A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII

 

Christopher Hill inicia a sua obra “A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII” com o primeiro capítulo intitulado “Uma cultura bíblica” abordando o papel central da Bíblia, e seu o impacto e influência na sociedade inglesa do século XVII. Com as agitações devido aos acontecimentos daquele século, tinha-se a esperança de encontrar na Bíblia soluções para as dificuldades que os afligiam, essa busca tornou-se possível com a tradução da Bíblia para o inglês, passando a ser lida e discutida pelas várias camadas de membros dessa sociedade.

De acordo com Christopher Hill, a Bíblia ainda não atingiu um conhecimento sólido e impenetrável, ou seja, seu conjunto de dogmas, histórias e ideias foram compostos ao longo de vários séculos. Suas escrituras foram demasiadamente rescritas gerando diversos conflitos, uma variedade de interpretações e até discussões em relação aos aspectos em que a Bíblia não abordava. Nessa perspectiva, a Bíblia ganha uma diversidade de significados de acordo com a sociedade e com a época. Resultando em fragmentações de ideias, divergências de interpretações e antagonismo entre as diversas correntes que surgiam.

Hill destaca também que após a tradução da Bíblia para o inglês, juntamente com a invenção da imprensa, a Bíblia passou a ser posse de leigos, facilitando que seu conhecimento fosse disseminado a todos os níveis da sociedade. Foi aceita também como elemento fundamental da vida intelectual, responsável pelos modos de pensar e agir, a Bíblia era a base da cultura inglesa, desempenhando um papel importante na construção do nacionalismo inglês, e na afirmação da hegemonia da língua inglesa, onde antes o francês predominava.

A disseminação da Bíblia em inglês foi um fator de grande estímulo para a aprendizagem da leitura, causando uma revolução de grandes proporções. O acesso direto aos textos bíblicos pelos leigos permitiu fortalecer as críticas feitas à Igreja e ao clero, ocorrendo demasiadas tentativas de abolir essa diversidade de pensamentos, principalmente através de um ato parlamentar em que proibia diversas camadas da sociedade de ler ou discutir o Novo Testamento em público, porém sem muito sucesso.

Com a difusão da liberdade de impressão, foi possível uma concepção mais ampla da liberdade religiosa, permitindo grupos se reunirem para discussões e leituras sobre a Bíblia. Defendia-se a ideia de que todos os leigos deveriam ter direito de ler e estudar a Bíblia, já que era um elemento chave para compreensão da verdade. Porém no século XV as coisas não eram tão simples, o fato de possuir uma Bíblia em inglês e lê-la poderia ser um fato presumível de heresia, todavia a Igreja acabou reconhecendo que não poderia suprimir as traduções inglesa decidindo então competir com elas, surgindo assim o Novo Testamento de Rheims em 1582.

Para se ter noção da revolução que a imprensa causou Christopher Hill cita que as edições do Novo Testamento de Tyndale impressos, custavam 18 vezes menos que os textos manuscritos do dos lollardos, facilitando assim o acesso aos textos bíblicos. Após a difusão da imprensa, no período entre a Reforma e a metade do século XVII na Inglaterra, mais de um milhão de exemplares do Novo Testamento foram publicados. Posteriormente vários tipos de documentos passaram a ser impressos, além de diversas obras de Lutero que obtiveram grandes vendas tornando os livros uma das principais mercadorias de exportação. Para Christopher Hill estes fatos contribuíram para uma revolução cultural, a arte da impressão expandiu o conhecimento das pessoas comuns, e graças a impressão foi possível alguns movimentos reformistas, além de estimular o academicismo, que inicialmente era bíblico tornando-se depois científico.

Nessa perspectiva, acirrou-se a disputa entre católicos e protestantes, surgindo a necessidade de um estudo intensificado dos textos bíblicos. Posteriormente um texto oficial deveria ser constituído por meio de discernimentos rígidos da erudição, porque as falsificações dos textos estavam prejudicando a confiança na autoridade da Bíblia.  Os protestantes acreditavam que com a imprensa mais pessoas poderiam aprender a ler, criando uma nova cultura e um novo interesse pela educação popular, defendendo a ideia de que eles, os protestantes, apoiavam o conhecimento enquanto os católicos a ignorância. Com a explosão da imprensa as discussões religiosas pelo protestantismo se estabeleceram na Inglaterra, colocando um número maior de pessoas em contato direto com a Bíblia.

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