Constituição

A experiência histórica do século XX confirmou o estado como instituição predominante nas sociedades humanas. Seu principal instrumento, a constituição, é a fonte por excelência da teoria jurídica.

Lei máxima, que encerra as normas superiores da ordenação jurídica de uma nação, a constituição define desde a forma do estado e do governo até o complexo normativo e costumeiro referente ao poder político organizado e aos direitos dos cidadãos. Todos os estados, seja qual for sua forma de governo, desde que ajam de acordo com certas normas fundamentais e possuam ordenamento jurídico, têm constituição. As constituições podem ser escritas, como a brasileira, expressa num documento único e definido, ou consuetudinárias, como a do Reino Unido, que se baseia num conjunto de documentos, estatutos e práticas tradicionais aceitas pela sociedade.

Teorias tradicionais. Desde a Grécia clássica, desenvolveu-se no Ocidente europeu a convicção de que a comunidade política deve ser governada por lei embasada no direito natural. Foi Aristóteles, a partir do estudo e classificação das diferentes formas de governo, quem desenvolveu o conceito de constituição. Para ele havia três formas legítimas de organização política: monarquia, ou governo de um só homem; aristocracia, ou governo dos melhores; e democracia, governo de todos os cidadãos. As formas ilegítimas que correspondem a cada uma das formas legítimas seriam, respectivamente, tirania, oligarquia e demagogia. O melhor sistema de governo seria o que combinasse elementos das três formas legítimas, de modo que todos assegurassem seus direitos e aceitassem seus deveres, em nome do bem comum. Outro princípio aristotélico afirma que os governantes são obrigados a prestar contas aos governados e que todos os homens são iguais perante a lei. Esse princípio se aplicava, na antiga Grécia, apenas aos homens livres e não aos escravos.

O aprimoramento da lei foi a maior contribuição de Roma à civilização ocidental. Para os dirigentes romanos, a organização do estado correspondia a uma lei racional, que refletia a organização do mundo.

A partir do momento em que se transformou na religião predominante do Ocidente, o cristianismo defendeu uma concepção monárquica de governo. Nos últimos anos do Império Romano, santo Agostinho postulava que as constituições terrenas deviam, na medida do possível, corresponder ao modelo da “cidade de Deus” e concentrar o poder num único soberano. Segundo essa tese, que se firmou durante a Idade Média e deu sustentação ao absolutismo monárquico, o monarca recebia o mandato de Deus.

Os fundamentos teóricos do constitucionalismo moderno nasceram das teorias sobre o contrato social, defendidas no século XVII por Thomas Hobbes e John Locke, e no século seguinte por Jean-Jacques Rousseau. De acordo com essas teorias, os indivíduos cediam, mediante um contrato social, parte da liberdade absoluta que caracteriza o “estado de natureza” pré-social, em troca da segurança proporcionada por um governo aceito por todos.

Fundamentos constitucionais

Princípios básicos. Para cumprir suas funções, a constituição deve harmonizar o princípio da estabilidade, na forma e no procedimento, com o da flexibilidade, para adaptar-se às mudanças sociais, econômicas e tecnológicas inevitáveis na vida de uma nação. Também deve prever alguma forma de controle e prestação de contas do governo perante outros órgãos do estado e determinar claramente as áreas de competência dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

Os princípios constitucionais podem agrupar-se, como é o caso da constituição brasileira, em duas categorias: estrutural e funcional. Os primeiros, como os que definem a federação e a república, são juridicamente inalteráveis e não podem ser abolidos por emenda constitucional; os princípios que se enquadram na categoria funcional, como os que dizem respeito ao regime (no caso brasileiro, democracia representativa) e ao sistema de governo (bicameralismo, presidencialismo e controle judicial) podem ser modificados por reforma da constituição. A inobservância de qualquer desses princípios, ou de outros deles decorrentes, está expressamente referida na constituição brasileira como motivo de intervenção federal nos estados.

As constituições podem ser flexíveis ou rígidas, conforme a maior ou menor facilidade com que podem ser modificadas. As constituições flexíveis, como a britânica, são modificadas por meio de procedimentos legislativos normais; as constituições rígidas modificam-se mediante procedimentos complexos, nos quais geralmente se exige maioria parlamentar qualificada.

Federação. A organização federal é o primeiro princípio fundamental abordado pela constituição brasileira. Pressupõe a união indissolúvel de estados autônomos e a existência de municípios também autônomos, peculiaridade que distingue a federação brasileira da americana, por exemplo, na qual a questão da autonomia municipal é deixada à livre regulação dos estados federados. Verifica-se assim que no Brasil a federação se exprime juridicamente pelo desdobramento da personalidade estatal nacional na tríplice ordem de pessoas jurídicas de direito público constitucional: União, estados e municípios. O Distrito Federal, sede do governo da União, tem caráter especial.

A autonomia dos estados se expressa: (1) pelos princípios decorrentes do governo próprio e da administração própria, com desdobramentos, nos respectivos âmbitos regionais, dos poderes executivo, legislativo e judiciário; (2) pelo princípio dos poderes reservados, por força do qual todos os poderes não conferidos expressa ou necessariamente à União ou aos municípios competem ao estado federado.

O princípio da autonomia municipal, cujo desrespeito acarreta a intervenção federal, é mais restrito que o da autonomia estadual e exprime-se: (1) pela eleição direta do prefeito, vice-prefeito e vereadores; e (2) pela existência de administração própria, autônoma, no que concerne ao interesse peculiar do município.

República. O princípio da forma republicana, cujo desrespeito também motiva intervenção, desdobra-se, no sistema brasileiro, em três proposições: (1) temporariedade das funções eletivas, cuja duração, nos estados e municípios, é limitada à das funções correspondentes no plano federal; (2) inelegibilidade dos ocupantes de cargos do poder executivo para o período imediato; e (3) responsabilidade pela administração, com obrigatória prestação de contas.

Democracia representativa. Pela definição constitucional, democracia é o regime em que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. O princípio fundamental da representação está assegurado pela adoção de: (1) sufrágio universal e direto; (2) votação secreta e (3) representação proporcional dos partidos.

Sistema bicameral. O princípio do bicameralismo, ou sistema bicameral, diz respeito à estruturação do poder legislativo em dois órgãos diferentes. Por exemplo, a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes, no Reino Unido; o Bundestag (câmara baixa) e o Bundesrat (câmara alta), na Alemanha; o Senado e a Câmara dos Representantes, nos Estados Unidos; e o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, no Brasil. A composição das duas câmaras é sempre diferente em relação ao número de membros que as integram, à extensão de seus poderes e, em alguns casos, no sistema de recrutamento, como na Câmara dos Lordes, em que muitas cadeiras são hereditárias.

Sistema presidencial. O presidencialismo é o sistema de governo republicano que se assenta na rigorosa separação de poderes e atribui ao presidente da república grande parte da função governamental e a plenitude do poder executivo. Nesse sistema, o presidente coopera na legislação, orienta a política interna e internacional, assume a gestão superior das finanças do estado, exerce o comando supremo das forças armadas e escolhe livremente os ministros e assessores, que o auxiliam no desempenho das respectivas funções, dentro dos programas, diretrizes e ordens presidenciais. O sistema presidencialista vigente em muitos países baseia-se em linhas gerais no padrão dos Estados Unidos, com variantes que não alteram as características que o definem.

Sistema de controle judicial. Devido à organização federal e conseqüente supremacia da constituição da república sobre as dos estados, bem como à prevalência das normas constitucionais sobre a legislação ordinária, atribui-se ao poder judiciário, concomitantemente com a função de julgar, a de controlar a constitucionalidade das leis. Além disso, como as constituições geralmente asseguram que a lei não pode deixar de apreciar nenhuma lesão do direito individual, compete também ao judiciário o controle contencioso dos atos das autoridades.

Uma lei comum pode entrar em choque com algum artigo da constituição. Por isso, é necessário que exista um órgão de controle da constitucionalidade das leis, que entra em ação antes de sua promulgação, como na França, ou depois, como no Brasil, onde o Supremo Tribunal Federal pode pronunciar-se por iniciativa própria ou quando solicitado.

Liberdades públicas. Conjunto de direitos inalienáveis do cidadão, independentes do arbítrio das autoridades, as liberdades públicas são garantidas pelas constituições modernas, principalmente as seguintes: liberdade religiosa; liberdade de imprensa e de manifestação do pensamento; liberdade de associação, política ou não, e de reunir-se em praça pública, sem armas; inviolabilidade de domicílio e de correspondência; garantia contra prisão arbitrária, confisco e expropriação; liberdade de locomover-se dentro do território nacional e liberdade de sair do país. Todas essas prerrogativas do cidadão são chamadas direitos individuais. Seu conjunto constitui a liberdade (no singular), característica do estado de direito, oposto ao estado policial e autoritário. As liberdades (no plural) são prerrogativas não da pessoa, mas de grupos, classes e entidades.

Matérias regulamentadas. No que tange a sua formulação escrita, as constituições do século XIX tendiam a ser breves e conter apenas as normas fundamentais. A partir da primeira guerra mundial, o texto constitucional passou a incluir princípios referentes a temas sociais, econômicos e políticos, antes regulados por leis ordinárias.

Nas constituições modernas, geralmente as matérias regulamentadas são: (1) soberania nacional, língua, bandeira e forças armadas; (2) direitos, deveres e liberdades dos cidadãos; (3) princípios reguladores da política social e da economia; (4) relações internacionais; (5) composição e estatuto do governo e suas relações com as câmaras legislativas; (6) poder judiciário; (7) organização territorial do estado; (8) tribunal constitucional ou órgão similar; e (9) procedimento para a reforma constitucional.

A constituição é geralmente elaborada por uma assembléia constituinte e por ela decretada e promulgada. Quando entra em vigor por decisão do governante, diz-se que é outorgada; é o caso das constituições brasileiras de 1824, outorgada por D. Pedro I; de 1937, que instituiu o Estado Novo; e de 1967, imposta pelo governo militar. Historicamente, as constituições outorgadas pelo monarca absoluto no exercício do poder, mesmo com aprovação da representação popular, denominam-se cartas.

Constituições brasileiras

A primeira constituição do Brasil foi outorgada pelo imperador D. Pedro I, depois de dissolvida a Assembléia Geral Constituinte, no tumultuado período que se seguiu à independência. Datada de 24 de fevereiro de 1824, seu projeto se deve, em boa parte, a José Joaquim Carneiro de Campos, depois marquês de Caravelas, mas é indubitável que nele também colaborou o jovem imperador. Em linhas gerais, assemelha-se ao projeto que se discutia na Constituinte, de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada: calcavam-se ambos na constituição espanhola de 1812. Tinha de particular a figura do poder moderador, exercido pelo monarca.

No período da Regência, operou-se importante reforma constitucional por meio do instrumento denominado Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, que criava as Assembléias Legislativas Provinciais. Seguiu-se a lei de Interpretação ao Ato Adicional, de 12 de maio de 1840. Em 20 de julho de 1847, um decreto imperial consagrou o regime parlamentarista e o cargo de presidente do Conselho de Ministros.

Proclamada a república, em 15 de novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca decretou a lei de Organização do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, de autoria de Rui Barbosa, então ministro da Fazenda e primeiro vice-chefe do governo. De Rui Barbosa são ainda as principais emendas ao projeto de constituição, elaborado pela chamada Comissão dos Cinco, que teve como presidente Joaquim Saldanha Marinho. Reunido o Congresso Constituinte, a primeira constituição republicana foi promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Consagrava o princípio do unionismo (predomínio da União sobre os estados) e adotava o recurso do habeas-corpus, garantia outorgada em favor de quem sofreu ou pode sofrer coação ou violência por parte do poder público.

De cunho acentuadamente presidencialista, a constituição de 1891 foi reformada ao tempo do governo Artur Bernardes, em 1926, para fortalecer ainda mais o poder executivo. O quatriênio que se seguiu foi interrompido pela revolução de 1930, que levou ao poder Getúlio Vargas, chefe da Aliança Liberal e candidato derrotado às eleições de 1o de março, denunciadas como fraudulentas. Em 11 de novembro de 1930, Vargas decretou a lei de Organização do Governo Provisório.

A segunda constituição republicana data de 16 de julho de 1934. Eleito pela Assembléia Constituinte para um mandato de quatro anos, a expirar em 1938, Vargas deu um golpe de estado e outorgou a constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo. Essa constituição ampliava os poderes do poder executivo e acolhia direitos de família e os direitos à educação e à cultura.

A terceira constituição republicana, de 18 de setembro de 1946, encerrou a ditadura de Vargas e consagrou o restabelecimento da democracia no país, conciliando diferentes tendências políticas. O legislativo voltou a funcionar e o uso da propriedade foi condicionado ao bem-estar social.

A constituição de 1946 instituiu o salário mínimo, o direito de greve e o ensino gratuito. A idade mínima para o exercício do voto baixou de 21 para 18 anos. Essa constituição foi emendada em 1961 para instituir o parlamentarismo, durante a crise deflagrada pela renúncia do presidente Jânio Quadros, mas a emenda foi revogada em janeiro de 1963.

O governo militar instaurado em 1964 procurou legitimar o autoritarismo por meio de sucessivos atos institucionais, que desfiguraram progressivamente a constituição. Só em 1967, porém, ela seria formalmente substituída. Resultado do projeto preparado por uma comissão de juristas, convocados pelo presidente Castelo Branco, e alterado pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, a nova constituição foi aprovada pelo Congresso, convocado para esse fim pelo Ato Adicional de 7 de dezembro de 1966.

A constituição de 1967 acabou com a eleição direta para presidente da república e criou, para elegê-lo, um colégio eleitoral. Com ela foram suspensas as garantias dos juízes e aprofundou-se a intervenção da União na economia dos estados. Novas medidas, particularmente o Ato Institucional n 5, foram alterando essa constituição até que, na crise deflagrada pela doença do presidente Costa e Silva, uma junta militar assumiu o poder e baixou, em 17 de outubro de 1969, a Emenda no 1, em substituição ao projeto que o presidente pretendia apresentar. Tratava-se, na prática, de uma nova constituição, que reforçou ainda mais o poder executivo ao instituir as medidas de emergência e o estado de emergência.

A constituição de 1969 esvaziou-se com o progressivo esfacelamento do regime militar. Em 1987, o presidente José Sarney, eleito ainda pelo voto indireto, convocou a nova Assembléia Nacional Constituinte. A constituição por ela projetada, promulgada em 5 de outubro de 1988, devolveu os poderes do legislativo e deu-lhe novas atribuições em matéria de política econômico-financeira, orçamento, política nuclear e política de comunicações. Criou também novos direitos individuais, coletivos e sociais e ampliou particularmente os direitos do trabalhador.

Constituição de 1824

Constituição imperial do Brasil, promulgada em 25 de março de 1824. Parlamentarista e calcada no modelo inglês, acrescentou aos três poderes clássicos o poder moderador. Permitia a escravidão e negava os direitos políticos, vinculados à renda mínima anual, às mulheres, criados e religiosos.

Constituição de 1891

Primeira constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Representou o pensamento liberal americano e levou ao estabelecimento do presidencialismo e do federalismo. Impôs a divisão de poderes, aboliu o poder moderador e instituiu o sufrágio universal masculino. Permitiu o voto a descoberto, fonte de muitas das fraudes eleitorais da República Velha e nenhuma referência fez às garantias sociais dos trabalhadores.

Constituição de 1934

Segunda constituição republicana do Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934. Primeira a considerar a posição social dos trabalhadores, instituiu a justiça trabalhista. Inspirada nas constituições alemã e espanhola.

Constituição de 1937

Terceira constituição republicana do Brasil, outorgada em 10 de novembro de 1937 por Getúlio Vargas. Ampliou o poder e o mandato do presidente da república, restringiu a autonomia do judiciário, dissolveu os órgãos legislativos e declarou o estado de emergência. Inspirada nas constituições ditatoriais e anticomunistas da Europa da época, serviu de estrutura legal ao regime ditatorial.

Constituição de 1946

Quarta constituição republicana do Brasil, promulgada em 18 de setembro de 1946. Baseou-se na de 1934. De caráter liberal, evidenciou as múltiplas tendências políticas representadas na constituinte. Admitiu o exercício, pela União, do monopólio de indústrias e atividades, manteve o regime federativo e o sistema presidencial. Garantiu o direito de propriedade e ampliou as conquistas trabalhistas do Estado Novo. Foi revogada em 1967 pela ditadura militar.

Constituição de 1967

Quinta constituição republicana do Brasil, promulgada em 24 de janeiro de 1967. Preparada pelo governo militar e aprovada pelo Congresso sem discussão, foi praticamente revogada pelo Ato Institucional nº 5, de 1968, e modificada a partir da emenda constitucional nº 1, de 1969.

Constituição de 1988

Sexta constituição republicana do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Restringiu o conceito de empresa nacional e criou novas garantias constitucionais, como o mandado de injunção e o habeas data. Qualificou como crimes inafiançáveis a tortura e as ações armadas contra o estado democrático e a ordem constitucional, determinou a eleição direta do presidente, governadores e prefeitos e ampliou os poderes do Congresso. Sofreu revisão a partir de 1995.

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