A ÁFRICA – MATRIZ DA CULTURA BRASILEIRA

 

O principal objetivo deste trabalho é analisar de modo sucinto a questão da escravidão e suas implicações no processo de formação da sociedade brasileira. Para tanto, busca-se primeiramente definir o que é a escravidão, passando por um breve relato de sua prática pelas primeiras civilizações, até chegar a seu uso na sociedade colonial brasileira, daí a suas conseqüências atuais. Como conclusão, o artigo alerta para a necessidade da aplicação da Lei 10.639/2002, não só como forma de enriquecer o conhecimento da história da África e de seus povos, enquanto nossos antepassados, mas também como elemento fortalecedor de formação ética, no sentido de derrubar ideologias discriminatórias e preconceitos.

Palavras-Chave: África, Escravidão, Negros

Introdução

A escravidão era praticada na África muito antes da chegada dos colonizadores portugueses. Há indícios de captura de escravos pelas expedições egípcias desde 2680 a.C., aproximadamente.
Considerados como seres inferiores pelos mais poderosos, os escravos foram transformados em mercadoria de alto valor para a região do sul do Egito.
No século XIV, a expansão européia fez com que o sistema escravagista adquirisse um caráter essencialmente econômico, além de contornos raciais, fazendo com que o negro fosse identificado como escravo.
A visão etnocêntrica do europeu, que predominou até fins do século XV e primeiras décadas do século XVI, transformou o escravo no outro, diferente e inferior, não humano, passando a ser uma simples mercadoria, um bem a ser trocado, comprado e vendido. Como cita Mary Del Priore: “A cor negra, associada à escuridão e ao mal, remetia, no inconsciente europeu, ao inferno e às criaturas das sombras.” (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2004, p.56).
Mas o desenvolvimento do comercio de escravos africanos, entre os continentes, deve ser considerado a partir da presença da escravidão e do comércio de escravos no interior da própria África.
A escravidão na África foi uma imitação da escravidão dos Mouros e Sarracenos, que cresceu, desenvolveu-se, agigantou-se e envolveu todas as grandes potências marítimas, que eram a Inglaterra, França, Espanha e Portugal e outras quase todas arrastadas pelas rendas que o mercado de escravo oferecia. A África então passou a ser o grande palco da escravidão do homem pelo homem criando zonas de penetração ao interior desconhecido para aprisionamento dos negros. O homem foi transformado em mercadorias e classificados nas alfândegas como objeto de utilidade para pagamento de imposto de exportação. Ao longo dos séculos, a escravidão vai mudando de acordo com a região e ao uso do escravo, porém não deixando nunca de ser uma violência de um ser humano contra outro.
A partir do início do século XVII, a escravidão passa a ser caracteristicamente africana, isto é, o escravo passou a ser ligado diretamente a sua cor da pele, especificamente a cor negra. Dessa forma, a escravidão projeta-se até hoje sobre os descendentes dos escravos.

Desenvolvimento

Considerada o berço da humanidade, a África viu nascer o Homo Sapiens há 200 mil anos. Por viver numa região de clima quente, naturalmente sua pele apresentava uma coloração escura, resultado da concentração de melanina, que serve de proteção contra a radiação solar. Com o passar do tempo, o homem foi se deslocando para o norte, indo em direção às regiões frias da Europa, o que provocou o clareamento da pele, dando origem aos povos nórdicos.
Mas a evolução do homem se deu na região africana, onde surgiram a agricultura e as primeiras civilizações. Até o século XV a África seguia seu próprio desenvolvimento, com importantes estados constituídos, como o Império Songai, o Império de Gana, o Reino do Zimbábue, o Reino do Daomé, a civilização Achanti , a civilização Yorubá (composta de cidades-estado), e a civilização Ilê Ifé, entre outras. Algumas cidades como Gao, Tomboctu, Djennê e Benim, eram mais povoadas que Lisboa, Veneza e Londres, e possuíam universidades.
As sociedades africanas possuíam estrutura relativamente estável, e os reinos africanos gozaram de relativa estabilidade até a chegada dos europeus, para quem vendiam ouro, marfim e sal.
A origem da escravidão humana perde-se no tempo, assentando-se em épocas pré históricas, sendo impossível estabelecer se o primeiro escravo era branco ou negro, asiático, africano ou europeu. Mas podemos considerar que tenha começado com o desenvolvimento da lavoura. No espaço agrário, surgiu como complemento de mão-de-obra para a produção agrícola e no espaço urbano, o trabalho escravo era utilizado de diversas maneiras: tanto na área burocrática do governo como no exército, sobretudo a partir do contato com o mundo árabe.
A escravidão na região africana, além de ser uma imitação da escravidão dos Mouros e Sarracenos, era uma situação aceita que cresceu, desenvolveu-se e envolveu todas as grandes potencias marítimas, que eram: Inglaterra, França, Espanha e Portugal, tornando-se essencial para a economia e para a sociedade. Segundo Paul Lovejoy, “ a escravidão era uma instituição central em muitas regiões da África…”.(LOVEJOY, Paul E., 2002, p. 14).
Muitas vezes as pessoas se tornavam escravos por razões de disputas locais e guerras, ou de demonstração de riqueza e poder por parte de algum governante local. Algumas pessoas foram levadas à escravidão por castigo. O crime poderia ser feitiçaria, roubo ou adultério. Outras eram simplesmente raptadas e transformadas em escravos.
As primeiras excursões portuguesas à África foram pacíficas. Em meados da década de 1470 os “portugueses tinham começado a comerciar nos golfos do Benin e freqüentar o delta do rio Níger e os rios que lhe ficavam logo a oeste”, negociando principalmente escravos.
Acreditando que a principal fonte de lucro da costa oeste da África era a exploração de minas de ouro, os europeus investiram fortemente na navegação no Atlântico, o que levou a estabelecer ali o comércio de escravos. No período compreendido entre 1450 e 1900, subestima-se que foram vendidos cerca de 11.000.000 de escravos negros. È importante ressaltar que as explorações marítimas vinham sendo praticadas desde o século XIV pelos portugueses.
As redes de tráfico na África eram anteriores ao advento das rotas Atlânticas e cresceram significativamente depois que produtos de outras regiões foram introduzidos para serem trocados principalmente por escravos. Este crescimento foi simultâneo ao de guerras, conquistas, capturas, aumento progressivo de escravizações e de populações devastadas por migrações e pela fome.
Junto ao comércio de escravos, estabeleceu-se também o comércio de outros produtos, tais como o marfim, tecidos, tabaco, armas de fogo e peles. Porém, a principal fonte de riqueza ali obtida foi a mão-de-obra escrava.
O investimento europeu nas guerras geradoras de escravos modificou profundamente a África e também as Américas. Cidades atacavam outras cidades, escravizando a população.
As etnias que partiam dos vários portos da África transformavam-se ao longo do tempo. Logo após o desembarque, os escravos eram revendidos e, conseqüentemente, transferidos para outras localidades, para outras regiões.
A maioria dos historiadores concorda que pelo menos 12 milhões de escravos deixaram o continente entre os séculos XV e XIX, sendo que de dez a vinte por cento morreram a bordo dos navios. Assim, um valor de 11 milhões de escravos transportados para as Américas é o número mais próximo que os historiadores conseguiram chegar.
A escravidão foi uma das maiores questões da história do Brasil, tendo se iniciado no período de 1532 com o advento da colonização, estendendo-se até 1888. Durante estes três séculos e meio, o negro africano desempenhou um importante papel para o desenvolvimento econômico do Brasil, tanto no período colonial quanto depois da Independência.
A travessia do Atlântico para o Brasil acontecia através de embarcações denominadas “navios negreiros” ou “tumbeiros”. Os negros vinham de diferentes regiões da África (costa ocidental- Cabo Verde/Cabo da Boa Esperança -, costa oriental – Moçambique, e também das regiões do interior do continente. Cerca de 40% dos negros embarcados morriam durante a viagem nos porões destas embarcações. A travessia do continente africano para o Brasil era feita nos porões dos navios, onde os negros eram empilhados de forma desumana, em condições totalmente insalubres. Muitos deles não chegavam vivos, tendo seus corpos atirados ao mar.
As principais causas de morte nos navios eram a disenteria e a varíola, sendo que muitas vezes os negros morriam de pura depressão e desespero, por se recusarem a comer. Ao serem forçados a se alimentar, pulavam do navio e morriam afogados no mar. Estas perdas foram registradas, porém a maior parte dos documentos que comprovam esta situação desapareceu.
Losses were recorded but most of these documents have disappeared.Os principais portos de desembarque no Brasil eram a Bahia, o Rio de Janeiro e Pernambuco, de onde seguiam para outras cidades. Desses portos, eram espalhados por todo o país. Chegados ao porto da destinação, os negros eram armazenados em um barracão à espera que fossem vendidos.
A venda dos escravos vindos da África era feita em praça pública, através de leilões, mas o comércio de negros não se restringia à venda do produto do tráfico. O principal objetivo era constituir a mão-de-obra do colonizador português, que não aceitava fazer o trabalho braçal em nome de uma nobreza muitas vezes auto-outorgada.
As primeiras regiões do Brasil a receberem escravos africanos foram Bahia e Pernambuco, onde a produção de açúcar mais prosperou. Ao longo do século XVII, o tráfico de escravos alcançou os maiores índices de lucro para Portugal, superando o próprio negócio de açúcar. A partir do século XVIII, as fazendas de produção de açúcar e as minas de ouro abrigavam um grande número de escravos nos trabalhos braçais, e estes escravos eram tratados da pior forma possível. Trabalhavam de sol a sol, vestiam-se com trapos de roupas e recebiam alimentação de péssima qualidade. À noite, eram colocados nas senzalas (galpões escuros, úmidos e com pouca higiene), sendo acorrentados para evitas as fugas. Os castigos físicos eram constantes e o açoite era a forma mais comum de punição. O excesso de trabalho e as condições precárias de higiene e salubridade a que eram submetidos, reduziam em média de sete anos sua vida útil.
As manifestações religiosas, as festas e rituais trazidos da África eram proibidos, sendo-lhes imposto pelos seus senhores, as práticas do catolicismo, bem como o uso da língua portuguesa.
Porém, mesmo proibidos, não deixaram sua cultura morrer. Às escondidas, realizavam seus rituais, praticavam suas festas, mantendo vivos crenças e costumes que trouxeram consigo, provocando a partir de então, grande influência étnica das culturas africanas no Brasil.
Mas os negros muitas vezes reagiram à escravidão, formando grupos de revoltas nas fazendas, que fugiam para as florestas, onde fundavam comunidades denominadas de quilombos. Estes quilombos eram organizados de forma que conseguiam recriar comunidades idênticas às existentes na África. Ali se praticava a agricultura, falavam sua própria língua e praticavam seus rituais religiosos. O mais famoso dos quilombos foi o de Palmares, cujo líder foi Zumbi. Ao longo do século XVII, este quilombo tornou-se um centro de resistência contra todo o sistema escravocrata. É bom lembrar que o Quilombo de Palmares representava um autentica republica negra com sua organização militar, de trabalho e de produção. Lá se trabalhava o ferro e a agricultura que incluía o plantio de mandioca, da cana-de-açúcar, bem como a criação de gado para suprir as necessidades internas. O excedente da produção era trocado na vizinhança por sal, pólvora e armas de fogo. O quilombo era uma ameaça aos fazendeiros da região, pois sua existência estimulava a fuga de escravos, e sua organização também incomodava a corte e as autoridades, fatores que levaram o governo a extingüí-lo de forma brutal.
Mas este famoso quilombo não foi o único a existir, muito pelo contrário. Os quilombos se multiplicaram pelo Brasil como uma forma de organização de resistência dos negros que fugiam do trabalho escravo.
A partir da metade do século XIX, a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo, o Parlamento inglês aprovou em 1845 a Lei Bill Aberdeen, que proibia o tráfico de escravos, dando poder aos ingleses para abordar e aprisionar navios de países escravocratas. Em 1850, extingue-se o tráfico de escravos e a escravidão começa a declinar. Progressivamente, os escravos são substituídos por imigrantes europeus assalariados no mercado de trabalho. Mas somente a partir da Guerra do Paraguai (1865-1870) é que o movimento abolicionista ganha força. Ao retornarem vitoriosos da guerra, milhares de ex-escravos, muitos condecorados, se recusam a voltar à condição anterior. O problema social torna-se então uma questão política para a elite dirigente do Segundo Reinado.
A partir das pressões feitas pela Inglaterra para acabar com a escravidão no Brasil, e juntamente com a insistência e a luta das classes simpatizantes pela liberdade dos negros, foram assinadas quatro leis que, teoricamente, puseram fim na escravidão:
Lei Eusébio de Queirós (1850) – proibiu o tráfico.
Lei do Ventre Livre(1871) – deu liberdade às crianças negras nascidas a partes daquela data.
Lei do Sexagenário (1885) – deu liberdade aos negros escravos maiores de sessenta anos.
Lei Áurea (1888) – aboliu de vez a escravidão no Brasil, levando a liberdade a 750 mil escravos, a maioria deles trazidos da África pelos portugueses.
Apesar do fim da escravidão, a abolição não foi acompanhada de nenhuma ação no sentido de integrar o negro à sociedade. Não houve nenhuma melhora na condição social e econômica dos ex-escravos. Sem formação escolar e nem profissão definida, a maioria deles não saiu da condição subalterna, o que acabou provocando o surgimento de uma população livre, porém excluída socialmente, e que hoje representa uma das características mais marcantes da sociedade brasileira.

Conclusão

As conseqüências da escravidão para a África foram devastadores. Muitas comunidades que conviviam pacificamente, se militarizaram e travaram guerras infindáveis. Enquanto durou a escravidão, os escravos “produzidos” eram vendidos em feiras e exportados. A exploração de mão-de-obra escrava, primeiro pelos árabes e depois pelos europeus, provocou uma desestruturação de enormes proporções, que ainda não foi superada. Guerras, doenças e pobreza devastam até hoje grande parte do continente, cujas riquezas naturais continuam sendo remanejadas para outros países.
Já na sociedade brasileira, elas não só se limitam às desigualdades sociais, mas também estão incrustadas nas muitas idéias falsas e nos preconceitos que, muitas vezes até passam despercebidos por nós.
A herança social deixada pela escravidão no Brasil pode ser percebida nas camadas mais pobres da população. A Lei Áurea foi um documento que representou a libertação formal do escravo, porém não garantiu a sua incorporação como cidadão pleno à sociedade brasileira. Depois de decretado o fim da escravidão, os ex-escravos foram abandonados à própria sorte e forçados a integrar as camadas de marginalizados que já constituíam a maioria da população. Empurrados para a periferia das cidades, formaram as primeiras favelas, passando a viver de pequenos e esporádicos trabalhos, a maioria braçal.
A escravidão deixou muitas marcas na sociedade brasileira, tais como: grandes concentrações de negros e mestiços nas camadas mais pobres da população; a persistência da situação de marginalização em que vive a maior parte destes indivíduos; a sobrevivência do racismo e de outras formas de discriminação racial e social; as dificuldades de integração e de inclusão do negro na sociedade; os baixos níveis de renda, de escolaridade e de saúde predominantes entre a maioria da população. A escravidão, portanto, deixou um ponto fundamental para a compreensão dos problemas sociais, econômicos, demográficos e culturais presentes na atualidade.
A sociedade brasileira pode ser vista como o resultado de um projeto dos portugueses, cuja construção foi predominantemente africana. O modo africano de ser está em todo o conjunto do ser e da nação brasileiros. Os negros criaram expressões próprias que se incorporaram ao nosso cotidiano. Com a miscigenação das culturas, hoje o Brasil é um país que possui uma diversidade cultural imensa, com uma forte presença negra. A cultura afro-brasileira mais forte que podemos encontrar na sociedade brasileira está na Bahia, onde podemos encontrar traços africanos presentes nos cabelos, nas roupas, nas músicas, na culinária, nas danças e na religião (candomblé).
Atualmente, existem iniciativas por parte do governo que procuram reduzir as distorções históricas com relação à escravidão negra. A Lei 9.394 enfatiza que “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”. Já a Lei 10.639/2003 inclui no currículo oficial dos estabelecimentos de ensino básico das redes pública e privada o estudo obrigatório de História e Cultura Afro-Brasileira.

“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.(Lei 10.639/2003)

Desta forma, a Lei 10.639/2002 torna-se elemento essencial para que seja refeito o caminho pelo qual se construiu uma imagem negativa dos povos africanos e, a partir daí, desconstruir ideologias e mentalidades discriminatórias e preconceituosas que permeiam nossa sociedade. Assim, espera-se que este trabalho venha contribuir ao menos um pouco para mostrar a importância de se conhecer a história da África, seu povo, sua cultura e costumes, visto que é lá onde se encontram nossas raízes étnicas e culturais.

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