Cultura de Inovação

 

O desafio da Cultura de Inovação no Sistema de Ensino Superior do Exército Brasileiro

O pensamento crítico e a proatividade inventiva constituem-se como diferenciais fundamentais para o cumprimento das missões constitucionais do Exército Brasileiro com mais eficiência, economia e flexibilidade, no complexo cenário atual. Tal mudança de paradigma somente será factível com a transformação do pensamento e das atitudes dos agentes diretos e indiretos do Sistema de Educação e Cultura do Exército Brasileiro.

O Exército Brasileiro é uma Instituição de Estado com mais de 360 anos de história, tendo por missão principal a defesa da Pátria, sua soberania e instituições, colaborando, também, com a segurança e o desenvolvimento nacional. Constituído por mais de 220 mil militares, está estruturado com base nos pilares da hierarquia e disciplina e tem, como espinha dorsal, valores e tradições. Numa instituição com este perfil histórico, como criar uma nova cultura, uma nova mentalidade do profissional militar – a cultura de inovação?

A inclinação para a inovação permeia a Instituição ao longo de sua historia. As experiências compartilhadas pelas escolas militares com as Missões Francesa, dos Novos Turcos e a Missão Americana atestam essa busca constante pela renovação. Castello Branco, enquanto comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, eternizou o foco a ser perseguido por seus integrantes: “o oficial de estado-maior é um inovador.” Este mesmo desafio segue atual e, por exemplo, mobiliza profundas mudanças no sistema de ensino militar dos EUA neste momento (PARK, 2016).

A inovação tratada neste artigo não está centrada ou restrita ao conceito mais difundido da inovação científica e tecnológica, muito ligada ao mundo da Engenharia, da Indústria, da área Biomédica ou da Informática. Busca-se uma cultura da proatividade, da capacidade permanente de atualização e enfrentamento de desafios novos e imprevistos, em um processo de formação dirigido ao “saber pensar criticamente” (DEMO, 2001). Como semear esta nova competência no nascedouro dos futuros militares, as Escolas do Sistema de Ensino do Exército Brasileiro?

A Força estruturou um eficiente Sistema de Ensino, composto por diversas escolas, centros de formação, institutos e unidades que formam, aperfeiçoam, especializam e adestram oficiais e praças há mais de um século. Esse Sistema é regido por legislação própria e funcionou independente do sistema nacional de ensino até o final do século XX. Consequência das transformações advindas da Constituição Federal de 1988 surgiu, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, elemento divisor de águas que motivou a atualização da Lei de Ensino do Exército e o processo de “Modernização do Ensino” no Exército Brasileiro (MAGALHÃES, 2010).

A Modernização do Ensino no Exército Brasileiro incorporou novas metodologias ao processo ensino-aprendizagem nas escolas militares, com destaque para a contextualização dos conteúdos e uma dinâmica de sala de aula focada no aluno, possibilitando mais iniciativa, mais trabalhos em grupo e uma valorização das experiências individuais. Esse processo rompeu com as arcaicas práticas de memorização de conteúdos, muitas provas formais e ensino centrado no professor/instrutor.

Na primeira década do século XXI, foram aprovadas a Política e a Estratégia Nacional de Defesa, além de vários outros documentos reestruturando o pensamento de Defesa no Brasil. O esforço para repensar o papel das Forças Armadas, buscando sintonizá-las com o novo contexto global, com a era do conhecimento e toda a evolução científica e tecnológica fez surgir o “Processo de Transformação do Exército” (MAIA NETO, 2011). Esse novo processo impactou o Sistema de Educação do Exército, gerenciado pelo Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx), com a demanda de que as escolas formem militares com pensamento inovador e com base noensino por competências, fundamentado no desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e experiências, conceitos sintetizados no mnemônico CHAVE. Esse desafio posto para o DECEx, pelo escalão superior, está diretamente ligado à sobrevivência do Exército Brasileiro enquanto organização, no cenário difuso, fluido e permeado de riscos do Século XXI e que exige a cultura de inovação como forma de manutenção da competitividade organizacional (STEELE & MURRAY, 2004).

A pesquisa científica na Educação Superior do DECEx, em particular na ECEME, EsAO, AMAN, EsFCEx e EsSEx, evoluiu na última década, quando se tornou obrigatória a produção de Trabalhos de Conclusão de Curso em todas as Escolas, sendo produzidos nos últimos 15 anos cerca de 20.000 trabalhos científicos (AZEVEDO, 2016) entre artigos, monografias, dissertações e teses. Esse avanço recente pode ser ilustrado pela recente implantação, e reconhecimento pelo MEC, dos cursos de mestrado e doutorado na ECEME, abertos inclusive ao público civil (CUNHA e MIGON, 2016). Entretanto, identificam-se alguns importantes óbices nos aspectos estruturais e processuais que merecem ser revistos, a fim de tornar o DECEx um órgão líder na produção da pesquisa cientifica de qualidade: falta de instrutores capacitados cientificamente (menos de 50% possuem mestrado ou doutorado); linhas de pesquisa com viés de interesse pessoal (demandas de pesquisa não definidas pela Instituição) e produtos acadêmicos com deficiente emprego da metodologia científica, superficiais e com pouca aplicabilidade e, por fim, ineficiente gestão da produção intelectual, com pouco acesso aos bancos de trabalhos científicos, além de revistas e seminários com baixa visibilidade pela comunidade acadêmica intra e extra muros do EB.

O Plano Estratégico do Exército 2016-2019 – PEEx (Portaria Nº 1.881-Cmt Ex, 28 de dezembro de 2015)estabelece, na área de educação, a ação estratégica “12.1.1 – Desenvolver nos estabelecimentos de ensino a cultura da inovação e de transformação.” Para atingir o objetivo do desenvolvimento da cultura de inovação é fundamental conhecer as experiências bem sucedidas e os modelos teóricos do ambiente corporativo (Bruno-Faria e Fonseca, 2014). Comparando estas experiências com a realidade do Exército, identifica-se na própria Força uma prática de inovação consolidada, a qual é adotada no Departamento de Ciência e Tecnologia. Para as Linhas de Ensino Militar Bélico, Complementar e de Saúde conclui-se pela necessidade de estruturar e consolidar alguns pilares fundamentais para atingir esse objetivo estratégico no âmbito do DECEx:

  1. necessidade de comprometimento do Alto Comando com a transformação do sistema educacional focado no investimento da capacitação científica dos agentes diretos e indiretos de ensino, ruptura de modelo – construção de um “novo enfoque na educação militar”;
  2. elevação da capacitação dos militares do sistema de ensino para a pesquisa científica (mestrados, doutorados e pós-doutorados) em centros de excelência nacionais e internacionais;
  3. estabelecimento de linhas de pesquisa sustentáveis, perenes, com produção de conhecimento de real e rápida absorção na estrutura da Força, baseada na permanência de professores/instrutores pesquisadores por, pelo menos, cinco anos nas Escolas (pesquisa científica aplicada, mesmo que incremental);
  4. fomento a parcerias civil-militar na formação acadêmica, na pesquisa científica e na inovação (projetos de uso dual);
  5. valorização da cultura da pesquisa e inovação como principio científico e educativo na formação militar (criando premiação para a criatividade, inventividade e inovação nas Escolas e divulgação anual dos novos produtos e processos em eventos científicos, nas áreas militares e civis).

Como visto ao longo deste artigo, é possível promover a cultura da inovação numa organização secular mantendo seus valores mais caros. O primeiro passo é a clara identificação dos maiores óbices e a busca por soluções que envolvam toda a estrutura organizacional. O pensamento crítico e a proatividade inventiva constituem-se como diferenciais fundamentais para o cumprimento das missões constitucionais do Exército Brasileiro com mais eficiência, economia e flexibilidade, no complexo cenário atual. Tal mudança de paradigma somente será factível com a transformação do pensamento e das atitudes dos agentes diretos e indiretos do Sistema de Educação e Cultura do Exército Brasileiro.

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