Demência ainda não tem cura, mas tem tratamento que pode retardar a evolução do processo.

 

Demência é um termo que choca a grande maioria dos leigos que o associa à ideia de loucura. Em medicina, porém, a palavra demência tem significado diferente. Ela é empregada para definir quadros que se caracterizam por deficiência cognitiva persistente e progressiva. Essa falta interfere nas atividades rotineiras do indivíduo, embora ele custe a perder a consciência do mundo que o cerca.

Algumas doenças podem apresentar manifestações comportamentais características da demência. Nesse caso, o diagnóstico diferencial é de extrema importância, porque elas são passíveis de tratamento e o indivíduo retoma a vida normal.

 

CONCEITO DE DEMÊNCIA
Drauzio
 – Qual o conceito de demência em medicina?

Ricardo Nitrini – Demência é uma síndrome resultante do declínio progressivo da capacidade intelectual do indivíduo. Caracteriza-se pela perda da capacidade de memorizar, de resolver os problemas do dia a dia, o que interfere em seus relacionamentos e atividades sociais e profissionais.

Drauzio – De modo geral, as demências não se instalam abruptamente. A instalação pode ser insidiosa e os familiares, às vezes, demoram para perceber o que está acontecendo. Alguns déficits cognitivos que o doente apresenta são interpretados como distração ou sintomas próprios da idade mais avançada. O que deve chamar a atenção da família, quando uma pessoa está entrando num processo demencial?

Ricardo Nitrini – É relativamente comum o indivíduo, especialmente quando se aposenta ou abandona parte de suas atividades, mostrar-se desinteressado por tudo aquilo que fazia antes. A família encontra explicações para a mudança de atitude no afastamento do trabalho. No entanto, é preciso observar se estão ocorrendo distúrbios na capacidade de formar novas memórias, ou seja, de memorizar fatos novos, uma vez que o sintoma inicial mais comum da doença de Alzheimer é a dificuldade de memorização: o paciente não retém recados, repete várias vezes a mesma pergunta e não consegue fixar informações.

O caso merece atenção especial e o paciente deve ser levado ao médico quando perde o interesse por tudo, mesmo que a memória não esteja falhando, porque as síndromes depressivas podem confundir-se com as síndromes demenciais. Jovem deprimido perde o interesse sexual, por atividades lúdicas, pelo esporte.

O idoso deprimido manifesta fundamentalmente um distúrbio de atenção, de concentração e de memória. Como esses também são sintomas das demências, é bom procurar atendimento para que sejam interpretados adequadamente, pois, como já foi dito, depressão tem tratamento e a pessoa pode voltar à atividade plena.

CAUSAS REVERSÍVEIS DE DEMÊNCIA
Drauzio
 – Você abordou a semelhança de sintomas nas síndromes depressivas e nas demenciais. Outros problemas clínicos podem provocar quadros difíceis de distinguir das demências? 

Ricardo Nitrini – Existem quadros de demências reversíveis com sintomas semelhantes aos da síndrome demencial que, com tratamento específico, regridem e o paciente volta ao normal. Diversos estudos demonstraram que, num universo de cem pacientes, 10% seriam portadores de demências potencialmente reversíveis, provocadas por fatores como mau funcionamento da tireoide (quer hipertireoidismo, quer hipotireoidismo), traumas de crânio, coágulos de sangue, hematomas ou por carências nutricionais. No idoso, por exemplo, carência da vitamina B12, fato que ocorre com alguma frequência, não só pode ser responsável pela síndrome demencial como pode agravá-la. Se por acaso houver declínio real da cognição e concomitantemente anemia, o desempenho do paciente piorará muito.

Por isso, é muito importante considerar todas as demências como potencialmente reversíveis. O médico tem a obrigação de descartar as causas reversíveis da doença. No passado, a mais comum era a sífilis. No Juqueri, sanatório psiquiátrico de São Paulo, era enorme o número de pacientes internados com quadros de demência provocada pela sífilis. Hoje, esses casos são mais raros, especialmente se o diagnóstico for feito precocemente.

Drauzio – Como os distúrbios da tireoide – tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo – interferem com o funcionamento do cérebro?

Ricardo Nitrini – Seguramente os neurônios, ou seja, as células nervosas, têm receptores para os hormônios circulantes e isso acaba produzindo impacto importante no funcionamento do sistema nervoso central. Entre as manifestações do hipertireodismo, por exemplo, estão as mudanças de humor e as crises de irritabilidade, sintomas que podem ocorrer também nos casos de demência.

USO DE MEDICAMENTOS
Drauzio
 – Você falou que todo quadro de demência deve ser tratado como reversível até que se prove o contrário. Pessoas de idade, muitas vezes, tomam diversos medicamentos. É remédio para pressão, para diabetes, para o colesterol, etc. Existe alguma relação entre uso de medicação e aparecimento de demências?

Ricardo Nitrini – O uso de alguns medicamentos pode ser causa importante do comprometimento das funções intelectuais. Por exemplo, largamente utilizados pela população idosa, os remédios contra a vertigem exercem forte impacto sobre a memória. A pessoa sente tontura, o médico prescreve um medicamento que ela continua tomando por tempo indeterminado. Da mesma forma, remédios que agem sobre a necessidade premente para urinar podem ter efeito negativo sobre a cognição, sobre a capacidade intelectual.

Outro lado do problema está na quantidade de medicamentos que os idosos acabam tomando. Não é raro passarem por vários especialistas, cada um prescrever um tipo específico de medicação e procurar não mexer na prescrição do colega. Como consequência, os idosos acabam tomando diversos remédios que interagem e podem provocar distúrbios de vários tipos, entre eles o déficit cognitivo.

DEMÊNCIA FRONTOTEMPORAL
Drauzio
 – Você falou das doenças clínicas que podem estar associadas à demência e que tratadas fazem reverter o quadro e dos medicamentos, que também podem provocar síndromes demências. No entanto, há quadros que se instalam sem que façamos ideia do porquê. É o caso da doença de Alzheimer, responsável pela imagem clássica da pessoa que começa perdendo a memória e, depois, a capacidade de relacionar-se com o meio. Mas, essa não é a única doença que afeta a capacidade cognitiva. Você poderia falar sobre elas?

Ricardo Nitrini – A doença de Alzheimer é a mais comum de todas. Talvez 60% ou 70% dos casos de demência sejam decorrentes dessa enfermidade, mas existem algumas outras, tão graves quanto o Alzheimer e com sintomas parecidos.

Entre elas está a demência frontotemporal, uma doença também degenerativa de causa ignorada, que provoca alterações de comportamento muito próximas daquilo que o leigo entende convencionalmente por demência. O paciente começa a manifestar um comportamento diferente do que tinha até então. É o caso do profissional liberal muito sério e compenetrado, de pouca conversa, que passa a beber, a fazer comentários inadequados e a tomar atitudes inconvenientes até do ponto de vista sexual. Encontrei um familiar que diante desses pequenos deslizes definiu bem a situação: “Quem não o conhecia antes, não percebe nada; mas quem o conhecia, não o reconhece mais tal a mudança de personalidade por que passou”.

Embora as mudanças de personalidade chamem mais atenção, há também um comprometimento intelectual importante. Nesses casos, em geral, os pacientes recorrem a um psiquiatra. O tratamento ajuda a melhorar o comportamento e as relações sociais, mas não consegue interferir na evolução da doença, que lamentavelmente ainda não é bem conhecida.
A doença frontotemporal corresponde de 5% a 10% dos casos de demência. Afeta indivíduos em torno dos 50 ou 60 anos e é muito parecida com a neurossífilis, uma doença mais comum no passado, que também afetava as regiões frontotemporais e provocava alterações de personalidade.

DEMÊNCIA COM CORPOS DE LEWY

Drauzio – Você poderia explicar o que é a Demência com corpos de Lewy? 

Ricardo Nitrini – Outra doença frequente é a demência com corpos de Lewy, uma forma de degeneração marcada por grandes oscilações no desempenho do dia a dia. Num momento, o indivíduo aparentemente está bem, mas minutos ou horas depois apresenta estado de confusão mental, mostra-se sonolento ou incapaz de responder perguntas que respondera algumas horas antes. Essas grandes oscilações acompanhadas por alucinações visuais – a pessoa começa a ver coisas que não existem – merecem atenção especial, porque o tratamento é possível, embora difícil e a melhora menos expressiva.

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