamento de genes em um mesmo cromossomo (ligados) durante a meiose e permitiu a descoberta da maior parte dos genes mencionados. Este método pode ser simplificadamente explicado a seguir.

A figura 2 ilustra uma genealogia em que uma doença, de herança autossômica dominante (Afetados: Aa), é segregada com um marcador polimórfico de DNA conhecido (m1) e já localizado em determinado cromossomo. Podemos considerar que gene da doença (A-) e o marcador de DNA (m1) estão completamente ligados, ou seja, muito próximos em um mesmo cromossomo. Nesta situação, não ocorre recombinação ou permuta entre o gene e o marcador polimórfico, sendo ambos, portanto, transmitidos conjuntamente em um mesmo cromossomo. Observa-se assim, que quando um indivíduo apresenta o gene da doença (A-), ele também mostra um determinado marcador genético (m1). Infere-se, portanto, que o gene responsável pela doença está ligado ao fragmento marcador de DNA, ou seja, o gene da doença ou parte dele situa-se no fragmento de DNA marcador.

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Os estudos de associação tratam de pesquisas caso-controle em que se investiga se um determinado marcador de DNA está mais freqüentemente associado a casos com a afecção.

Os produtos de cada um dos principais genes associados à DA podem ser também verificados na tabela 1. O gene da APP localizado no cromossomo 21 e seu papel patogênico têm sido amplamente investigado em função do acúmulo da proteína b-amilóide em cérebro de afetados.A apoliproteína E4 é uma variante da proteína carregadora de lipídeos ApoE, cujo gene se localiza no cromossomo 19. Esta proteína interage in vitro in vivo com a b-amilóide, indicando sua atuação patogênica neste metabolismo.13 A proteína presenilina 1 (PS1), cujo gene está mapeado no cromossomo 14, e a presenilina 2 (PS2), cujo gene situa-se no cromossomo 1, estruturalmente bastante semelhantes entre si, tratam-se provavelmente de proteínas de membrana que atuam no transporte celular.14 A participação das presenilinas 1 e 2 em mecanismos de apoptose através da interação com caspases foi ainda demonstrada.15 Acredita-se, porém, que apoptose não seja o mecanismo mais freqüente de morte neuronal na DA. O produto do quinto gene associado à DA, situado no cromossomo 12, é a a-2 macroglobulina,11 a qual também interage com a proteína b-amilóide in vitro e cujo alelo normal parece ainda ter efeitos protetores para as células. Experimentalmente esta macroglobulina impede a formação da proteína b-amilóide insolúvel e protege as células neuronais em cultura contra a toxicidade desta proteína.16 Foi ainda descrita uma protease, a catepsina D, que também participa do metabolismo da b-amilóide, cuja alteração foi associada recentemente a casos esporádicos de DA.12

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Diversos genes em diferentes cromossomos foram ainda associados à DA. Em nosso laboratório, na Disciplina de Genética da Unifesp/EPM, por meio de estudos de regiões cromossômicas predisponentes a quebras – sítios frágeis cromossômicos -, verificamos que o sítio 6q21, onde se localiza o gene da enzima superóxido dismutase mitocondrial, está associado à DA. Esta associação vem apoiar a hipótese de a DA ser uma doença de radicais livres de oxigênio. Observamos ainda, outras regiões de fragilidade cromossômica, como o sítio 6p21, onde se localizam os genes de microtulina e do complexo de histocompatibilidade MHC e o sítio 17q21 onde se localiza o gene da microtubulina tau.17 A ocorrência de uma variante alélica do gene da serotonina, atuando como um fator de risco à DA de acometimento tardio, foi também caracterizada.18,19 Variantes polimórficas do gene da interleucina-6 foram identificadas como fatores que retardam a idade de acometimento da DA e reduzem o risco de casos esporádicos de DA.20

Desta forma, a genética da DA mostra uma herança complexa, decorrente de diversos genes e da interação entre estes e o meio ambiente. Como proceder, portanto, ao aconselhamento genético?

 

O aconselhamento genético na DA

Tendo em vista a heterogeneidade genética da DA, com pelo menos cinco ou seis genes principais responsáveis além de outros provavelmente envolvidos, torna-se difícil realizar um aconselhamento genético com base em um único modelo teórico e mendeliano. Assim, para estimar-se a recorrência da DA em famílias de afetados, utilizam-se os chamados riscos empíricos, que são estimativas baseadas em estudos populacionais e em famílias de afetados.

Utilizando-se de dados epidemiológicos de mortalidade e morbidade da população norte-americana, por exemplo, Breitner21 estimou que os filhos de afetados teriam, aos 70 anos de idade, um risco de 16% de manifestar a DA, aos 80 anos, um risco de 19% e aos 90 anos, um risco de 50% de recorrência da doença, o qual é igual ao risco esperado de acordo com herança autossômica dominante. O risco aos 80 anos é de 4 a 5 vezes maior que o observado em familiares de indivíduos controles.

A estratégia atual é identificar os principais genes responsáveis pela DA, que possam explicar a maioria dos casos desta afecção. Como pode ser observado na tabela I, os genes já identificados e determinantes diretos da doença representam uma pequena fração dos casos de DA que ocorrem na população (1 a 2%). O gene da ApoE4, considerado um fator de risco para a DA, abrange cerca de 50% de todos os casos. A subseqüente identificação dos genes diretamente responsáveis pela maioria dos casos de DA, poderá então permitir a realização de diagnósticos moleculares de predisposição genética a esta afecção. No momento, contudo, a maioria dos serviços de genética não têm recomendado diagnósticos moleculares pós-natal ou pré-natal das mutações dos genes da DA já descritos, nem isoladamente nem conjuntamente.

 

O envelhecimento e a doença de Alzheimer

A DA é considerada uma síndrome progeróide genética, uma vez que está associada ao envelhecimento e apresenta um evidente componente genético.22

Em nosso Laboratório na Disciplina de Genética da UNIFESP/EPM, vimos estudando há vários anos estas síndromes, em geral bastante raras, como modelos genéticos de estudo do envelhecimento celular.22

Assim, investigamos sob diversos aspectos a progéria ou síndrome de Hutchinson-Gilford, a progéria do adulto ou síndrome de Werner, a síndrome de Cockayne, a doença de Alzheimer e a síndrome de Down, entre muitas outras. Em todas elas observamos: deficiência de reparo do DNA, ciclo celular mais lento, instabilidade cromossômica, perda do cromossomo 21 no envelhecimento da síndrome de Down, perda do cromossomo X no envelhecimento das mulheres normais, sítio frágil cromossômico 6p21 na DA e na síndrome de Down e principalmente diminuição da atividade dos genes ribossômicos, investigada citogenética e molecularmente.22,23

Por outro lado, pesquisa colaborativa internacional, da qual participamos, mapeou, clonou e identificou o gene responsável pela síndrome de Werner, considerado na literatura o primeiro gene do envelhecimento.24 O produto deste gene trata-se de uma helicase do nucléolo, a qual tem a função de manter a integridade do processamento do RNA ribossômico.25 Estes achados referendaram nossa hipótese de o mecanismo comum ao envelhecimento normal e patológico ser a alteração da atividade dos genes ribossômicos.22 Interessante ainda é destacar que a fração 28S do RNA ribossômico foi associada à apoptose celular e que na levedura a duração da vida clonal – ou do “envelhecimento” – é controlada pelo acúmulo de rRNA na célula.26,27 É possível, ainda, que esta alteração da atividade de genes ribossômicos possa sinalizar e desencadear processos de  envelhecimento por meio de um mecanismo epigenético.

Questões instigantes então surgem neste novo contexto. Será o envelhecimento uma seqüência de eventos estritamente programados, caracterizando-se como a fase final do processo de diferenciação do organismo ou poderá ser decorrente da ação aleatória de mutações casuais? Evidências experimentais apóiam ambas as hipóteses, sugerindo a participação de fatores genéticos e não-genéticos neste processo. Foram ainda descritos genes que apresentam antagonismos pleiotrópicos ao longo da vida, ou seja, os mesmos genes atuam de maneira diversa no organismo no decorrer do tempo. Os genes da DA poderão apresentar antagonismos pleiotrópicos? Será o controle da expressão gênica exclusivamente genético, ou seja, decorrente unicamente da variação na seqüência de bases do DNA, ou poderá ser epigenético?

Essas questões fascinantes vêm agora orientando nossas pesquisas acerca do envelhecimento celular e das doenças a ele associadas.

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