A grande crise da Independência

 

http://www.ipea.gov.br/desafios/images/stories/imagens_reportagens/rd75not07img01.jpg
Detalhe do Monumento à Independência, dos escultores italianos Ettore Ximenes e Manfredo Manfredi, inaugurado em 1922, no bairro do Ipiranga, em São Paulo

O Brasil nasceu como país autônomo sob o signo da estagnação econômica e do endividamento externo. Seguidas quedas no valor das exportações e negociações draconianas com Portugal e Inglaterra para a conquista de soberania geraram instabilidades no plano político, social e institucional. A situação só se alterou com o início da produção cafeeira em larga escala, que alterou a inserção do país no comércio internacional

Brasil se tornou independente sob o signo da estagnação. Antes e depois de 1822, o cenário de crise, pobreza e retração nos negócios tornou-se dominante na vida nacional.

No plano político, ao contrário da América espanhola, onde a quebra das relações coloniais se fez através de encarniçados confrontos militares, a soberania política do Brasil resultou de um complexo encadeamento de negociações, envolvendo Portugal e Inglaterra. O primeiro era a ex-metrópole e a segunda era a potência em ascensão. Vale a pena examinar os antecedentes da situação.

A fuga da família real para os trópicos, em 1808, fora causada pela invasão francesa na península ibérica, composta, àquela altura, por duas potências decadentes, Portugal e Espanha. A ação integrava as guerras napoleônicas (1805-1815), um conjunto de conflitos motivado por uma ação expansionista, que colocou quase todos os países europeus em conflito com Napoleão Bonaparte (1769-1821).

A viagem e a assistência logística à nobreza lusitana contaram com o inestimável apoio do principal inimigo da França, a Inglaterra. Dona da maior armada do planeta, berço da Revolução Industrial e sede das mais importantes casas bancárias da época, o império inglês não parava de estender seus domínios internacionais. Londres era uma espécie de capital financeira do mundo. As invasões abalaram os elos entre as metrópoles e suas colônias americanas.

A corte portuguesa, a partir daí, se tornou um instrumento nas mãos da Inglaterra. Não é de se estranhar que um dos primeiros atos de D. João VI, o monarca português, ao chegar ao Brasil, tenha sido abrir os portos às “nações amigas”. Em linguagem clara, as mercadorias britânicas teriam taxas aduaneiras menores para entrar no Brasil. Em 1810, um novo tratado estabeleceu que a Inglaterra pagaria apenas 15% de tarifas, ou seja, 9% a menos que os cobrados de outros países. Eram também 1% menores que as cobradas de Portugal. Enquanto esta taxa perdurou, a concorrência predatória de produtos estrangeiros manufaturados inibiu a industrialização brasileira. Isso significou também o fim do monopólio comercial definido pelos portugueses até então, o chamado exclusivo colonial, mecanismo pelo qual a colônia só pode comercializar com sua metrópole.

Não bastasse tudo isso, a vinda da família real e numerosa comitiva, devidamente escoltada por navios britânicos, resultou numa inversão da ordem dominante. A súbita transformação da colônia em metrópole acabou por desencadear uma série de eventos que tornou possível a independência do Brasil.

BAIXA NAS EXPORTAÇÕES A colônia vivia uma grave crise, desde o final do século XVIII. A causa básica, lembra Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil, era “o estancamento de suas exportações”. A situação perduraria por quase toda a primeira metade do novo século.

Nesse período, o crescimento médio anual do valor em libras das exportações brasileiras não excedeu 0,8% ao ano, enquanto população crescia com uma taxa anual de cerca de 1,3%, aponta Furtado.

“A baixa nos preços das exportações brasileiras entre 1821-30 e entre 1841-50 foi de cerca de 40%”, prossegue ele, enquanto as importações permaneceram em níveis praticamente estáveis. Assim, além do declínio real da renda per capita, o novo país começava sua vida independente enfrentando uma contínua crise no balanço de pagamentos.

Furtado segue em seu raciocínio: “Somente um desenvolvimento intenso do setor não ligado ao comércio exterior poderia haver contrabalançado o declínio relativo das exportações. As atividades não ligadas ao comércio exterior são, via de regra, indústrias e serviços localizados nas zonas urbanas. Não existe, entretanto, nenhuma indicação de que a urbanização do país se haja acelerado nesse período”.

Sem tecnologia que redundasse em aumento da produtividade agrícola e sem significativas possibilidades de formação de capitais, a saída para a economia brasileira seria uma nova inserção no comércio internacional.

Mas a concorrência mundial tornara o Brasil um fornecedor secundário de commodities agrícolas. A exportação de açúcar declinara diante da produção a partir da beterraba no continente europeu. Cuba e as Antilhas viram suas produções de cana florescer e abastecer os demais mercados, especialmente os da América do Norte. O algodão enfrentava pesada concorrência da produção dos Estados Unidos. Outros produtos como fumo, cacau e couros tinham peso relativo menor na pauta de exportações.

A marca desses anos foi a estagnação ou a decadência, com fortes decorrências na vida política e social.

http://www.ipea.gov.br/desafios/images/stories/imagens_reportagens/rd75not07img02.jpg
A Rua Direita (1832), litografia de Johan Moritz Rugendas (1802-1858), autor de Viagem pitoresca através do Brasil. Em suas palavras, o Rio de Janeiro logo após a Independência era “Inteiramente desprovido de edifícios realmente belos. (…) As residências não passam em geral de miseráveis choupanas, esparsas ao acaso ou empilhadas umas contra as outras, entre as colinas e o mar”

REFERÊNCIA POLÍTICA O Rio de Janeiro após a chegada da família real passou a ser não apenas o centro administrativo e financeiro do império português – que ainda detinha territórios na Europa, na África e na Ásia – mas se tornaria uma referência política continental. A partir de 1808, o Brasil teria um banco oficial, as atividades industriais e de imprensa acabariam liberadas, seriam criadas uma academia militar, duas faculdades de medicina e a Corte ganharia vários melhoramentos urbanos. Mesmo no âmbito da máquina administrativa, a incipiente burocracia colonial deu lugar a repartições administrativas mais complexas e autônomas, apesar de oriundas de uma potência decadente como Portugal.

A chamada internalização da metrópole era tão inusitada que, mesmo após a expulsão das tropas napoleônicas de Portugal, em 1812, D. João VI, decidiu fixar residência nos trópicos. Só voltaria à terra natal nove anos depois, por receio de perder o poder, em meio a intensas disputas que lá ocorriam. Aqui ficaria seu filho, o príncipe D. Pedro, que seguiria com a Coroa.

Quando a independência tornou-se um fato, Portugal de início recusou-se a reconhecer a soberania do novo país. Não por acaso, a Inglaterra apressou-se em fazê-lo e estabelecer contatos estreitos com o Império do Brasil.

O PREÇO DA INDEPENDÊNCIA Para obter o reconhecimento da ex-metrópole, D. Pedro comprometeu-se a assumir o empréstimo de 1,4 milhões de libras “que Portugal emitira em Londres em 1823, assim como pagar ao seu real pai 600 mil libras pelas propriedades que deixou no Brasil. (…) Mas antes da partida de D. João VI, a extravagância de sua corte e os milhares de dependentes que trouxera de Portugal, quase levaram o Brasil à falência. (…) Empréstimos estrangeiros eram, portanto, vitais para a sobrevivência nacional”, segundo conta o estudioso inglês Frank Griffith Dawson, em seu livro A primeira crise da dívida latino-americana.

Para fazer frente a esta situação, o Brasil obteve em Londres, em 1824, seu primeiro empréstimo externo, no valor de três milhões de libras. No ano seguinte, houve um novo financiamento de 3,7 milhões de libras esterlinas. Em 1829, o país contrai mais quatro milhões de libras. Foi o início de uma sucessão de empréstimos contraídos pelo Império, que se prolongariam República adentro.

O Brasil tornou-se soberano politicamente numa onda de rompimentos das colônias ibéricas com suas metrópoles no período entre 1810, ano da independência Argentina, a 1828, data da decretação da soberania uruguaia. Em 18 anos, modificou-se esterum panorama continental que durava três séculos. Não foi um processo único, pois contou com inúmeras características locais.

À Inglaterra interessava expandir seus mercados de produtos industrializados e de crédito e aumentar seu leque de fornecedores de matérias-primas. Para isso, Londres apoiou não apenas política e economicamente os países em fase de libertação, como em alguns casos deu suporte militar. Isso aconteceu no Chile, na Venezuela e no Brasil. Era a ascensão do liberalismo, do mercado desregulado e da Inglaterra como principal potência mundial.

CORTE EM APUROS A partir da Independência e por quase duas décadas, o Brasil viveu um dos períodos mais conturbados de sua História. São duas ordens de problemas, uma política e outra econômica.

Havia uma permanente tensão envolvendo conservadores que desejavam uma recolonização do país, especialmente comerciantes portugueses, e setores da elite brasileira, ansiosos por aprofundar o processo de separação.

Loader Loading...
EAD Logo Taking too long?

Reload Reload document
| Open Open in new tab

BAIXE O TRABALHO AQUI

Latest articles

Previous article
Next article

Trabalhos Relacionados